Uma análise sobre a proteção internacional de Direitos Humanos e a importância econômica da iniciativa privada…
É amplamente reconhecido na doutrina internacional que o desenvolvimento econômico é fator relevante para a promoção de direitos humanos. Essa teoria, inclusive, fomentou debates jurídicos que deram origem à tratados internacionais de grande adesão, como o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC).
No mundo capitalista contemporâneo, muitos países apostam na iniciativa privada como fator essencial na economia e, consequentemente, trata-se de pilar importante para a promoção de direitos humanos e sociais. Sendo verdade este raciocínio, torna-se oportuno que o Direito Internacional não apenas proteja a atividade empresária contra abusos ou má gestão do Estado, mas também que identifique-a como fator potencialmente importante para o cumprimento de direitos.
Nota-se que não é pretensão deste trabalho defender um modelo de Estado radicalmente libertário ou abordar preocupações sobre descumprimento de direitos humanos no funcionamento das empresas. Pretende-se, sim, apresentar o potencial que os agentes econômicos particulares possuem de promover direitos e garantias sociais em Estados capitalistas.
Entretanto, existe um problema prático cortante: mesmo em países comprometidos com a autonomia privada, muitas vezes o Estado intervém diretamente na economia de maneira excessiva, desprestigiando a iniciativa privada, o que pode prejudicar a economia e a promoção de direitos humanos em determinados contextos.
Conforme expôs Robert Nozick: “nenhum princípio de estado final ou distributivo de justiça pode ser continuamente implementado sem interferência contínua na vida das pessoas“. O autor, radicalmente liberal, apresenta que o Estado distributivo, interventor na economia, interfere na liberdade dos indivíduos e gera efeitos negativos nas relações trabalhistas e econômicas da sociedade.
Nos termos de Luís Roberto Barroso, o Estado, como agente regulador e normativo da atividade econômica, pode exercer funções de (1) disciplina, (2) fomento e (3) intervenção direta. Em específico: a função da intervenção direta se verifica nos casos que o Estado efetivamente assume papel de prestador de bens ou serviços.
Nesse sentido, combinando as teses dos autores, pode-se dizer que os Estados que excessivamente exercem a função de intervenção direta, restringindo ou prejudicando a iniciativa privada, aproximam-se de ideais de Estado distributivo descritos por Nozick.
Portanto, a postura intervencionista estatal pode gerar efeitos distintos dos desejáveis na opinião do filósofo americano, como o prejuízo de direitos humanos. Estabelecida esta premissa teórica, cabe a análise prática.
Como exemplo dos perigos deste comportamento estatal excessivamente interventor, pode-se analisar o estado do Rio de Janeiro em contraposição com o de São Paulo. Isso porque, apesar de serem regidos pelos mesmos princípios constitucionais, são diferenciados pelo grau de intervenção estatal na economia.
Uma das principais causas da situação caótica e de crise no RJ foram as recentes instabilidades do setor público.[1] Isso porque a máquina estatal realizou excessivas intervenções diretas na região, o que aumentou o número de contratos e a dependência econômica entre os particulares e o Poder Público e, consequentemente, os riscos das empresas diante de instabilidades do Estado.
Desse modo, a crise do setor público complicou a economia no Rio de Janeiro, acarretando em violações de diversos direitos humanos e sociais, o que pode ser percebido diante da crescente violência urbana, miséria, desemprego e falta de recursos nos cofre públicos da região.
Em São Paulo, por outro lado, o impacto das crises do Estado na economia privada é menor, já que prevalece mais a função de fomento à comunidade empresária, colaborando para o maior desenvolvimento e estabilidade socioeconômica na região.[2]
Pode-se pensar que a lógica do caso RJ é aplicável para grande parte dos países capitalistas, pois expõe perigos da excessiva intervenção direta do Estado.
A partir do cruzamento de dados fornecidos por estudos da The Heritage Foundation, sobre índices de liberdade econômica dos Estados[3], e pesquisas de Keith Schnakenberg e Christopher Fariss, sobre o grau de cumprimento dos direitos humanos nos países[4], pode-se retirar que a autonomia privada se mostra como potencial fator para a promoção de garantias fundamentais.
Isso porque países com maior liberdade econômica tendem a ter maior grau de cumprimento de direitos humanos, mesmo se analisados Estados com PIB per capita próximos (como Malásia, Uruguai, Panamá e Brasil).
Além disso, segundo artigo “Yes, Human Rights Are Improving Over Time” publicado por Christopher Fariss, a prática de direitos humanos no mundo vêm se desenvolvendo ao longo dos anos. Entretanto, essa tendência possui maiores obstáculos nos países de restrita liberdade econômica.
Isso porque empresas privadas em geral, naturalmente, são responsáveis pela geração de impostos, empregos legais e desenvolvimento socioeconômico, o que torna relevante a função estatal de fomento à atividade empresária. O empresário não é necessariamente, portanto, inimigo dos direitos humanos.
Além dos efeitos naturais da iniciativa privada (geração de empregos, desenvolvimento socioeconômico e arrecadação de impostos), outra fonte de externalidade positiva das empresas é o exercício da responsabilidade social, isto é, qualquer atividade praticada voluntariamente em prol da sociedade.
Afinal, as próprias empresas são interessadas em realizarem ações pró-direitos humanos, pois a boa imagem corporativa diante dos stakeholders pode ampliar expectativas de lucro.[5]
Diante do exposto, conclui-se que o Direito Internacional não deve ser silente diante da importância da iniciativa privada em muitos contextos. Nesse sentido, pode-se pensar em emenda ao PIDESC, tratado com elevada aderência internacional criado diante da importância da economia para a promoção de direitos humanos.
Assim, respeitada a autodeterminação dos povos, torna-se oportuna a adição de novo artigo que reconheça a função estatal de fomento à iniciativa privada. O Brasil, assim como qualquer outro Estado Parte, pode propor emenda ao Pacto citado, nos termos do art. 29.
[1] “A crise nos Estados brasileiros: o caso do Rio de Janeiro”. Revista Exame. Publicado em 20/01/2020. Disponível em: <https://exame.abril.com.br/blog/instituto-millenium/a-crise-nos-estados-brasileiros-o-caso-do-rio-de-janeiro/>. Acessado em 13 de maio de 2020.
[2] “São Paulo deve crescer mais que o Brasil em 2020”. Disponível em: <https://exame.com/economia/sao-paulo-deve-crescer-mais-que-o-brasil-em-2020-diz-meirelles/>. Acesso em 19 de maio de 2020.
[3] “2020 Index of Economic Freedom”. The Heritage Foundation. Disponível em: <https://www.heritage.org/index/ranking>. Acesso em 16/05/2020.
[4] “Schnakenberg, K. E. & Fariss, C. J. (2014). Dynamic Patterns of Human Rights Practices. Political Science Research and Methods, 2(1), 1–31. doi:10.1017/psrm.2013.15”. Dados disponíveis em: <https://dataverse.harvard.edu/dataset.xhtml?persistentId=doi:10.7910/DVN/TADPGE>. Acesso 12 de maio de 2020.
[5] MUSAFER, Shanaz. “Corporate Social Responsibility: Measuring its value”. BBC News, 2012. Disponível em: <https://www.bbc.com/news/business-19876138>. Acesso em 21 de maio de 2020.
VICTOR RONDON MOURA – Brasília