“Quando decisões ou ações judiciais são percebidas como sendo influenciadas por interesses políticos, ideológicos ou partidários, em vez de se basearem exclusivamente nos princípios legais e na interpretação imparcial das leis, dá-se a politização do Judiciário…”
Por Sergio Tamer
O excessivo protagonismo político e midiático, um ativismo desmesurado para além da garantia dos direitos fundamentais, interferências constantes na condução política do país e na esfera legislativa…tudo isso trouxe para o STF, inevitavelmente, o desgaste inerente aos embates políticos e, como consequência, a redução da sua estatura institucional como árbitro final e definitivo das contendas partidárias e constitucionais. Nunca é demais lembrar que a judicialização excessiva da política é um ponderável fator de politização da Justiça.
De 2018 até 2024, levantamento indica que partidos políticos bateram às portas do STF com 807 ações visando discutir temas eminentemente políticos, ao mesmo tempo em que abriram as portas do Congresso e do Executivo para a judicialização de questões interna corporis…75% dessas ações foram representadas por partidos de esquerda.
Essa questão foi reacendida agora com a intervenção do STF na chamada Cracolândia de São Paulo, tudo por conta da construção de um muro determinada pela Prefeitura da maior cidade do Brasil. O ministro Alexandre de Moraes instou o prefeito Nunes para que explicasse, em um prazo de 24 horas, sobre as razões da citada obra. Segundo parlamentares do PSOL, o muro estaria prejudicando o ir e vir dos adictos e dependentes químicos. O prefeito redarguiu informando que a estrutura foi projetada de modo a não inviabilizar ou dificultar o acesso de profissionais de saúde, assistência social e organizações humanitárias que prestam serviços essenciais à população local, e que ela foi edificada em substituição ao antigo tapume que existia no local.
Este é um pequeno exemplo dentre muitos que revelam a interferência judicial em matéria de políticas públicas e que deveriam estar afetas ao poder discricionário do Executivo. Aliás, a discricionariedade e a oportunidade do gestor público foram totalmente desprezadas e hoje são praticamente letra morta nos compêndios dos administrativistas. Os atos jurídico-políticos, por sua vez, que deveriam ser inferidos diretamente da norma constitucional pelos órgãos de cúpula, também sofrem um controle judicial exacerbado.
Quando decisões ou ações judiciais são percebidas como sendo influenciadas por interesses políticos, ideológicos ou partidários, em vez de se basearem exclusivamente nos princípios legais e na interpretação imparcial das leis, dá-se a politização do Judiciário. Aliás, esse é um fenômeno que é amplamente debatido em diversos países, incluindo o Brasil, onde a independência do Judiciário é frequentemente questionada em contextos de polarização política.
Algumas características dessa politização podem ser atribuídas a diversos fatores, dentre os quais podemos citar a interpretação judicial ampliada, especialmente quando substituem decisões de outros poderes; o papel crescente da mídia e das redes sociais ao amplificar a percepção de que certos magistrados têm posições políticas claras; e, em contextos de instabilidade política, quando o Judiciário assume papéis que ultrapassam sua função original, gerando críticas e acusações de politização.
As consequências da politização judicial estão à vista e cobram um preço alto, entre elas podemos relacionar a erosão da confiança pública nas instituições democráticas; embates frequentes entre Executivo, Legislativo e Judiciário, dificultando a governabilidade; e, por fim, mas sem esgotar o tema, verifica-se a deslegitimação de decisões, o que ocorre quando sentenças judiciais são contestadas não com base na legalidade, mas na suposta orientação política dos magistrados.
Quando o STF extrapola suas funções constitucionais e convoca os demais poderes para o embate político na soberba certeza de que pode bater sem apanhar ou quando invoca o princípio da independência entre os poderes, mas esquece de que esta não funciona sem a necessária harmonia, na realidade está criando um estado de insegurança jurídica e de aprofundamento das divisões partidárias e políticas.…
Antes, em passado não muito distante, o STF não tinha a força das armas, mas tinha a força moral e irretocável das leis a impulsionar suas decisões. Hoje, o Tribunal dispõe da força da Polícia Federal, seu braço armado, no cumprimento de mandados cada vez mais questionados em sua legitimidade jurídico-política.
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Sergio Tamer é professor e advogado, presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP