Exemplos do Julgamento
João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados
A independência e a autonomia do Poder Judiciário são postulados essenciais ao funcionamento do regime democrático. Criada pela Constituição Federal de 1934, como ramo especializado, a Justiça Eleitoral, ao longo desses anos logrou consolidar-se como reguladora, controladora, mediadora das eleições nos três entes federativos, por todo o território nacional. Antes, as eleições de “bico de pena” na República Velha (1889-1930), eram realizadas pelo Parlamento, sempre questionadas por denúncias de fraudes e pela baixa representatividade de uma população na maioria de analfabetos.
Dos anos Trinta para cá, diminuiu o analfabetismo, aumentou a massa de eleitores, o país urbanizou-se, ao tempo em que a Justiça Eleitoral aparelhou-se, informatizou-se, servindo de exemplo para o mundo de como fazer eleições e apura-las de modo eficiente, refletindo com transparência a vontade do eleitorado. Criação tipicamente brasileira, atua desde a recepção dos votos, incluindo a solução dos conflitos decorrentes das permissões e proibições dos pleitos, de acordo com a legislação especifica aplicável.
No desempenho de suas atribuições, o Tribunal Superior Eleitoral-TSE, órgão de cúpula da Justiça Eleitoral, julgou dia 9 de junho a Ação de Investigação ajuizada pelo PSDB contra a chapa Dilma-Temer, acusada de abuso do poder econômico e administrativo nas últimas eleições presidenciais.
O julgamento do TSE mobilizou o país que o acompanhou como a uma novela de suspense, embora muitos suspeitassem do final previamente combinado. Após o resultado, veículos de comunicação, analistas, emitiram juízos sobre seus efeitos para o aperfeiçoamento das instituições democráticas. Naturalmente, contém aspectos positivos e negativos a examinar.
Antes do exame do mérito, convém mencionar Hans Kelsen, um dos teóricos políticos de maior relevância do século passado, para quem um dos pontos negativos da Democracia é a sua aparente baixa eficiência na resposta as expectativas da população, nem sempre imediatamente atendidas.
Os membros do Judiciário não são escolhidos mediante sufrágio eleitoral, atendem a critérios havidos como técnicos, não estão, portanto, sujeitos ao atendimento da vontade maioria, determinante para as decisões das assembleias populares. Não se quer com isso dizer que as suas decisões não sejam políticas, reafirma-se sim, os critérios são de caráter jurisdicional. Se acertados ou errados, são juízos de valor que independem do seu cumprimento em nome da saúde do regime. Desde os gregos, os primeiros a inventar a tecnologia, que é assim.
Basta lembrar o julgamento de Sócrates, considerado como o da própria filosofia, injusto, mas que o próprio acusado defendeu seu cumprimento para o bem-estar da polis, isto é, do Estado.
Quer dizer, acima de nossas paixões político-partidárias estão as instituições e a conveniência de preservá-las para o bem das atuais e das futuras gerações. A interpretação jurídica será sempre ambígua e contraditória, dependendo do ponto de vista que se adote.
O Julgamento do TSE está repleto de exemplos. O primeiro deles é que a Justiça brasileira necessita de desvincular-se do excesso de formalismo para atingir a verdade real. Essa é a moderna tendência do processo judicial. Outra, é que nomeado, o juiz deve perder por inteiro o vínculo com a autoridade do Executivo que o nomeou.
A atual conjuntura exige mais recato e menos exposição dos juízes que deveriam falar mais nos autos do que fora deles. A crise de legitimidade que avassala a chamada classe política não deve atingir os membros do Judiciário de quem se exige a neutralidade e a imparcialidade possíveis, como sustentava Max Weber. Pesquisas de opinião pública registram que a Justiça brasileira desfruta do índice de 30% de aprovação. O índice irrisório de aprovação retrata a falta de confiança e descrença quanto a imparcialidade e tratamento igualitário das partes, além é claro da morosidade.
O julgamento do dia 9 passado no TSE à primeira vista em nada concorrerá para a melhoria do índice de aprovação da população em relação ao Judiciário, mas certamente servirá de exemplo para que se alterem posturas e entendimentos processuais, podendo conduzir a alterações de fundo em sua estrutura.
Restando afinal a lição maior de que os juízes não podem ser reféns da opinião pública, mas devem satisfações posturais ao conjunto da cidadania que os mantém com o pagamento dos impostos. Na democracia, de todos deve-se exigir satisfações em nome da boa saúde do regime.