A TENSÃO PERMANENTE ENTRE ÉTICA E POLÍTICA
Sergio Victor Tamer
Presidente do CECGP
1. Quais as relações que concretamente existem entre a ética e a política? Existe uma ética pública separada da ética privada? O que se vê é que o Brasil saltou de um patrimonialismo oligárquico – até recentemente praticado – para ingressar nos tempos nebulosos do aparelhamento das instituições públicas, este promovido sob a bandeira dos mais altos propósitos de Estado.
2. Filósofos festejados em São Paulo no meio universitário, passaram a admitir a adaptação dos princípios e convicções morais às circunstâncias políticas concretas, sobretudo em casos difíceis que pudessem ocorrer.
3. Ao analisar o problema da ética e da política, o professor espanhol Eusebio Fernandez Garcia, da Universidade Carlos III, de Madrid (com base nos estudos de José Luis López-Aranguren-Ética y política, 1968), propõe uma “ética das convicções responsáveis”: a “habilidade e a oportunidade política devem se dobrar à ética e ao direito”.
4. Existem quatro formas de questionar essa conflituosa relação:
(1) “realismo político”: a moral é um mero idealismo, no sentido pejorativo da palavra. O âmbito do ético é o privado. O moral e o político são incompatíveis e, portanto, “quem desejar atuar na política terá que prescindir da moral”.
(2) Mantém a impossibilidade de conjugar o ético e o político, mas a diferença em relação ao “realismo político” é que neste caso se escolhe a ética.
(3) A terceira posição vive essa conflituosa relação de uma maneira “trágica”: quem se encontra nela sente ao mesmo tempo a exigência moral e a exigência política, mas não pode satisfazer a ambas. Não pode preferir e tampouco prescindir. É uma impossibilidade insuperável e, portanto, trágica: o homem tem de ser moral, e tem também que ser político e não pode sê-lo conjuntamente. Por esse entendimento a tragedia existe porque não há saída para ele;
(4) Na quarta concepção a relação entre ética e política é vivida “dramaticamente”. Se diferencia das três anteriores pois não parte do pressuposto da “impossibilidade absoluta”, mas de uma “problematicidade constitutiva da relação entre a ética e a política”. Sua característica mais peculiar é a tensão entre a luta pela moral e o compromisso político.
5. Dessa maneira, das quatro possibilidades de se questionar as conexões entre a ética e a política, a quarta postura é a que parece ter mais possibilidades de nos ser útil no momento de se tentar compreender os fenômenos éticos e políticos e suas relações.
6. A harmonia total entre a ética e a política, de uma relação não-problemática, somente pode ocorrer a partir de duas situações:
(1) postulados fundamentalistas (partidários de subordinar a política a uma ética fechada e absoluta) ou,
(2) totalitários (partidários de subordinar as éticas a uma só política que se considera a única, verdadeira e justa).
7. Assim colocadas as coisas, a atividade política democrática deve reger-se e se subordinar ao Direito e às leis a fim de que se evite a arbitrariedade do poder político.
8. Mas não a qualquer Direito, mas a um Direito que tenha valores da tradição liberal, democrática e de direitos humanos, tradição que possibilitou o nascimento do moderno conceito de Estado de Direito (sem esses valores o Estado de Direito seria um mero sistema político autoritário e ditatorial).
9. E sendo a relação entre ética e política tensa e dramática, uma e outra estão condenadas a compartir “o mais interessante de suas vidas” já que desde a Idade Moderna ocidental nos demos conta de que a moral tem muitas deficiências políticas e a política, por sua vez, também as tem de natureza moral.
10. Apesar disso, a política deve desenvolver-se dentro da moldura da ética, ainda que não coincidam e nem devem coincidir em uma sociedade pluralista.
11. O importante é que haja a moralização da política através do Direito e das leis de um Estado de Direito.
12. Assim, não seria correto eticamente sustentar que existem dois tipos de ética (uma para a política e outra para a vida particular), pois as mínimas normas morais que uma sociedade considera adequadas e válidas o são de maneira igual para todos, sejam cidadãos comuns ou integrantes da alta cúpula governativa.
13. Dessa forma, o “realismo político”, ou a realpolitik que os alemães chamaram em um dado momento histórico de “a política dos interesses práticos” – e que no Brasil muitos juristas e filósofos do direito tentaram justificar e adotar – de forma enviesada -, felizmente está sendo aos poucos colocado para fora do jogo democrático.