Gestão orçamentária no Judiciário: reflexões e mudanças
Por Frederico José Pinto de Azevedo
Nas palavras de Machado de Assis, “muitas vezes o melhor drama está no espectador, e não no palco”[1].
E assim iniciamos este texto, lembrando que uma nova mentalidade deve estar presente para atacar o grande desafio da gestão pública, qual seja, a necessidade de evolução da pesada estrutura administrativo-burocrática para algo mais flexível, com a utilização de técnicas mais atualizadas e um planejamento estratégico, voltados ao aprimoramento (técnico e efetivo) da máquina pública. A partir da Constituição Federal de 1988, a questão do planejamento passou a ter maior presença no setor público, com uma integração de ferramentas de planejamento consubstanciadas no plano plurianual, na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual.
De modo sucinto, podemos mencionar que o plano plurianual é voltado à condução dos gastos públicos de forma racional, gerindo a realização de novos investimentos e a manutenção do patrimônio público, de forma que qualquer ação de governo nele deve constar, para que seja executada. A Lei de Diretrizes Orçamentárias funciona como a ligação entre o plano plurianual e a lei orçamentária. Por sua vez, o orçamento representa o montante a ser gasto pelo Estado no âmbito do que vier a receber de receitas.
A atividade governamental é feita por meio de estruturas administrativas que devem executar os programas estabelecidos na lei. O orçamento público tradicionalmente, buscava controlar as despesas do Estado, sendo que, hodiernamente, é considerado fundamental instrumento de aplicação dos recursos — cada dia mais escassos —, controle da execução e avaliação dos resultados.
Dentro de nossa estrutura de poder, o orçamento público sempre foi menosprezado pelos sucessivos governos e pelos entes que compõem a administração pública, entre eles o Judiciário. Uma mudança singela vinha ocorrendo nos últimos tempos, mas a situação ganhará novos contornos com a Emenda Constitucional 95, que estabeleceu um novo mecanismo de controle dos gastos públicos, a partir de um limite anual de aumento das despesas públicas, reajustadas somente pela inflação acumulada do exercício anterior.
Visando entender um pouco da autonomia do Judiciário para a formação do orçamento, calha tecermos, no âmbito federal, alguns apontamentos. A Secretaria de Orçamento Federal é responsável pela coordenação, consolidação e elaboração da proposta orçamentária da União, exercendo a função de órgão central. Os órgãos setoriais têm a responsabilidade de fazer o levantamento das despesas necessárias em suas respectivas áreas, e as unidades orçamentárias devem fazer uma avaliação dos programas e custos. O Judiciário da União possui 65 unidades orçamentárias, e a Justiça Federal, de modo específico, possui seis unidades, considerando que o primeiro grau tem orçamento próprio, o que é importante para o gerenciamento das suas necessidades, muitas vezes distintas das dos tribunais a que estão vinculadas as seções judiciárias.
Procede-se a um cálculo estimado das receitas por parte do órgão próprio no Poder Executivo, que é repassado às unidades para que sejam efetivadas as propostas orçamentárias. A fixação dos referenciais monetários para a apresentação das propostas orçamentárias setoriais obedece a diretrizes estabelecidas previamente na lei de diretrizes orçamentárias, nos termos do parágrafo 1º do artigo 99 da Constituição Federal.
Em uma segunda etapa, os órgãos setoriais elaboram as suas propostas orçamentárias, com a análise das necessidades e dos gastos que devem observar a fixação dos padrões monetários já estabelecidos pela Secretaria de Orçamento Federal. Caberá aos Poderes e aos demais órgãos o envio das propostas até uma data estabelecida na Lei de diretrizes orçamentárias.
A Secretaria de Orçamento Federal consolida e formaliza a proposta orçamentária da União. O legislativo discute e tem papel preponderante na elaboração da lei em questão.
