A CELEBRAÇÃO DA PAZ
João Batista Ericeira é advogado e professor universitário.
O Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública-CECGP, e a Associação Maranhense de Advogados-AMad, conjuntamente celebram hoje os 68 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Debatem a atualidade de sua observância e cumprimento no contexto nacional e internacional. Alastram-se as guerras, alvejando as populações civis, especialmente as transgressões praticadas contra as mulheres, crianças, idosos, as pessoas mais vulneráveis, vitimadas pelos embates dos poderosos.
A Declaração, assinada em 10 de dezembro de 1948 em Paris, deveu sua redação a personalidades como Eleanor Roosevelt, chefe da Delegação norte-americana; ao francês René Cassin; o libanês Charles Malik; o chinês P.C. Chang; o brasileiro Austregésilo de Athayde; o russo, professor Pavlov; e sobretudo ao denodo do Secretário-geral, o canadense John Peters Humphrey. Serviu de base a todas as constituições após a Segunda Guerra Mundial, aliás, sua proclamação se constituiu em reação as atrocidades cometidas no conflito internacional onde pereceram 45 milhões de mortos.
A Segunda Guerra Mundial resultou da exacerbação dos nacionalismos, das ideologias de supremacia racial, de classes sociais; de descrença nas possibilidades do ser humano, na Democracia e no Estado de Direito. Ponto primordial da Declaração: a ideia de que toda pessoa é merecedora de igual respeito e consideração, independentemente de cor, raça, religião, língua, classe ou condição social. Era o caminho indicado para uma paz justa e duradora.
Tomando por referência a Declaração, desencadearam-se as lutas contra o colonialismo, a segregação racial, as atrocidades cometidas pelos regimes autoritários. Na oportunidade, lembro a figura do cardeal Paulo Evaristo Arns, falecido semana passada. O seu desempenho denunciando torturas e mortes praticadas nas masmorras da ditadura no Brasil.
O caso do assassinato em 1975 do jornalista Vladimir Herzog da TV Cultura, no cárcere em São Paulo, o disfarce de que se suicidara, leva-o a oficiar culto ecumênico, ao lado do rabino Henri Sobel e do pastor Jaime Wright, na Catedral da Sé. O ato religioso é o primeiro de uma série que abalaria os alicerces da ditadura. Em 1978, por ocasião da visita do presidente dos Estados Unidos, Jimmy Carter, encontra-se como ele, para denunciar as constantes violações patrocinadas pela ditadura que teimava em não deixar o poder.
Foi vítima de atentados frustrados e de retaliações de parte da própria Cúria Romana de então. Manteve-se firme na defesa dos princípios constantes na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O mesmo se pode dizer do pastor da Igreja Batista, Martin Luther King, nas suas marchas em favor dos Direitos Civis da população afrodescendente dos Estados Unidos, coroadas de êxito, culminando com o seu assassinato.
Semelhante desempenho teve Nelson Mandela na África do Sul, amargou anos de prisão até a conquista do poder político, e o fim do apartheid ultrajante a dignidade do seu povo.
A promoção da igualdade de gênero é outra missão primordial da Declaração, além de garantir o atendimento das necessidades materiais básicas de todos os seres humanos, como condição da efetivação da Democracia. Mesmo sofrendo críticas de correntes direitistas e esquerdistas, a Declaração é a pilastra fundamental da moral e da ética para a Humanidade nos últimos anos, coluna das ordens político-jurídicas de todo o mundo. Findada a Guerra Fria, a partir da década de noventa do século passado, a Organização das Nações Unidas-ONU patrocinou inúmeras conferências internacionais sobre clima, populações, mulheres, racismo, crianças e adolescentes, todas focadas na valorização da dignidade da pessoa humana.
A globalização gerou graves deformações nos campos econômico, social e jurídico. Aumentou as desigualdades sociais que essas conferências da ONU tentaram diminuir com as Metas do Milênio, adotadas por diversos países, visando reduzir as injustiças.
Atualmente na Europa, onde se acreditava as democracias estavam consolidadas, ressurgiram os fenômenos ideológicos do nacionalismo, do racismo, da xenofobia, da intolerância contra os imigrantes, alimentada pelas guerras culturais e religiosas.
E o pior, o ceticismo em relação a eficiência do regime democrático como instrumento de solução dos problemas fundamentais da sociedade. O mesmo sentimento acomete os países emergentes, Rússia, China, Índia, Turquia, na resistência a retórica dos Direitos Humanos, que parece influenciar também a política dos Estados Unidos.
No Brasil, e de resto, espera-se, na América Latina, a despeito dos atuais problemas institucionais, reafirmamos a nossa crença na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Democracia. É esse o objetivo da cerimônia de hoje à tarde: uma celebração pela Paz.
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