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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A criminalização da advocacia, artigo de João Batista Ericeira

 A Criminalização da Advocacia

 

João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

 

 

A carnificina dos presídios tem rendido dividendos, a exemplo da polêmica entrevista do Ministro da Justiça, dia 12 do corrente a ”Folha de São Paulo”, defendendo a gravação das conversas entre advogados e presos. Por si só a proposta põe em suspeição os profissionais da advocacia. Atenuando os efeitos, talvez a intenção tenha sido graduar a inviolabilidade por atos e manifestações da profissão, assegurada pelo artigo 133 da Constituição Federal. Citou o exemplo de 20 bandidos que se faziam passar por advogados, fato recentemente ocorrido em São Paulo.

As reações não tardaram. O professor Lênio Streck disse tratar-se de fala integralmente violadora da Carta Magna do país. Concluiu ironicamente: “até o porteiro do Supremo Tribunal Federal sabe disso”. No mesmo sentido concorreu José Roberto Batochio, para quem a entrevista se constituiu em grave agressão à prerrogativa básica da advocacia.

O Presidente do Conselho Federal da OAB, Claudio Lamachia, considerou despropositada e absolutamente equivocada a colocação do titular da pasta, por muitos considerada de uso demagógico, de puro efeito retórico, de utilização da grave crise prisional, que exige menos discursos e mais atos concretos.

Dando-lhe o benefício da dúvida, é também conhecida a tendência da cultura brasileira de pelo discurso da lei “resolver” questões que por anos se acumulam sem solução. A insolúvel crise dos presídios é uma delas. Mas o cerne da discussão é a defesa das prerrogativas da Advocacia, que tal como as da Magistratura e do Ministério Público, não são de natureza pessoal, e sim, da instituição.

A advocacia é atividade essencial a administração da Justiça, na conformidade do prescrito pela Constituição Federal, as suas garantias são como os predicamentos da magistratura, visam proteger as funções e não os indivíduos. Sua Excelência bem o sabe por sua condição de professor de Direito Constitucional.

Em todas as profissões do mundo jurídico, sejam a advogados, juízes, membros do ministério público, como de resto nas demais, há pessoas corretas e transgressoras. Não é admissível a generalização ou o pior, a criminalização da advocacia.

A inviolabilidade, no caso, é inerente ao Direito de Defesa, condição ao efetivo funcionamento do Estado Democrático de Direito. Duas leis, a nº 8.906/94-Estatuto da OAB e a nº 11.767, chamada Lei de Inviolabilidade do Direito de Defesa são especificas, presidem as relações entre clientes e a advogados, preservam o sigilo profissional.

Cézar Britto e Marcus Vinicius Furtado Coelho, ex-presidentes da OAB, publicaram em 2009, o livro “A Inviolabilidade do Direito de Defesa” contendo comentários históricos e doutrinários a Lei nº 11.767/2008, com prefácio de Michel Temer. Nele, lê-se: “ sem ela (Advocacia), não há jurisdição. Nemo iudex sine actore, o brocardo latino, é revelador de que o Judiciário apenas age se provocado”. Quem o provoca? O advogado. Daí a sua indispensabilidade ao funcionamento da Justiça Pública.

Atacar a advocacia é o mesmo que atacar a Justiça.  Mais adiante, no mesmo prefácio, revela que o artigo 133 da Constituição, resulta de um projeto seu incorporado ao texto da Lei Magna. Em seguida esclarece, as buscas e apreensões que se faziam aos escritórios de advocacia, ultrapassavam os limites, alcançavam outros clientes. As providencias investigatórias atingiam o sigilo profissional indispensável a boa defesa do cliente.

Propôs também o projeto convertido na Lei nº 11.767/2008, protegendo igualmente o local de trabalho do advogado, tornando-o inviolável, restringindo a busca e apreensão policial ao cliente investigado. Aos que criticavam a Lei, enfatizando que “blindaria” os depósitos do crime, assegurou que nessa hipótese, não seria caso advocacia, mas de delinquência, fora, portanto, do alcance do diploma legal. Assumiu a paternidade da nova norma, enaltecendo-a como protetora do sacrossanto Direito de Inviolabilidade, que não pertence ao advogado, mas ao “povo que bate às portas do Judiciário em busca da adequada aplicação da Lei.

Devemos repudiar as tentativas de enxovalhamento da advocacia, responsabilizando-a pela fuga em massa dos presídios. Quem colabora com o crime não é advogado, mas delinquente. A crise do sistema penitenciário, resulta de múltiplos fatores, incluindo a incúria das autoridades competentes. É nosso dever registrar a indignação com as vãs tentativas de criminalização da advocacia.