URGE QUE O AFETO TAMBÉM IMPORTE
Relato de experiências em uma Vara de Família
JOSEANE DE JESUS CORRÊA BEZERRA[1]
ARTENIRA SILVA E SILVA [2]
O Judiciário deve primar pelas causas familiaristas, dando-lhes a relevância que merecem, protegendo-as, principalmente, quando do término da convivência familiar e ou em quaisquer circunstâncias que atentem contra a dignidade da pessoa humana de um ou mais de seus membros.
1 INTRODUÇÃO
Quando se trata de Direito das Famílias, tem-se que levar em consideração, precipuamente, as subjetividades que envolvem o contexto familiar.
Cada caso, um caso.
Semelhantes até; mas, jamais iguais.
O caderno processual, portanto, deve ser “subsidiário” à mediação das causas, ou seja, utilizado nesse momento processual, tão-somente, para orientar a mediação e para resolução das questões práticas e técnicas.
Entende-se mediação como o processo que descortina o que comumente está enterrado sob a letra fria dos processos, editado por terceiros considerados patronos das causas, mas alheios às famílias apresentadas em juízo.
Toda sentença em causas familiaristas são drásticas, são trágicas, porque não atendem, não satisfazem as necessidades biopsicossociais das partes em conflito e de seus filhos, ou seja, não contemplam integralmente suas subjetividades.
Dos comandos sentenciais, com resolução de mérito, emerge a legislação vigente; sem, em geral, atentarem para os sentimentos das partes e de todos do entorno do casal.
Os operadores do Direito de Famílias carecem de deixar a “letra fria” da lei, para vislumbrarem que além dos autos do processo existem vidas e subjetividades que serão marcadas por qualquer sentença proferida. No Direito de famílias urge que o afeto também importe.
Nesse passo, o conhecimento transdisciplinar do magistrado é fundamental para, através de uma sinergia com os separandos/divorciandos, fazer emergir de suas sentenças as entrelinhas dos processos, que possam colaborar para o resgate genuíno dos laços parentais e dos princípios e valores da instituição família, mesmo que separada.
O momento processual mais importante nas ações de direito de família é a audiência.
Esse, o ponto fulcral do processo.
Porém, o juiz deve saber escutar o clamor e as razões alheias.
Essa, a primeira virtude do juiz.
A audição é o sentido mais precioso e mais necessário ao juiz que maneja dores familiares; por esse motivo, há a necessidade da audiência.
Cabe diferenciar o ouvir, que é um sentido físico, do escutar, que é a compreensão da mensagem emitida, das emoções e dos sentimentos que nela se encerram. Não se ouve sem intencionalidade. Não se ouve de fato sem conhecimentos de outras áreas do saber que permitam ver além da letra fria de um processo.
Para serem efetivadas a mediação e/ou uma possível conciliação em família, não é mais viável negar o jurisdicionado como sendo um Ser metafísico; mas, valorizá-lo holisticamente, “experienciando com empatia o que ele experimenta em si mesmo: o amor, a esperança, a tristeza, o ódio, o horror, a repulsa, o medo, a angústia, o desespero, a alegria, a felicidade e a paz” (BEZERRA, 2007, p. 576).
Faz-se mister perceber que os juízes de família, independentemente de estarem conscientes ou não, ao julgar não estão apenas manejando um processo, mas estão efetivamente interferindo sobre o contexto de existência de várias almas humanas. Cumpre ainda destacar que esta interferência jamais é neutra, mas promotora da paz social ou ainda iatrogênica (danosa), podendo configurar inclusive violência institucional.
De fato, “A Justiça Responsável deve cumprir sua missão de educadora, de compor e solucionar os conflitos e promover a paz social” (BEZERRA, 2007, p. 561).
O juiz, enquanto mediador, carece ser vocacionado, isto é, possuir o talento, o feeling, para encontrar o “fio da meada”, de onde poderá fluir o “desenrolar” da mediação e, consequentemente, dos possíveis pontos de conciliação das partes.
Modernamente a mediação de conflitos encontra progressiva aplicabilidade no Direito de Família, sobretudo, em casos de rompimento do vínculo conjugal, onde as questões de guarda, convivência, alimentos e partilha de bens necessitam ser definidas e, que, segundo Molinari e Marodin (2014, p. 159):
Tornam-se terreno fértil para onde poderão eclodir os ressentimentos vividos pelo par conjugal impedindo soluções salutares. A administração de conflitos pode se dar na busca de formas alternativas, sendo uma delas a mediação, que consiste em um sistema que considera que os conflitos possam resolver-se com ajustes de convivência recíproca. As práticas de mediação se interessam pelas possibilidades criativas que brindam as diferenças, a diversidade e a igualdade. Apoiando-se em noções de construção social da realidade, as estratégias de mediação fornecem perspectivas para participação dos atores sociais atuando como protagonistas para enfrentar e resolver seus próprios conflitos, assim como narrar novas e melhores histórias sobre os sistemas dos quais são parte e de seu lugar nos mesmos.
Nesse contexto conciliatório empático, as partes podem se dispor a compreender que com a composição da lide alcançarão maior satisfação para ambos, com menores prejuízos ao casal e aos filhos ante a destruição do casamento. Ao Judiciário é exigida a proteção das famílias, para tanto, há de se tratar da mediação, com a formação adequada de seus mediadores, que devem utilizar como ferramentas para esse desiderato, não somente as normas técnicas, mas, sobremodo, os princípios empíricos para efetivar a mediação e a conciliação entre as partes sob a égide da Justiça; foram elencados alguns casos concretos para ilustrar que a mediação não pode ser linear, que não deverá ser embasada somente em uma “cartilha”, mas, também, do sentir, da necessidade de ingerência de cada caso; demonstrando, assim, a função do educador jurídico, isto é, do manejo do magistrado de família e o valor simbólico da relação magistrado versus jurisdicionado, cujo resultado será uma Justiça proativa, restauradora, efetivamente promotora da pacificação interna.
2 PROTEÇÃO DAS FAMÍLIAS
A família é, e sempre será o núcleo básico da sociedade; somente através da família é possível a constituição de toda organização social e jurídica. Por família entende-se o agrupamento de pessoas unidas pelo princípio da afetividade, em proteção à dignidade da pessoa humana de cada um dos seus membros.
É na família que tudo se origina; é, também, o espaço relacional que nos estrutura, enquanto sujeitos; e, ainda, é nela que também se encontra o amparo para o desamparo estrutural.
Ainda é na família que se aprende a edificar limites e fortalezas, tão necessários para enfrentar as vicissitudes da vida.
Para Pereira (1959, p. 41): “Família é a organização social menos extensa e mais espontânea que a vida humana nos apresenta”.
Por tanta ambiguidade e ambivalência, pois na família repousam a vida e a morte, o ser e o não ser (ROSA, 2013), essa instituição precisa de proteção para que sejam escritas belas páginas sobre seus atos e fatos, suas coisas e seus mitos.
Quando as famílias em litígio buscam o Judiciário, pressupõe-se que, sozinhas, não conseguiram administrar seus conflitos, carecendo, portanto, da proteção Estatal, que se realiza através do processo. Nenhuma lide de família deve ser encarada como simples ou evitável, pois se assim o fosse o processo não teria sido ajuizado.
Pois bem.
Para essa proteção, necessário se faz que o Judiciário esteja aparelhado além da estrutura própria desse Poder, isto é, mister se faz que seus agentes políticos estejam capacitados com outros saberes, bem como possam ser, quando necessário, auxiliados por uma equipe transdisciplinar, para que, como fornecedores da Justiça, possam atender aos consumidores do Direito, com presteza, com sentimento, concorrendo para o despertar consciencial das partes, dando-lhes a reorientação que precisam em uma fase tão sensível e angustiante de suas vidas.
Para a efetivação dessa proteção e garantia constitucional dos direitos de famílias é relevante que se reforce a compreensão do atual conceito, pós-moderno, de família, segundo Soares (2014, p. 10), interpretando o art. 1º da Constituição da República de 1988: “Portanto, família é um locus que deve ser protegido, no sentido de garantir aos indivíduos, componentes da família, o desenvolvimento moral, psicológico e de integridade física, sendo-lhes garantida a dignidade humana”.