Ao contrário do que se imagina, o Poder Judiciário, ao menos no âmbito da União, tem sua autonomia financeira limitada, primeiro pelos referenciais monetários fixados pela Secretaria de Orçamento Federal, de acordo com os termos da Lei de Diretrizes Orçamentárias, ficando restrito ao estabelecimento de programas e estipulação de dotações. A margem de manobra em relação às despesas obrigatórias também é pequena, não melhorando na fase posterior junto ao Poder Legislativo, sendo então necessário tentar aprovar emendas voltadas à melhoria do dia a dia orçamentário/financeiro do Judiciário no exercício seguinte.
Interessante também mencionar que não há um mecanismo eficaz para aferição dos complexos cálculos elaborados pela Secretaria de Orçamento Federal, porque não há previsão de participação, direta ou por meio de fiscalização, de agentes vinculados ao Judiciário no procedimento.
Com a presença das modificações previstas na emenda constitucional 95, que instituiu o teto de gastos públicos, uma maior transparência seria essencial. Em momento anterior, o Judiciário conseguiria com mínimo esforço, eventual suplementação orçamentária, o que será mais difícil a partir da nova ordem constitucional. Seremos obrigados a aprender a conviver com valores fechados, passando aí a ser necessário um melhor planejamento de atividades no intuito de dar eficácia à atuação sem excessos financeiros.
A Comissão Europeia para Eficiência da Justiça (Cepej) funciona como um órgão auxiliar em vários aspectos, na implementação de políticas de gestão que levem ao bom andamento do sistema judicial dos países do Conselho da Europa, efetuando estudos e propondo também práticas para o incremento da eficiência no serviço público judiciário. Coube a ela pensar a nova gestão pública, que tem direta relação com a descentralização, delegação de competências, racionalização e diminuição de custos, flexibilização, eficácia, eficiência e prioridade na satisfação dos anseios da sociedade.
De acordo com um dos estudos apresentados pela referida comissão[2], “a eficiência das cortes desempenha um papel crucial na sustentação do Estado de Direito (…) Um sistema judicial eficiente é um ingrediente essencial de um ambiente que garanta aos indivíduos um desenvolvimento humano por meio do exercício efetivo dos direitos econômicos e sociais”. Um dos entraves encontrados em alguns dos países europeus é justamente a questão orçamentária das cortes, eis que em alguns países o gerenciamento da questão ainda se encontra nas mãos do ministro da Justiça, o que em alguns casos pode ser acusado de violação da independência judicial. E, daí, observa-se que, no início do novo século, ocorreram rumores de que o orçamento do Judiciário da Dinamarca sofreria redução justamente após o julgamento pela Corte Suprema da declaração de inconstitucionalidade de uma lei sobre a percepção de recursos em escolas (Tvind case). Logo depois, o orçamento passou a ser administrado pelo próprio Judiciário do país.
Nos Estados Unidos, o presidente da Suprema Corte, com certa frequência, deixa claro as dificuldades encontradas para a administração das cortes federais diante de insistentes diminuições orçamentárias por parte do Legislativo.
A autonomia financeira existe quando o ente dispõe de recursos suficientes para as suas necessidades, sem depender de terceiros. Ela é de fundamental importância, já que, sem recursos para se manter, os entes não poderão exercer as funções que lhes competem e passarão a depender de terceiros para financiar suas atividades, circunstância aniquiladora de todo e qualquer poder autônomo que se lhes atribua.
Entretanto, urge cada vez mais a implementação de indicadores de desempenho, mesclados com a existência de gestores — no caso do Judiciário, de juízes treinados para o estímulo a uma gestão por competências —, para lidar com o dia a dia dentro do Judiciário de forma a não permitir que os recursos sejam utilizados de qualquer critério, com o orçamento sendo gerenciado, de modo a que seja ofertado “valor ao dinheiro”. Determinadas vezes, mudanças são salutares (mesmo as que se apresentam difíceis como a nova realidade pós-Emenda 95), para que uma nova realidade seja construída, já que o desconhecido pode ser promissor, não para quem vai lidar com ele de imediato, mas para a maior interessada: a sociedade.
[1] Papéis Avulsos.
[2] European Judicial systems. Efficiency and quality of justice. CEPEJ Studies n 23.