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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Punições de Bruxelas começam a incomodar estados-membros: saída à inglesa?

 A Europa das punições contra os fracos não tem futuro…

Carlos Fino

 

 A França, quando descumpre, não é punida. A Alemanha, idem. Mas Grécia, Portugal, Espanha… podem ser castigados. Ainda por cima por um órgão – o Ecofin – que nem sequer tem existência legal consagrada nos Tratados e cujas figuras não eleitas se tornaram odiosas desde a chantagem exercida sobre Atenas.

 

 

O Conselho de Ministros das Finanças da União Europeia – Ecofin – considerou hoje que Portugal e Espanha não tomaram medidas eficazes para corrigir os respectivos défices excessivos no ano passado – decisão que dá início a um processo de sanções por violação do Pacto de Estabilidade e Crescimento.

Comandada hoje por um homem – Juncker – que fez todos os favores fiscais às multinacionais com sede no Luxemburgo e teve outro à sua frente – Barroso – que agora vai para o pior que existe na finança mundial, revelando assim ao serviço de quem se encontra, esta Europa que isenta sempre os mais fortes, não hesita em punir os mais fracos.

A França, quando descumpre, não é punida. A Alemanha, idem. Mas Grécia, Portugal, Espanha… podem ser castigados.

Ainda por cima por um órgão – o Ecofin – que nem sequer tem existência legal consagrada nos Tratados e cujas figuras não eleitas se tornaram odiosas desde a chantagem exercida sobre Atenas.

Com a agravante suplementar de haver implícito no processo de sanções aberto hoje e no nosso caso, uma clara nota de intolerância política.

Enquanto o governo português anterior, que aplicava à risca as receitas da troika (e queria mesmo ir além dela!), não foi sancionado, apesar de ter falhado todos os objectivos, Bruxelas pressiona agora Portugal pelo facto do novo executivo tentar aplicar um mix de medidas que sai um pouco fora da ortodoxia, não lhe conferindo qualquer benefício da dúvida.

Ou seja – tolerância máxima para os amigos do Partido Popular Europeu – onde se abrigam os fundamentalistas da direita dominante – e máximo rigor para que ousam afastar-se, o mínimo que seja, do caminho austeritário traçado. Para a direita, tudo. Para a esquerda, nada. Ou melhor, para a esquerda – sanções!

"Sanções é tudo o que não precisamos; pensamos que ninguém deve ser punido" – dizia há dias o secretário-geral da OCDE, Angél Gurria, advertindo para os riscos de agravamento da situação económica.

Mas isso que importa para os burocratas de Bruxelas ao serviço de Berlim? O que importa, para eles, é dar um sinal de domínio, mesmo sabendo que dessa forma estão a atiçar os lobos da especulação financeira, sempre prontos a saltar sobre as suas vítimas ao mínimo sinal de sangue.

Mesmo que através de manobras de bastidores as sanções acabem por ser reduzidas a zero, a simples abertura do processo já é uma vergonha inadmissível que ofende o nosso mais elementar sentido de dignidade nacional!

A Europa devia ser solidária, promover a igualdade e a convergência, mas está afinal ao serviço dos poderosos contra os mais fracos. Ao agir assim, trai-se a si própria – trai os ideais que inspiraram os seus fundadores e alimentaram durante décadas a esperança de um futuro de paz, desenvolvimento e unidade em todo o continente.

Esta Europa que a si mesma se trai não tem moral nem dignidade e por isso não tem futuro.

Carlos Fino – jornalista internacional português, nascido em Lisboa, em 1948. Correspondente da RTP – televisão pública portuguesa – em Moscovo, Bruxelas e Washington, destacou-se como correspondente de guerra, tendo coberto diversos conflitos armados na ex-URSS, Afeganistão, Oriente Médio e Iraque. Tornou-se conhecido no Brasil por ter sido o primeiro a anunciar, com imagens ao vivo, transmitidas na TV Cultura, o bombardeio de Bagdad pelas tropas norte-americanas na última Guerra do Golfo (2003). Foi conselheiro de imprensa da Embaixada de Portugal em Brasília (2004/2012), onde atualmente reside.