Nesse sentido, lecionam Farias e Rosenvald (2008, p. 37), in verbis:
É inadmissível um sistema familiar fechado, eis que, a um só tempo, atentaria contra a dignidade humana, assegurada constitucionalmente, contra a realidade social vida e presente da vida e, igualmente, contra os avanços da contemporaneidade, que restariam tolhidos, emoldurados numa ambientação previamente delimitada. Por isso, estão admitidas no Direito de família todas as entidades fundadas no afeto, na ética e na solidariedade recíprocas, mencionadas, ou não, expressamente pelo comando do art. 226 da Carta Maior.
Nesse diapasão, o Judiciário deve primar pelas causas familiaristas, dando-lhes a relevância que merecem, protegendo-as, principalmente, quando do término da convivência familiar e ou em quaisquer circunstâncias que atentem contra a dignidade da pessoa humana de um ou mais de seus membros.
Demais disso, as crianças e os adolescentes não devem ser relegados a um grau inferior de importância em relação ao patrimônio dos litigantes, porque eles são o que é mais precioso advindo da união conjugal, além de serem constitucionalmente considerados como prioridade absoluta; porém, no mais das vezes, ficam invisíveis, esquecidos nas causas, quer pelas partes, quer por seus representantes legais e por vezes até pelo juízo; sobressaindo-se como de maior monta sobre eles as questões patrimoniais, pecuniárias, etc..
Nessa esteira, surge o magistrado de famílias vocacionado, consciente de seu ofício, utilizando seu poder de persuasão para trazer à tona o melhor interesse de crianças e adolescentes nas lides sob sua condução, inclusive e especialmente garantindo-lhes o direito de serem devidamente ouvidas no curso dos processos, tendo suas oitivas efetivamente consideradas para fins do desfecho de quaisquer processos que contemplem seus interesses.
Esse, o início da mediação, configurada como forma de proteção às famílias e garantia dos seus direitos deve ser exercida pelo magistrado de família em todas as fases do processo.
4 CONCEITO DE MEDIAÇÃO FAMILIAR TRANSDISCIPLINAR
No ensino de Barbosa (2012, p.14), tem-se que:
A mediação é um instrumento capaz de compreender o movimento que deu origem ao conflito, e sua abrangência ultrapassa os limites de eventual acordo, que possa a vir ser celebrado entre litigantes, porque seu tempo é o futuro. Trata-se, portanto, de uma abordagem muito mais ampla que a conciliação, que se limita à celebração de um acordo, que possa pôr fim à demanda. Portanto, a mediação não visa ao acordo, mas sim à comunicação entre os conflitantes, com o reconhecimento de seus sofrimentos e, principalmente, com a possibilidade que o mediador oferece aos mediandos de se escutarem mutuamente, estabelecendo uma dinâmica jamais vislumbrada antes da experiência da mediação, pela falta de conhecimento e de oportunidade de vivenciar tal experiência.
Barbosa (2012, p. 15) define Mediação como:
Um status de princípio, um comportamento, uma experiência humana que assegura o livre desenvolvimento da personalidade, capacitando os sujeitos de direito à conquista da liberdade interna. É um princípio que concretiza o princípio da dignidade da pessoa humana, representando a reunião de todos os homens naquilo que eles têm de comum – a igualdade de qualidade de ser humano – permitindo o reconhecimento de ser parte da unidade: o gênero humano.
Bonavides (2005, p. 288) ensina: “as regras vigem e os princípios valem. Assim, a mediação é um valor agregado às relações humanas” (grifo nosso).
Vislumbra-se que a mediação nas relações familiaristas tem a sua especialidade mais complexa, reclamando do mediador um entendimento transdisciplinar das lides, considerando que a mediação familiar configura-se como sendo uma gestão de conflitos subjetivos, com a intermediação de uma terceira pessoa, que levará as partes a encontrar as bases do melhor acordo, observando as necessidades e a satisfação de cada um. E, de maneira especial, quando possuem filhos em comum, ponderando sobre a corresponsabilidade parental detalhadamente descrita no Estatuto da Criança e do Adolescente.
A mediação, portanto, deve ser entendida “como um princípio, um comportamento, uma experiência humana que assegura o livre-desenvolvimento da personalidade” (BARBOSA, 2004, p.32).
