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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

CULTURA POLÍTICA E DEMOCRACIA – por Sergio Tamer

CULTURA POLÍTICA, O FERMENTO DA DEMOCRACIA

Há pessoas… que nas democracias deixam de exercer o seu senso crítico em relação às estruturas de governo e dos serviços que elas oferecem à coletividade, abdicando, dessa forma, do seu papel de cidadão influente para tornar-se apenas em um súdito, uma espécie de vassalo do poder de ocasião, que a tudo aceita e aplaude incondicionalmente…

Por Sergio Tamer

 

          Muitas nações se esforçam para entrar no mundo moderno da tecnologia e da produção de bens e serviços, mas não conseguem na mesma velocidade assimilar uma cultura democrática que respeite o exercício da cidadania. Enquanto almejam uma tecnologia industrial e uma burocracia eficiente, mediante a criação de uma infraestrutura social com muitas inversões financeiras, têm, porém, muitas dificuldades em fazer com que seus nacionais sejam, de fato cidadãos.

          Assim, em relação aos bens físicos e seus modos de produção, junto com a tecnologia de que dependem, há uma rápida assimilação por parte desses países emergentes. Todavia, o problemático nessa mudança cultural passou a ser o seu caráter político, considerando-se a cultura política de participação. Essa participação, todavia, tem duas faces, isto é, a existência de Estados democráticos e autoritários/totalitários onde os primeiros oferecem à sua população oportunidade de participação nas decisões políticas na qualidade de “cidadão influente” e os segundos na condição de “súdito participante”.

          É certo que em ambos os modelos existem eleições, partidos políticos e câmaras legislativas. Porém, nas democracias, o sistema político de participação requer, igualmente, uma cultura política coordenada e “alinhada”, razão da dificuldade em levar os padrões da cultura política de países democráticos para outras nações.

          Não há dúvida que as grandes ideias da democracia, como liberdade, dignidade do indivíduo, governo com consentimento dos governados, são ideias sedutoras que despertam grande atração entre líderes de jovens Estados e de nações mais antigas em processo de renovação, mas a questão central encontra-se mesmo na cultura política adequada, isto é, naquela que seja capaz de impulsionar uma verdadeira política democrática.

          Há duas questões, nesse aspecto, a considerar. A primeira delas diz respeito a componentes culturais mais sutis, a exemplo da maneira como os dirigentes políticos tomam suas decisões, suas normas e atitudes, assim como as atitudes do cidadão comum, suas relações com o governo e com os demais cidadãos. São componentes culturais de difícil assimilação, pois precisam de atitudes e sentimentos democráticos, introjetados na sua maneira de proceder. Há pessoas, por exemplo, que nas democracias deixam de exercer o seu senso crítico em relação às estruturas de governo e dos serviços que elas oferecem à coletividade, abdicando, dessa forma, do seu papel de cidadão influente para tornar-se apenas em um súdito, uma espécie de vassalo do poder de ocasião, que a tudo aceita e aplaude incondicionalmente. São atitudes que enfraquecem o sistema democrático, sobretudo nos dias de hoje em que vivemos numa autêntica “guerra de narrativas”, uma espécie de fogo cruzado sem precedentes, onde os adversários políticos se acusam e se ameaçam mutuamente o que resulta na redução, ainda mais, do espaço participativo da cidadania.

          Mas alguns cientistas políticos indagam se, assim como a tecnologia e a ciência ocidentais deixaram de ser patrimônio único do Ocidente e, por todas as partes estão destruindo e transformando sociedades e culturas tradicionais –, da mesma maneira e amplitude o sistema político aberto e a cultura cívica poderão difundir-se?  Ora, há claramente duas velocidades nesse campo, e os conflitos de culturas políticas têm muito em comum com outros conflitos culturais, sendo que os processos políticos de aculturação se afinam melhor se ocorrer, também, uma incorporação na mudança cultural em geral, conforme observaram em seus estudos Gabriel Almond e Sidney Verba. E quando se fala em “cultura política de uma sociedade”, fala-se em conhecimentos, sentimentos e valorações de sua população.

          Portanto, a cultura política de natureza democrática é fundamental para sustentar e implementar as normas constitucionais existentes em determinado sistema político. E dar efetividade às constituições democráticas, sobretudo no âmbito de seus direitos fundamentais, talvez seja um dos maiores desafios das modernas democracias, pois para que estas existam, de fato, têm que ir “de mãos dadas com vários companheiros de viagem, entre os quais estão a cultura política, o desenvolvimento econômico e a modernização social” (R. Dahal).

           Entretanto, no Brasil, constatamos que a cultura política de natureza oligárquica e patrimonialista de um lado e, sob outro ângulo o apelo populista e demagógico que são características das suas principais lideranças, sejam de esquerda ou de direta, têm o condão de criar obstáculos adicionais ao desenvolvimento econômico e de impedir a sua tão almejada modernização social, vale dizer, o acesso da população aos bens econômicos, culturais e sociais, necessários para que haja uma maior participação política. E somente com a ampliação desse acesso poderá haver a inclusão da maioria na condição de cidadãos influentes.

          Por fim, é de grande atualidade e pertinência a advertência do politólogo R. Dahal, para quem “a ameaça à democracia contemporânea já não deriva da concentração de poderes políticos numa só instância, mas sim da crescente desigualdade, condição que gera a resignação e o abandono da participação pública por parte dos cidadãos.”

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Sergio Victor Tamer é advogado, professor universitário, mestre em Direito Público pela UFPe, doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca e pós doutor em Segurança Pública pela Universidade Portucalense. É autor de várias obras jurídicas e presidente do CECGP – Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública.