BONECOS “PETRALHAS” e outras manifestações: “Nossa democracia não permite juízo de valor em face de um ministro do STF?
O poder emana do povo, mas ao povo se restringe o direito de pacificamente manifestar-se? Agentes políticos de poder a serviço do Estado ou divindades? Nossa democracia não pode apresentar-se em caráter seletivo.
Publicado por Leonardo Sarmento
1. Introdução
O Supremo Tribunal Federal (STF) enviou ofício ao diretor-geral da Polícia Federal (PF), Leandro Daiello, pedindo providências contra os responsáveis por levar dois bonecos infláveis a uma manifestação em São Paulo. Os bonecos representavam o presidente da corte, Ricardo Lewandowski, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, associando-os ao PT. O de Lewandowski foi apelidado de Petralovski. O de Janot ganhou o nome de Enganô Segundo o STF, o caso representa "grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade" do Judiciário. Pede ainda que a PF atue nas redes sociais, uma vez que o endereço residencial do presidente do STF foi amplamente divulgado. “Tais condutas no entender desta Secretaria, que atua no estrito exercício de suas atribuições funcionais, representaram grave ameaça à ordem pública e inaceitável atentado à credibilidade de uma das principais instituições que dão suporte ao Estado Democrático de Direito, qual seja, o Poder Judiciário, com o potencial de colocar em risco – sobretudo se forem reiteradas – o seu regular funcionamento. Configuram, ademais, intolerável atentado à honra do chefe desse poder e, em consequência, à própria dignidade da Justiça Brasileira, extrapolando, em muito, a liberdade de expressão que o texto constitucional garante a todos os cidadãos, quando mais não seja, por consubstanciarem, em tese, incitação à prática de crimes e à insubordinação em face de duas das mais altas autoridades do País", diz trecho do ofício.
Conclui o ofício: “Em face do exposto, solicito sejam tomadas, em caráter de urgência, as medidas pertinentes para que os responsáveis por tais atos sejam chamados à responsabilidade, pedindo que se envidem todos os esforços da Corporação (Polícia Federal) no sentido de interromper a nefasta campanha difamatória contra o Chefe do Poder Judiciário, de maneira a que esses constrangimentos não mais se repitam. Solicito, ainda, a atuação da PF no âmbito das redes sociais, em que o endereço residencial do senhor presidente do STF foi amplamente divulgado".
2. Rápidas considerações
Lembremos que, o Supremo Tribunal Federal não constitui um Super Poder que está acima das liberdades democráticas que são garantias constitucionais. Possui a sociedade direito de manifestar-se em relação ao Presidente (a) do Executivo como vem fazendo em suas democráticas manifestações como em relação a qualquer membro do Supremo, inclusive o seu Presidente, desde que pacificamente.
Credibilidade não se impõe, se conquista. Criminalizar manifestações bem humoradas da sociedade revela-se uma atitude absolutamente antidemocrática. Não se pode pretender blindar o Supremo Tribunal Federal de críticas se este se investe no poder de interferir em assuntos de inegável apelo político-social.
Quando abdica de uma postura de autocontenção para promover um ativismo judicial em algumas vezes vale dizer, odioso – que vai além da simples atividade que lhe compete constitucionalmente – atuando vez ou outra por alguns de seus pares nitidamente com viés político-partidário (absolvendo, concedendo liberdades e arquivando a partir de fundamentos jurídicos minimamente discutíveis) chama para si o protagonismo/antagonismo por seu munus ampliado.
Em uma democracia, liberdades como as de expressão e de manifestação não podem restar reprimidas sem que haja um fundamento maior que não se revele uma elucubração de raízes jurídico-criativas, e inimaginável se referida repressão antidemocrática partir justamente de instituições que tem naconstituição seu guia maior e mais importante para as suas atuações. Na democracia, um debate livre e aberto resulta a melhor opção e tem mais probabilidades de evitar erros graves. Cabe esclarecer que a aplicação da democracia não pode trazer privilégios ao um determinado grupo específico e nem busca-se limitar de qualquer forma o direito de outrem, mas sim garantir as mais amplas liberdades. Democracia requer a participação da sociedade da vida pública e uma de suas manifestações é inelutavelmente o direito de expressar-se por críticas, de manifestar-se.
Estas diferenças de possibilidades democráticas a sociedade de fato não compreende. Como diria qualquer do povo de forma simples, mas convincente:
“Faz muito tempo que em manifestações há bonecos de variadas autoridades não apenas no Brasil, mas em todos os países verdadeiramente democráticos. Por que não pode haver um boneco do Excelentíssimo Ministro Lewandowski? Não são todos iguais perante a lei?”.
A liberdade de expressão é um direito fundamental consagrado na Constituição de 1988, no capítulo que trata dos Direitos e Garantias fundamentais e em outras passagens daConstituição que está a reafirmá-la, e funciona como um verdadeiro termômetro no Estado Democrático. Quando a liberdade de expressão começa a ser cerceada em determinado Estado, a tendência é que este se torne um Estado totalitário, de exceção. A liberdade de expressão serve como instrumento decisivo de controle das instituições de Poder e de exercício. O princípio democrático tem um elemento indissociável que é a liberdade de expressão, em contraposição a esse elemento, existe a censura que representa a supressão do Estado democrático de sua veia vital. A divergência de ideias e o direito de expressar opiniões não podem ser restringidos para que a verdadeira democracia possa ser vivenciada.
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos.
(…)
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e a propriedade, nos termos seguintes:
(…)
IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(…)
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
(…)
IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
(…).
Art. 220 A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
(…)
§ 2º – É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.
Resta evidente que excessos crassos devem ser reprimidos por não haver direitos absolutos, princípios devem ser ponderados, pois há que se primar por uma liberdade com responsabilidade para que funcione uma democracia sem que se transforme em anarquia, mas não podemos considerar excessos quaisquer manifestações que se revelem em caráter crítico apenas por restarem direcionadas a certos e selecionados membros de poderes, quando a outros as críticas seriam absorvidas pela democracia.
O que dissemos em relação aos membros do STF, por obvias razões, estende-se em relação ao nobre PGR, que como figuras públicas não podem pretender restarem cobertos pelo mando da inatingibilidade da opinião pública.
Para finalizarmos deixemos uma cognição importante e preocupante. O Supremo Tribunal Federal tem demonstrado por suas últimas decisões não estar imbuído da corrente por uma marcha pela ética, na luta pela impunidade. À título de exemplo o ministro Dias Toffoli revogou a prisão de Paulo Bernardo – ex ministro do governo Dilma – fundamentando que referida prisão preventiva seria uma condenação antecipada – quid juris? O ministro Celso de Mello, na mesma linha de afrouxamento em relação aos membros da elite política e contrariando decisão por maioria de 7 votos do próprio plenário do Supremo ignorou a orientação fixada pelo plenário do Tribunal e concedeu uma liminar (decisão provisória) para suspender a execução de mandado de prisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais que determinou o cumprimento da pena de um réu antes de esgotadas todas as chances de recurso.
Assim que, como dissemos credibilidade não se impõe, se conquista.
Professor constitucionalista
Professor constitucionalista, consultor jurídico, palestrante, parecerista, colunista do jornal Brasil 247 e de diversas revistas e portais jurídicos. Pós graduado em Direito Público, Processual Civil, Empresarial e com MBA em Direito e Processo do Trabalho pela FGV. Autor de 3 obras jurídicas e alg…