Especificamente quanto à mediação nas Varas de Família, Barbosa (2004, p. 37), afirma:
A mediação familiar é uma prática social consubstanciada em três fundamentos: respeito à lei; respeito ao outro; respeito a si próprio. Trata-se de um estudo de natureza interdisciplinar, cuja prática no trato dos conflitos familiares constrói uma mentalidade capaz de mudar o Judiciário, libertando-o para a sua efetiva função.
5 SÍNTESE DOS PRINCÍPIOS EMPÍRICOS PARA MEDIAÇÃO E CONCILIAÇÃO
O exercício de uma atividade profissional com denodo, compromisso e satisfação leva o indivíduo a vivenciar experiências e aprendizados constante e continuamente; e, até quando ocorrem erros, estes concorrem para acertar adiante.
Assim, não se pretende fazer entender que os princípios empíricos para mediação familiarista ora elencados, estão postos à prova quanto à sua veracidade ou falsidade; o que se pretende, contudo, é a verificação, por meio de resultados de experiências e observações, de que é possível utilizá-los como ferramenta essencial concomitantemente com as ferramentas técnicas de mediação para a resolução dos conflitos em família que a técnica pura não contempla.
A valorização das questões subjetivas quando da mediação é fundamental, tornando-se frutífera a conciliação entre as partes.
Para a medição deve ser enfatizado o afeto, sobremaneira.
Esse sentimento é a tônica da mediação em família.
Mormente pelo fato de que a família fora construída sobre o alicerce do sentimento, da emoção e da sensação; portanto, mesmo quando desconstruída hão de ser renovadas as experiências sensoriais do relacionamento entre os litigantes e deles por seus filhos.
Denota disso, a sensibilidade inerente ao mediador na condução dos mediandos em busca de preverem reconhecido seu direito e terem de volta sua felicidade, porque o ser humano, além da natureza racional, possui, também, uma natureza sensível, cuja procura incessante é a satisfação de suas inclinações íntimas e de seu caráter inteligível.
O mediador utilizando tais princípios o fará com justeza, ou seja, que esteja claro que seus atos são justos, prospectivos, agindo, dessa forma, com segurança e credibilidade para (re) criar vínculos de afeto, transformando o amor conjugal em amizade parental.
Assim, para o desenvolvimento da conciliação em seus múltiplos aspectos, visando ao despertar consciencial das partes em litígio, podem ser elencados, entre outros, os seguintes princípios empíricos, senão vejamos:
5.1 Existência de laços afetivos entre as partes
Desse princípio empírico ressai o que é mais relevante entre as partes e deve ser utilizado como a ferramenta mais importante na concreção da mediação, há de haver um esforço hercúleo para fazer ressurgir os sentimentos positivos adormecidos ou esquecidos para um novo exercício do afeto familiar. O resgate das relações de afeto entre as partes deve ser a tônica da mediação.
5.2 Comprometimento emocional das partes
Esse princípio implica no reconhecimento de que aspectos considerados relevantes pelos jurisdicionados devem ser ouvidos e escutados em audiência, para que, ao se sentirem ouvidas, as partes passem a estar mais abertas às ponderações trazidas pela mediação.
5.3 Visibilização do melhor interesse da prole como ponto de convergência entre as partes litigantes
Esse princípio visa trazer as crianças e ou adolescentes, frutos dos relacionamentos, à baila nas audiências, tirando-as do anonimato, da invisibilidade, da indiferença das partes e dos advogados que, naquela oportunidade, em geral manifestam interesses outros que não os filhos menores, que permanecem esquecidos, amordaçados e invisibilizados.
5.4 Exercício da função de educador jurídico dos operadores do direito
Esse é o princípio empírico mesclado do poder-saber; do essencial conhecimento e capacitação do magistrado em outros saberes, para usar sua autoridade com as habilidades de educador, posto que todo juiz tem como atribuição fundamental reorientar e reeducar as partes, buscando despertar nas partes o exercício da parentalidade responsável em prol dos filhos, observando sempre o princípio da solidariedade que deve reger as relações parentais.
6 APRESENTAÇÃO DE CASOS CONCRETOS EM AUDIÊNCIAS
Caso nº 01
Pai idoso requerendo pensão alimentícia aos filhos maiores.
