Quais são as expectativas do novo Código de Processo Civil para 2018?
Um advogado perguntou a um professor de Direito: caro amigo, quanto tempo é necessário para se ter um diagnóstico confiável dos pontos positivos e negativos de um novo código?
Sem titubear, respondeu-lhe o acadêmico: um preciso diagnóstico depende de inúmeras variantes. Em primeiro lugar, o colega está se referindo a que país? Se for ao Brasil, como eu imagino, diante de inúmeras peculiaridades de nossa experiência jurídica, como, por exemplo, a dimensão territorial, a diferença de culturas, o grande número de tribunais, a desmedida e absurda pletora de causas, a ausência de estatísticas detalhadas e, ainda, de outros fatores, creio que apenas depois de cinco anos é que poderemos ter elementos mais consistentes para responder com segurança a sua indagação.
Tendo-se como correta a observação estabelecida na ponderada premissa contida na resposta do professor, descortina-se, com efeito, precipitada qualquer consideração positiva ou negativa acerca da interpretação e aplicação do novo Código de Processo Civil, prestes a comemorar um biênio de vigência.
É que, na verdade, somente depois da entrada em vigor de um novo código é que começam as verdadeiras dificuldades. E estas, que vão surgindo aos poucos, muitas atinentes à própria interpretação do texto legal, devem ser enfrentadas ao longo do tempo a partir do diálogo diuturno entre advogados e tribunais, até que se depure determinada orientação pretoriana. E isso naturalmente não se faz de um dia para o outro; exige tempo e reflexão…
É certo, contudo, que alguns aspectos já podem ser destacados da praxe judiciária.
Abstraindo-se da postura daqueles que apontam defeitos apenas com o desejo de criticar, sem apresentar qualquer proposta construtiva, entendo que, pelo novo código, torna-se menos complicado advogar no contencioso. Com a unificação do procedimento comum, da simplificação da fase postulatória, da demarcação mais precisa da designação da audiência de instrução e da produção das provas, a atuação das partes passa (ou deveria passar) a ser mais técnica e objetiva.
Arrisco-me, por outro lado, a adiantar que, a despeito do considerável tempo de tramitação legislativa e do lapso de vacatio legis, a ausência de preparo de juízes e advogados é detectável sem muito esforço.
Observa-se, apenas à guisa de singelos exemplos, que muitos juízes desconhecem as novas regras procedimentais, confundindo aquelas específicas aos processos físicos com as que devem reger os processos eletrônicos; sequer se detiveram na análise do novel artigo 139; continuam deixando de organizar o processo, à luz do artigo 357, ao ensejo da declaração de saneamento; desprezam ainda a arquitetura estrutural redesenhada para a sentença, como se não existisse a regra do artigo 489 do Código de Processo Civil. Em segundo grau, constatam-se, outrossim, situações que irrompem ilegais, como o despacho de recebimento do recurso de agravo, no qual já é fixado prazo, mesmo antes da intimação para a apresentação de resposta, para o agravado manifestar sua eventual oposição ao julgamento virtual; outras, nas quais desponta o total desconhecimento para lidar com o procedimento da reclamação e da tramitação do incidente de resolução de demandas repetitivas; sem contar a má vontade para aplicar, na prática, a norma cogente disposta no artigo 926 do Código de Processo Civil: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”.
Alguns advogados, a seu turno, revelam que, apesar da entrada em vigor do novo diploma processual, continuam a postular como se nada tivesse sido alterado. Deixando de considerar o relevante papel profissional que desempenham, a que confiado o direito — o drama da vida — de seus constituintes, acabam negligenciando a respectiva defesa, porque, descompromissados, deduzem arrazoados desatendendo às novas exigências processuais; desconhecem a atual sistemática da distribuição do ônus da prova; e, igualmente, conspiram contra o princípio da duração razoável do processo, sobretudo ao ensejo do julgamento dos recursos, quando abusam do direito de efetivar sustentação oral, muitas vezes para reiterar matéria exclusivamente de direito…
Reconheço, no entanto, nesse particular, em abono ao comportamento aparentemente “abusivo” dos advogados, os obstáculos, cada vez mais intransponíveis, para se conseguir despachar com alguns juízes e desembargadores, sobretudo no âmbito da Justiça Federal.
É de ser anotado, sob outro enfoque, que a prestação jurisdicional no Tribunal de Justiça de São Paulo, ainda sob a vigência do código revogado, obteve sensível crédito, porque mais expedita do que nunca! Na esfera cível de Direito Privado, na qual exerço com maior frequência a profissão de advogado, as respectivas seções julgam com inegável celeridade. Raras são as câmaras que se encontram com acervo atrasado.
A esse propósito, reiterando o que escrevi em outra oportunidade, um dos mitos que se exige desfazer é o de que o Código de Processo Civil é o responsável pela morosidade crônica da prestação jurisdicional. A crua realidade é bem outra: a ineficiência e burocracia dos modelos de administração da Justiça têm como causas primordiais a ausência de um serviço judiciário aparelhado e a banalização das demandas judiciais. No Brasil, litiga-se, em todo território nacional, por tudo. É absolutamente surpreendente e intolerável a judicialização dos conflitos individuais sobre questões que poderiam ser dirimidas fora do ambiente forense (por exemplo: acesso a medicamentos, inserção abusiva do devedor nos cadastros de proteção ao crédito, extravio de bagagem, atraso de voo, má prestação de serviços em geral, cobrança de débitos condominiais, executivos fiscais etc.).
Diante desse contexto, quais são as nossas expectativas para o ano que se inicia acerca da observância do Código de Processo Civil?
Em primeiro lugar, é o próprio novo diploma que deve continuar chamando a atenção dos operadores do Direito para o regime processual por ele regrado, convencendo-os de suas vantagens. A consulta aos comentários que têm sido editados sobre o novo estatuto constitui importante fonte de aprendizado.
As entidades de classe dos juízes, dos advogados e do Ministério Público, por sua vez, têm o dever institucional de continuar preparando e treinando os respectivos profissionais; simultaneamente, o Poder Judiciário não poderá medir esforços para aparelhar de modo minimamente consistente a máquina do serviço judiciário.
Por fim, há que se esperar, de forma positiva e otimista, que, na praxe forense, o vigente Código de Processo Civil garanta efetivamente uma melhor administração da Justiça: segura, tempestiva e eficiente!
José Rogério Cruz e Tucci é professor titular e diretor da Faculdade de Direito da USP e membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas.
Revista Consultor Jurídico, 2 de janeiro de 2018, 8h05