Há covardia em decidir por pressões externas, diz ex-juiz
Nos primeiros dias de janeiro, uma rebelião Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o maior do Amazonas, resultou na morte de quase 60 presos, além da fuga de mais de uma centena deles. Como resposta para reduzir a tensão no sistema prisional, o governo do estado deu início a um mutirão carcerário que na primeira semana concedeu liberdade a 432 presos provisórios.
A medida tem sido a mesma de outros estados onde também houve rebeliões neste início de ano. O governo federal também apresentou suas medidas para tentar resolver o problema. Entre elas está a criação de novos presídios.
A soltura de presos ilegais foi o que motivou a aposentadoria do juiz Livingsthon José Machado em 2005. Quando a prática ainda era uma novidade, Machado determinou a soltura de 59 presos ilegais em Contagem (MG). O ato do ex-juiz foi criticado na época pelo governador Aécio Neves (PSDB), acusado de “fazer proselitismo pessoal” e colocar em risco a segurança pública.
Agora advogado, Livingsthon Machado afirma que deveria fazer parte do cotidiano de todo juiz criminal determinar a soltura imediata quando a prisão for ilegal ou abusiva. Para ele, as recentes decisões liberando presos têm sido tomadas por desespero e medo, sem nenhum planejamento.
"Há na verdade, uma covardia dos juízes em decidir por outras pressões, como interesses corporativos, de partidos políticos ou do Executivo", afirma o advogado em entrevista concedida ao jornalista Frederico Vasconcelos, do jornal Folha de S.Paulo. "Veja o caso que vivenciei em 2005. Penso que a significativa maioria dos magistrados cederia às pressões", complementa.
Apesar de existirem juízes que tentam fugir da responsabilidade pelo estado em que se encontra o sistema penitenciário, Machado lembra que a Constituição determina que a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária. Além disso, cita também a Lei de Execuções Penais, que diz que compete ao juiz da execução zelar pelo correto cumprimento da pena e da medida de segurança e inspecionar, mensalmente, os estabelecimentos penais.
Para Machado, os mutirões carcerários existente hoje são medidas paliativas, que não resolvem o problema. Na visão do advogado, as audiências de custódia também não tem sido úteis. "A ideia é boa, mas a prática tem sido desastrosa. Em boa parte das audiências são os promotores que decidem. A maioria significativa dos juízes não examina os elementos necessários para a decretação da prisão preventiva, que é excepcional. Os delegados de polícia cumprem um papel meramente administrativo. Aumentaram as prisões ilegais porque os tribunais não têm examinado as ilegalidades praticadas por vários juízes", avalia.
Segundo Machado, é preciso pensar a política penitenciária em conjunto com a política de segurança pública pois ambas estão ligadas desde o embrião. "Não é que se confundam, mas uma depende da outra, embora gozem de autonomia, com regras próprias, mas não isoladas e independentes", explica.
Ao exemplificar, Machado diz que não é possível pensar em medidas punitivas mais rigorosas sem levar em conta os efeitos dessas punições na execução. Assim como não é possível pensar no abrandamento de medidas punitivas em razão do fracasso do modelo prisional existente.
A falta de vontade política é apontada pelo advogado como motivo para a falta de controle das facções que têm organizado as rebeliões. "O poder público não tem se ocupado de impedir as ações das organizações criminosas e de seus líderes porque, de certa forma, são eles que mantêm certa ‘ordem’ nos presídios. É a ‘ordem pela desordem’", diz.
A terceirização e privatização de presídios é vista pelo advogado como uma solução possível e viável na execução de penas privativas de liberdade, mas que devem ser pensadas de forma transparente e sem demagogia ou fantasias acadêmicas.
Como exemplo de sucesso, Machado cita o método de execução penal conhecido como APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados), unidades com no máximo 300 presos e com elevado índice de ressocialização. Idealizado pelo advogado Mário Ottoboni, o sistema foi implementado em várias comarcas no Brasil e no exterior.
"O trabalho, ou aquilo que na APAC é conhecido como “laborterapia”, deve ser pensado de forma harmônica com os interesses econômicos do empreendedor (do empresário) de forma a termos ganhos tanto para a atividade econômica, como para o sentenciado (ganhos econômicos e profissionais) e para a sociedade –redução da reincidência e colaboração de força de trabalho produtiva", explica.
Em Contagem, o advogado conta que desenvolveu, juntamente com a Defensoria Pública, lojistas, assistentes sociais e poder público municipal um projeto neste sentido, com excelente receptividade pelo empresariado. "Mas é preciso seriedade e transparência", ressalta.