O genitor e dois filhos são partes em uma ação de alimentos contra descendentes, onde o autor relata que é idoso, doente, não podendo mais trabalhar para prover o seu próprio sustento. Ajuizou ação de Alimentos para que os filhos o mantivessem em sua velhice.
Os alimentos provisionais foram arbitrados na forma da lei. Porém, quando da audiência de conciliação, instrução e julgamento a verdade real, oriunda dos intensos afetos subjacentes ao processo, veio à tona e não poderia ser ignorada pelo Estado.
Os filhos estavam profundamente feridos e magoados com aquele pai, que abandonora a mãe e a eles, então crianças, sem concorrer com o mínimo possível para mantença dos filhos, passando a genitora à época a lavar roupas para sustentar a família monoparental.
Os alimentantes (filhos) sentiam-se injustiçados com a ação de alimentos. Não se sentiam responsáveis pelo alimentando (pai). Ou seja, as crianças abandonadas de outrora estavam presentes em audiência e precisavam ter sua profunda mágoa minimamente pacificada em Juízo. Os alimentantes terminantemente se recusavam em prover o sustento do pai, justificando que a mãe também estava idosa e era a ela a quem deviam assistência.
Da mediação restou o despertar serôdio daquele pai, naquele momento necessitado, mas, que deixou de suprir as necessidades dos filhos; o despertar da necessidade do perdão e do não-julgamento das razões da paternidade sem responsabilidade. E, por fim, o início de uma convivência, mesmo tardia, com um acordo de 5% (cinco por cento) de descontos dos vencimentos de cada um, somando-se 10% (dez por cento) em favor daquele pai que deixou de dar e receber o amor dos filhos.
Caso nº 02
Ação de Exoneração de Alimentos, processo em trâmite na 3ª Vara da Família contra duas filhas, ambas matriculadas em instituição de ensino superior, com 20 (vinte) e 18 (dezoito) anos, que tiveram seus pais separados há mais de 10 (dez) anos, sem mais contato com o pai, que justificava que as filhas não o procuravam, e, ele, também, não tinha disposição para buscar o convívio com as filhas. A genitora das demandadas havia falecido há 02 (dois) anos e elas estavam morando sozinhas, a mais velha cuidando da mais nova que estava recebendo a pensão previdenciária por morte da mãe; o que levou o alimentante a acreditar que não tinha mais obrigação alimentária para com as filhas.
Muito pesada a carga emocional das filhas e do pai que transpareciam não nutrirem nenhum sentimento paterno/filial, chegando, mesmo, a manifestarem serem desprovidos de sentimentos recíprocos.
Depois de muito ouvir, de deixar que desabafassem, começou a ponderação sobre os direitos e obrigações, sobre responsabilidades, respeito, consideração, afeto, cuidados, a idade que avançava para velhice, os laços parentais, o perdão, a reconciliação e o amor que, mesmo não cultivado, pode ser despertado. A Audiência terminou com as filhas abraçando o pai e os três chorando, além de estarem em lágrimas também o promotor de justiça, a magistrada, a defensora pública e o advogado ao final da audiência.
A pensão alimentícia não fora exonerada naquela oportunidade, ficando acordado que seria exonerada à medida que as filhas fossem concluindo, no prazo de alguns semestres, sua formação universitária.
Caso nº 03
Ação de divórcio ajuizada pela mulher. No entanto, o ex-casal continuava residindo sob o mesmo teto.
Começa a audiência com a clássica questão da possibilidade de reconciliação entre o casal.
Ele responde que: “por ele não se separaria/divorciaria.”
Ela responde que: “pretende continuar com o feito porque o divorciando não cumpria com suas obrigações familiares; que estava com uma sequela de um acidente no braço, o que a impedia de trabalhar”.
Estando impossibilitada de trabalhar, a mulher havia ajuizado o pedido de pensão para si, considerando que os filhos já haviam alcançado a maioridade.
A magistrada então argumentou: “Mas, o casamento não é para a alegria e a tristeza, a riqueza e a pobreza, a saúde e a doença?”
E continuou: “Como a Senhora vai se divorciar bem no momento em que mais precisa de seu esposo?”
