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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A sociedade e a urna, artigo de João Batista Ericeira

 A Sociedade e a Urna

 

“Admitir que através de sucessivas entrevistas aos veículos de comunicação, os juízes deem receitas para todas as políticas públicas é colaborar com a tese que o Judiciário tem solução para tudo, e implica necessariamente em invasão de competências, produzindo verdadeira subversão institucional.”

 

João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

 

 

O Brasil atualmente enfrenta desafios semelhantes aos de 1930. Baixa legitimidade da representação política. Divórcio entre Sociedade e Estado, este obviamente não representa aquela nos mínimos requisitos exigíveis para tanto. Em termos hobbesianos, inexiste no Brasil a organização estatal, considerando o contrato social de Rousseau, também não. A crise da segurança pública e do sistema carcerário comprovam a inteira falência dos aparelhos estatais. O mesmo caos está presente na educação e na saúde.

A situação do Espírito Santo põe aos olhos de todos o tempo de perigo que vivemos. Por conta do arrocho fiscal, os salários dos policiais militares daquele Estado foram congelados. Por motivos alimentares, apoiados por familiares, decidiram a paralização, ainda que a Constituição Federal vede o Direito de greve a esse tipo de servidor. A Constituição está sendo descumprida. De nada adiantará a Justiça declarar a ilegalidade da greve, o impasse perdurará, o quadro social permanecerá inalterado. Estamos diante da desobediência civil generalizada.

Enquanto os problemas da gestão pública não são enfrentados, os líderes partidários, em Brasília, discutem o nome do futuro Ministro da Justiça, pois o atual foi indicado para o Supremo Tribunal Federal-STF, órgão de cúpula do Poder Judiciário, para onde convergem todas a questões institucionais relevantes que o Poder Legislativo e o Executivo se omitem de resolver.

Há quem sugira ser altamente positivo o fato de os juízes do STF serem tão conhecidos como outrora foram os jogadores de futebol. Ponho dúvidas sobre a positividade da notoriedade dos juízes, a quem acho ser necessário a discrição, o recato, e a manutenção em boa distância dos instrumentos de mídia, de rádio, televisão, revistas, redes sociais, pois no final, terão a última palavra sobre todos os temas colocados em debate no espaço público. Nada escapa do controle jurisdicional na sistemática constitucional brasileira.

Admitir que através de sucessivas entrevistas aos veículos de comunicação, os juízes deem receitas para todas as políticas públicas é colaborar com a tese que o Judiciário tem solução para tudo, e implica necessariamente em invasão de competências, produzindo verdadeira subversão institucional.

Não é o caso de responsabilizar pessoas, os acontecimentos resultam da confusão institucional em que se encontra o país, em que é preciso refazer o pacto político para que a Sociedade se faça representar no Estado, pondo-o a seu serviço. O que hoje se chama de política não passa de um negócio entre amigos sem qualquer vinculação com o interesse público.

O ex-ministro da Fazenda e do Planejamento dos governos do ciclo militar, Delfim Netto, em 2002, publicou pela editora Topbooks, o livro “O Mercado e a Urna”, em que sustenta a tese de que o jogo delicado e complexo entre as forças econômicas, a que chamou de mercado, e a urna, denominação dada ao processo eleitoral, de consulta a vontade política da sociedade, é o único capaz de conduzir a conciliação adequada entre os valores da liberdade, da igualdade, e da eficiência produtiva. Enfim, desse jogo sairia a tão sonhada Democracia.

Tudo ocorreria como sonhado no plano ideal, se o mercado não se apoderasse da urna, contaminando a representação da sociedade, pela compra e venda dos votos, deformando o processo eleitoral, tirando-lhe a representatividade e legitimidade necessárias.

A chamada Democracia de Procon é uma grave anomalia, submete os interesses coletivos aos financeiros, gera múltiplas crises, política, econômica, social, ética, coloca o país na situação-limite parecida a de 1930, onde se buscou a solução dos quartéis, em razão da fragilidade da capacidade de organização e mobilização da sociedade.

Em 2017, muitas reformas estão pautadas: previdenciária, trabalhista, tributária, mas a principal é a política, que devolva o poder a sociedade, a fim de que ela possa se fazer representar na condução das políticas do Estado, em benefício dos cidadãos, que com os seus impostos mantêm a organização estatal.

A atual Constituição possui mecanismos capazes de alterá-la naquilo que se fizer necessário a preservação do Estado Democrático de Direito, pondo a urna a serviço da sociedade brasileira.