Doravante, ganhou força a afirmação feita por André Lara Resende: governos dos diversos países atingidos pelo coronavírus descobriram que os efeitos são maiores do que a causa, que o desemprego e modestas atividades empreendedoras converteram renda gerada com ausência absoluta de renda, ‘abriram o cofre’ no intuito de evitar um novo ‘crash’, desta vez encontrando apoio irrestrito dos mercados. Quando tudo passar e os gastos tiverem chegado ao seu limite, veremos a realidade das contas.
*Antônio Augusto Ribeiro Brandão
A palestra que fiz em novembro do ano passado, patrocinada pelo CORECON, na AMEI, sob o título “Desafios à teoria econômica”, debateu as práticas de política monetária heterodoxas implementadas e lideradas pelo Federal Reserve – FED, o banco central americano, e seguidas pelos demais banco centrais dos países desenvolvidos, para combater a crise das hipotecas, quase um novo ‘crash’ do sistema financeiro dos Estados Unidos, repercutido em países da zona do euro.
Àquela altura aprofundava-se o processo recessivo na economia, mas as ações no seu combate levou-me à classificar como sendo “a prática contrariando a teoria”, pois segundo os estudos da Teoria quantitativa da moeda e sua velocidade de circulação, da Base monetária e seu multiplicador, as consequências levariam forçosamente em um processo inflacionário.
Como isso não ocorreu – embora a teoria explique o porquê, ou seja, não houve demanda de crédito pela economia real, pressão sobre o sistema de preços -, os efeitos colaterais refletiram-se no aumento do endividamento das empresas e dos governos, que rolaram os seus débitos, e os encaixes nos bancos centrais dos títulos emitidos em troca aumentaram em virtude das repactuações de prazo, das recompras.
Como sabemos, os bancos centrais tentaram ‘enxugar’ o mercado retirando paulatinamente o excesso de liquidez, mas não conseguiram até hoje, senão voltando a promover novas ‘rodadas’ de afrouxamento monetário. Seguem-se os dados abaixo.
Evolução do balanço do Federal Reserve – FED, o banco central americano, pela adoção da política monetária heterodoxa de afrouxamento monetário – QE (‘quantitative easing’); QE1: US$ 2,3 trilhões em ativos, entre janeiro/2009-agosto/2010, em compras de US$ 1,25 trilhões em títulos garantidos por hipotecas-MBS; QE2: US$ 2,9 trilhões em ativos, entre novembro/2010 a junho/2011, em compras de US$ 600 bilhões em títulos do Tesouro de longo prazo; QE3: US$ 4,5 trilhões em ativos, títulos garantidos por hipotecas-MBS, a partir de setembro/2012, a uma taxa de US$ 40 bilhões/mês; a partir de janeiro/2013, US$ 45 bilhões com a compra de títulos do Tesouro de longo prazo, programas concluídos em outubro/2014.
A partir daí, o FED iniciou uma tentativa de normalização do seu balanço patrimonial no montante de US$ 3,7 trilhões em ativos, a partir de outubro/2017, começando com uma taxa inicial de US$10 bilhões/mês, a cada trimestre, até alcançar uma redução de US$ 50 bilhões/mês.
QE4: US$ 6 trilhões e contando, em outubro/2019, o FED começou a comprar títulos do Tesouro a uma taxa de US$ 60 bilhões/mês, para facilitar a liquidez nos mercados de empréstimos overnight, sem sucesso.
O FED deve ter injetado US$ 1,5 trilhão e mais US$ 1,0 trilhão por semana, até fins de março de 2020, principalmente em função do agravamento da queda nas bolsas de valores causada pela pandemia. Note-se: esses valores são maiores do que as primeiras rodadas do QE, nos últimos dez anos.
Enquanto isso, ganharam força as teses heterodoxas. O economista André Lara Resende – ALR escreveu o livro “Consenso e contrassenso” defendendo as práticas de política monetária adotadas pelo FED e afirmando: o governo que emite sua moeda não está sujeito a limitações; e Ben Bernanke, então presidente do FED quando foram adotadas essas práticas, Timothy Geithner e outros, escreveram o livro “Apagando o incêndio”, defendo o afrouxamento monetário e, segundo eles, de absoluto sucesso evitando um novo ‘crash’.
Até então era somente a prática contrariando a teoria, que passou a exigir aprovação da academia à nova tese em política monetária, inclusive tendo implicações no que ainda hoje é ensinado nas Universidades, exigindo pesquisa acadêmica, e eis que surge a pandemia.
Doravante, ganhou força a afirmação feita por André Lara Resende: governos dos diversos países atingidos pelo coronavírus descobriram que os efeitos são maiores do que a causa, que o desemprego e modestas atividades empreendedoras converteram renda gerada com ausência absoluta de renda, ‘abriram o cofre’ no intuito de evitar um novo ‘crash’, desta vez encontrando apoio irrestrito dos mercados. Quando tudo passar e os gastos tiverem chegado ao seu limite, veremos a realidade das contas.
Alguns números ilustram minha afirmação conforme publicado pelo jornal Valor, de 31/07/20: a dívida bruta do governo geral (União, Estados, Municípios e Empresas estatais)) sobe a 85,5% do PIB, segundo o Banco Central, variando de 81,9% para 85,5%, “o maior crescimento de toda série histórica da autoridade monetária”; o déficit primário (Receitas menos Despesas primárias) deve ficar em R$812 bilhões no ano, segundo estimativas, conforme abaixo segundo previsões do Ministério da Economia para 2020:
Produto Interno Bruto (PIB), retração -4,70%; Déficit primário do governo central R$ 787,4 bi (11% do PIB); Déficit primário do setor público R$ 812,2 bi (11,3% do PIB); Dívida bruta do governo geral 94,7% do PIB; Dívida líquida do setor público 67,2% do PIB.
A recuperação da economia brasileira deverá ser penosa.
*Economista. Membro Honorário da ALL e da ACL. Filiado à IWA e aos Movimento ELOS Literários.