Argumentaram de lá e de cá, ouviu-se as razões de cada um, concluindo que não se pode oferecer o que não se tem; que às vezes as pessoas têm comportamentos contrários ao amor ou não fazem o que se espera porque não sabem fazer de outro modo, não aprenderam, ou não receberam de quem os devia; e, assim, não satisfazem as expectativas de quem esperam e, nesse diapasão, se cria um círculo vicioso de sofrimento, de angústia, de mágoas e insatisfações.
A magistrada pediu que a divorcianda, autora da ação, levantasse e desse um abraço de perdão ao marido, eles levantaram e se abraçaram.
A magistrada, emocionada, falou: “abraça de novo, esse abraço foi muito borocoxó”.
A mulher: “Ah!!! Faz tempo que não tenho um abraço, nem sei mais como fazer”.
A magistrada: “Esse será o primeiro de infinitos abraços daqui para frente”.
O marido sorriu satisfeito. Seu sorriso respondeu a tudo. Ele foi carinhoso, passando a mão no rosto da esposa.
Voltaram, sentaram e assinaram o Termo de Audiência, como a sentença homologatória de desistência da ação de divórcio.
E renovaram o casamento.
Caso nº 04
Ação de Execução de Alimentos.
Pai em débito com o pagamento da pensão alimentícia. Inobstante a legislação vigente não prever audiência nesse tipo de ação, acha-se por bem realizá-las quando há interesse da parte de justificar-se. Convencionou-se na 3ª Vara da Família de São Luís denominar tal ato de “audiência excepcional”. Não se atendo apenas aos valores pecuniários, mas buscando a mediação, minimizando as tensões que uma ação judicial em geral traz para as partes, o que, em última instância dificulta o diálogo.
Durante a audiência, a mãe, representante legal da exequente, mostrou um trabalho da filha de 06 anos, onde a menina colou a fotografia do pai no meio de um coração, todo colorido, e escreveu em torno:
“PAI, O SENHOR MORA NO MEU CORAÇÃO”
Como não se emocionar?
Contou, ainda, a genitora que a criança não suportava ouvir uma música que falava em “levou todos os CDs […]”, porque lembrava de seu pai indo embora e levando todos os seus CDs.
A partir desses relatos, a mediação fluiu com facilidade, resultando em um acordo satisfatório às partes, com a alteração da regulamentação do convívio entre aquele pai e a filha.
Dias depois, a genitora retornou e, na Secretaria, disse haver voltado para agradecer porque os dois, pai e filha, estavam no maior “love”; e a criança imensamente feliz.
7 VALOR SIMBÓLICO DA RELAÇÃO MAGISTRADO VERSUS JURISDICIONADO
Quanto ao papel de cada um nas causas de família, o magistrado em sua atuação carece entender o seu real papel junto ao jurisdicionado, porque essa relação possui uma gama de nuances e valores simbólicos além da mais simples e talvez a menos difícil, que é julgar.
Aplicar a lei é a função-fim do magistrado; mas, as funções-meio não devem ser solapadas ao monturo do legalismo, sob pena de ser ele, o juiz, um mero inquisidor sem alma, por não vislumbrar no Ser Sujeito que busca a Justiça um Ser Holístico.
O jurisdicionado sofre, chora, angustia-se; porém, espera ver garantido seu direito; e, mais que isso, quer sentir paz.
Contudo, isso só será garantido por um juiz transdisciplinarmente humanizado em seu ofício, considerando as subjetividades que envolvem as causas.
O juiz adquire para as partes um valor simbólico complexo, de quem se espera empatia, humanização e uma prestação de tutela jurisdicional com presteza e retidão, cônscio de sua tarefa maior, que é apaziguar conflitos internos e concorrer para o alcance da paz social.
O juiz de família deve ser especialmente capacitado para ser copartícipe, ou seja, estar envolvido, comprometido na restauração, na reconstrução dos laços de família, exercitando a mediação em todas as fases do processo.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As separações, divórcios e demais conflitos familiares emergem em contextos nos quais as referências de amor foram perdidas ou nunca existiram.
