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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Teoria da Cegueira Deliberada: não sei, não vi, desconheço…

 Teoria da Cegueira Deliberada: não sei, não vi, desconheço…

Por Rosane Sad Soares 

 

 

A Teoria da cegueira deliberada, também conhecida como DOUTRINA DA CEGUEIRA INTENCIONAL, TEORIA DAS INSTRUÇÕES DE AVESTRUZ ou DOUTRINA DO ATO DE IGNORÂNCIA CONSCIENTE foi criada pela Suprema Corte Norte Americana (willful blindness doctrine), cuja síntese diz respeito à tentativa de se afirmar ignorância deliberada e fingida acerca da situação de ilicitude, com vistas a objetar uma determinada vantagem ou impunidade.

A teoria é aplicada principalmente na seara criminal, àqueles famosos casos de pessoas que praticam ilícitos e depois simplesmente alegam o “eu não sabia de nada”. Assim, sem a teoria da cegueira deliberada, inúmeras condutas ilícitas sequer seriam analisadas, ainda que intrinsecamente dolosas, o que repercutiria em impunidade, visto que não há incriminação de condutas desprovidas de vontade.

A teoria ficou evidente por ocasião do julgamento da Ação Penal 470 pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, o famoso caso mensalão, onde foi suscitada pelo Ministro Celso de Mello para sustentar condenação por crime de lavagem de dinheiro, com fundamento no dolo eventual do agente.

Mesmo antes de ser suscitada no STF, contudo, a teoria foi reconhecida em relação a crimes eleitorais, [1] bem como naquele famoso caso do furto ao Banco Central em Fortaleza[2], sendo esses os primeiros casos de aplicação da teoria que se teve notícia no Brasil.

Mas, e no âmbito das ações civis de improbidade administrativa, a teoria poderia ser aplicada?

O TJSP vem aplicando reiteradamente a teoria para fundamentar condenações por improbidade administrativa. Como exemplo, dentre inúmeras, citamos a decisão da 9ª Câmara de Direito Público do TJSP, nos autos da apelação cível nº. 0009252-56.2010.8.26.0073, na qual, por unanimidade, foi mantida a condenação de ex-prefeito e de certo instituto, por improbidade administrativa, com fundamento na Teoria da Cegueira Deliberada. Vejamos um trecho do voto do Relator:

Em relação ao ilícito administrativo praticado neste caso concreto, é perfeitamente adequada a incidência da “teoria da cegueira deliberada”, na medida em que os corréus fingiram não perceber a ofensa aos princípios da Administração Pública, não havendo agora como se beneficiar da própria torpeza.”

Não há dúvidas que as decisões do TJSP e a aplicação da teoria em exame são importantíssimas ao combate à corrupção – o grande câncer da nossa sociedade – visto que, em regra, os atos de improbidade administrativa são camuflados, praticados de maneira ardilosa e encoberta, onde quase sempre seus agentes fingem não perceber as situações de ilicitude para, a partir daí, alcançar a vantagem pretendida.

Considerando que a prática de atos de improbidade viola o estatuto da igualdade, porque distribui as oportunidades públicas a um número reduzido de pessoas em detrimento da maioria, a aplicação da Teoria da Cegueira Deliberada se mostra um instrumento importante e eficaz para a efetividade da Lei de Improbidade.


[1] Recurso nº 872351148-RO, Relator: ÉLCIO ARRUDA, Data de Julgamento: 30/11/2010, Data de Publicação: DJE/TRE-RO – Diário Eletrônico da Justiça Eleitoral, Data 06/12/2010.

[2] Apelação Criminal 5.520-CE (0014586-40.2005.4.05.8100), Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, j. 09/09/08