O Carnaval e as máscaras de Trump
João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados.
Supunha-se que o impossível não aconteceria, em novembro do ano passado, elegeu-se para a Presidência dos Estados Unidos o miliárdio Donald Trump. A realidade ultrapassou a ficção. O Brasil, pelo exotismo tropical, era considerado o país de cultura eminentemente carnavalesca, incluindo a política, agora, vê-se superado pelo desempenho do líder ianque e seus estrepitosos lances de nomeações, demissões, frases e discursos. A qualquer momento se espera por novo espetacular factoide produzido pelo mandatário ianque, que se lança ao mesmo tempo contra todas as instituições tradicionais do país: o Congresso, a Imprensa, o Judiciário.
Às vésperas do Carnaval, a mais importante festa popular do Brasil, marca da cultura nacional, o Presidente norte-americano, imagino, será contemplado por mascaras carnavalescas, ao lado de protagonistas da Lava Jato e de figuras de proa da cena nacional, entre eles, o juiz Sérgio Moro. Mas no exercício da possível racionalidade, emergem as indagações sobre as causas do surgimento de Trump e suas consequências para a organização do poder interno dos Estados Unidos, e as inevitáveis consequências no plano internacional.
Depois que o Decreto proibindo a entrada de refugiados foi suspenso por juízes e tribunais, o Presidente investiu pesadamente contra o Poder Judiciário. Semana passada em entrevista concedida a jornais e a redes sociais anunciou: “o sistema judicial está quebrado. ”
O Decreto anti-imigração lesa a Constituição dos Estados Unidos, um país de imigrantes. Visou atingir cidadãos originários da Síria, Iraque, Irã, Sudão, Somália, Iêmen e Líbia, de maioria islâmica, impedidos de ingressar em território norte-americano pelo prazo de noventa dias, os refugiados, por 120 dias. Um Procurador Federal protocolou ação junto ao juiz federal do Estado de Washington, que de imediato concedeu liminar suspendendo o ato presidencial. As cortes de apelação confirmaram a decisão do juiz de primeiro grau.
Juízes e tribunais agiram de forma silenciosa e discreta, mas insatisfeito Trump contra-atacou assegurando que os tribunais do país são muito políticos, e adiantou: “a manutenção da suspensão é vergonhosa. ” Resolveu generalizar os ataques ao sistema judicial dos Estados Unidos, reiterando-lhe o rótulo de quebrado.
Em entrevistas disseminadas pelos canais de televisão, Stephen Miller, assessor da Presidência, disparou contra o Judiciário, dizendo, dentre outras coisas, que as decisões das cortes de apelação constituem-se em usurpação aos poderes do Poder Executivo, não existindo isso de “supremacia judicial”, o que os julgadores fizeram foi tomar para si poderes pertencentes diretamente ao Presidente dos Estados Unidos.
A briga pela mídia prosseguiu com declarações como esta: “ um juiz distrital de Seattle não pode forçar o presidente dos Estados Unidos a mudar nossas leis e nossa Constituição por causa de suas visões pessoais. O presidente tem o poder para suspender a entrada de estrangeiros quando em nome do interesse nacional”.
Parece discussão brasileira a respeito dos limites e atribuições dos poderes da República. Os Estados Unidos se caracterizavam pela veneração quase sagrada ao Judiciário, peça angular do sistema político. Nunca se tinha visto anteriormente questionamentos dessa natureza as decisões judiciais, cumpridas com reverência. São novidades da era Trump, fonte de polêmicas nas nomeações de personalidades contrárias aos tradicionais interesses públicos, envolvendo questões de segurança nacional e matéria ambiental. Instituições vetustas como o Congresso,
Jornais icônicos do poder da imprensa são desrespeitados pelo primeiro mandatário e por seus assessores. Ele faz questão de assinalar que está cumprindo as promessas de campanha.
As explicações sobre o fenômeno Trump são múltiplas, começam pela globalização, provocadora de fraturas na economia dos Estados Unidos, na espinha dorsal da indústria automobilística, geradora do desemprego em massa, do empobrecimento da classe média. Depois, vem a descrença nos partidos políticos, oligarquizados, equidistantes dos problemas reais da sociedade. Até o Departamento de Estado, a diplomacia do país, são questionados pelos sucessivos erros cometidos. O Presidente propõe novas alianças e relações no plano internacional
Trump representa o anti-político, o super-herói individual, pronto a enfrentar os erros e os desgovernos das instituições. Promete ainda o resgate do “american dream”, do sonho americano, presente na História, nas pessoas dos fundadores, na literatura, no cinema, na televisão do país. Pela importância dos Estados Unidos, há reflexos do trumpismo no mundo inteiro, inclusive no Brasil.
Aqui, o Super-Homem, o Batman, são mascaras de carnaval. O futuro do personagem, do seu país e do mundo são incógnitas.