Do desamor ou da incapacidade de amar podem decorrer a violência, o egoísmo, a ganância, a irresponsabilidade, o descompromisso ou até as dependências de substâncias entorpecentes lícitas e ilícitas, além de muitas outras dificuldades relacionais que podem culminar com a violação de direitos no seio de uma família.
Nesse contexto deve o judiciário proteger as famílias como as agências socializadoras mais importante da sociedade, cujos direitos fundamentais devem ser garantidos para que se tenha uma organização social, ou seja, um conjunto de pessoas de uma mesma esfera, em união, mesmo separada, e em solidariedade de interesses; uma união de pessoas ligadas por ideais, ou por interesses comuns para a formação, para a construção de uma convivência minimamente saudável.
O Direito de Famílias carece ser entendido por seus operadores, não só como um Direito estatal, mas, sobretudo, como um Direito vivo, considerando que toda sociedade tem uma ordem interna de associações de seres humanos que a compõem, e que essa ordem interna domina a própria vida, mesmo que essa ordem não tenha ainda sido prevista pelo legislador.
Nessa esteira, o “Direito vivo” diz respeito ao equilíbrio entre as necessidades sociais e a liberdade do indivíduo.
Sobre essa correlação entre Direito positivo e Direito vivo, Silva (2014, p.1533), leciona:
A falta de correlação entre Direito positivo e Direito vivo pode resultar em menosprezo ou desatenção ao Direito estatal. Desse modo, na medida em que o Direito estatal precisa harmonizar-se com a moralidade corrente (moralidade popular), aqueles que são responsáveis pelo desenvolvimento do sistema jurídico necessitam estar em contato estreito e em compasso com o conteúdo do Direito vivo.
Nesse passo, o Direito estatal deve possuir ferramentas ou possibilidades para uma convergência com o Direito vivo, ou seja, não se manifestando como um direito paralelo, mas como um Direito que coincide com as exigências do progresso social.
O Direito de família é o Direito mais dinâmico do sistema jurídico, é um Direito eminentemente progressista, transformando-se sempre, conforme exigido pela sempre mutante sociedade; observa-se, ainda, dessa exigência social o fato de que um comando sentencial de ontem, ou de hoje, poderá ser arcaico ou injusto amanhã.
Para tanto, podemos lembrar a sentença: “A injustiça que se faz a um é uma ameaça que se faz a todos”, Barão de Montesquieu.
Por isso, as reformas do Direito estatal, especificamente do Direito de Família são necessárias fundamentalmente para o atendimento das aspirações sociais.
Dessa necessária reforma há de ser disciplinado em lei, a questão transdisciplinar para resolução das questões familiaristas, priorizando-se a mediação em todas as fases do processo, o que definitivamente requer capacitação continuada dos magistrados brasileiros para que se atinja a expertise necessária para o manejo do sofrimento humano “por trás” de qualquer questão judicializada.
O Direito “vivo”, que perpassa pelo direito de afeto, é inerente às relações familiares; portanto, não pode “morrer”, carece ser vivificado a cada dia, a cada processo, a cada audiência para que sobrevenha o bem maior a que todos aspiram: a paz interna e social.
REFERÊNCIAS
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BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar: uma cultura de paz. Revista Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo, n.10, ano 8, p. 10, 2004.
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MOLINARI, Fernanda; MARODIN, Marilene. A mediação em contextos de alienação parental: o papel do mediador e dos mediandos. In: ROSA, Conrado Paulino; THOMÉ, Liane Maria Busnello (Org.). O papel de cada um nos conflitos familiares e sucessórios. Porto Alegre: IBDFAM, 2014.
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VEZZULLA, Juan Carlos. Teoria e prática de mediação. Santa Catarina: Instituto de Mediação e Arbitragem do Brasil, 1998.
[1] Magistrada Titular de Família. Especialista em direito Processual Civil pela UFPE, Doutoranda em Ciências Jurídicas y Sociales pela UMSA, Buenos Aires.
[2] Psicóloga. Pós Doutora em Psicologia pela Universidade do Porto. Doutora em Saúde Coletiva pela Universidade Federal da Bahia. Docente e pesquisadora da Graduação em Medicina e do Mestrado em Direito e Instituições do Sistema de Justiça, ambos da Universidade Federal do Maranhão. Psicóloga Clínica e Jurídica.