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A ECONOMIA GIRA O MUNDO – por Sergio Tamer

Sergio Tamer, professor e advogado, é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

É consenso, hoje, adotar-se como marco na formação e nos fins dos Estados contemporâneos de natureza liberal, a Revolução Americana (1775–1783), que serviu de inspiração para a maioria dos países, principalmente na América Latina. Em 1787, finalmente os convencionais redigem a Constituição dos Estados Unidos, e inicia-se a campanha dos federalistas para obter a aprovação de seu texto pelos estados, o que ocorreria naquele mesmo ano na Convenção Constitucional de Filadelfia.

          A liberdade, a igualdade, os direitos do indivíduo, notadamente o de propriedade, são assegurados. Nasce, então, o primeiro Estado realmente liberal, onde o poder é limitado. As leis, democraticamente aprovadas, são garantidas por tribunais independentes. Tocqueville, em sua obra clássica “A Democracia na América”, diz ao mundo sua admiração com o que vira na Nova Inglaterra.

          É sabido que os Estados Unidos foram colonizados por famílias que fugiam das perseguições religiosas na Inglaterra. Apegados à propriedade, tinham natural aversão à tirania. Não aceitavam a religião subordinada ao Estado e tinham especial tendência para a vida comunitária. Tocqueville, que temia o risco da tirania das maiorias, entusiasma-se com este espírito comunitário. Para ele, lá estaria o exemplo de homens que se tornam cidadãos porque o Estado existe em seu benefício, e eles se sentem parte deste Estado. Na Europa do seu tempo, ao contrário, o homem sentia-se súdito, administrado por um Estado que o controlava.

          Não há como negar que a delimitação dos poderes políticos e a garantia dos direitos individuais representam uma conquista dos Estados liberais, conquista essa corporificada na ordem constitucional dos tempos modernos. Contudo, somente com a Revolução Francesa (1789) o conceito de democracia iria ampliar-se para, efetivamente, significar não só o voto, mas a participação de todos na vida dos Estados. Até então, o ideal liberal buscava sobretudo conter os soberanos e limitar o poder do Estado. Com a Revolução Francesa, surge a ideia da vontade geral, mas sem as características anti-individualistas de Rousseau. Contém-se o soberano, mas isso não basta. O indivíduo é visto em nova dimensão participativa e social. E no relacionamento entre Estado e indivíduo dois padrões liberais influenciaram fortemente a evolução política ocidental: o inglês e o francês. Enquanto o primeiro propiciava a limitação do poder estatal o segundo visava fortalecer a autoridade estatal para garantir a igualdade diante da lei.

          Curioso é que na base da sublevação das 13 colônias americanas estava a cobrança exacerbada de impostos por parte da Inglaterra que necessitava fazer face ao seu endividamento de pós-guerras. Assim, a Lei do Selo e a Lei do Chá, consistiu em elevar drasticamente a tributação o que resultou na revolta dos colonos, que foram duramente reprimidos. Caso típico foi a revolta do chá, que ficou conhecida como “Boston Tea Party”, ocorrida em 1773, quando colonos americanos protestaram contra o monopólio do chá imposto pelo governo britânico em favor da Companhia das Índias Orientais. O protesto consistiu em jogar, ao mar, um carregamento de cerca de 340 caixas de chá no porto de Boston.

          Uma guerra comercial com a Inglaterra ensejou a declaração de Independência americana em 4 de julho de 1776 e fez surgirem os Estados Unidos da América. Contudo, hoje é o Trumpismo, como símbolo de uma política econômica e comercial protecionista, que abre uma guerra tarifária especialmente com a China, mas sem perder o foco em outras nações exportadoras.de bens e serviços. E em mais uma curiosidade histórica, foi no ano da Independência americana que o inglês Adam Smith, considerado o pai da economia moderna, publicou o seu famoso livro “A Riqueza das Nações”, um marco do liberalismo econômico. Nele, há uma ampla investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações, inclusive sobre os mercados-livres. Aos EUA, portanto, não faltam lições de sua própria história. Agora, simbolicamente, estão sendo jogados ao mar os produtos americanos em represália às suas barreiras alfandegárias. Quem vencerá essa nova guerra e que consequências terá para a geopolítica mundial?