“Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”.
Por *Anna Graziella Santana Neiva Costa.
Pertence ao filósofo e sociólogo polonês, um dos maiores pensadores do final do século XX, Zygmunt Bauman, a frase destacada.
Bauman é o arauto da construção do conceito de sociedade líquida. Entre o intervalo de teórico perspicaz ao de ingênuo pessimista, como já foi qualificado, parece não haver dúvidas de que o intelectual Zygmunt Bauman com precisão (desconcertante) debateu e definiu temas prementes da contemporaneidade.
Vivemos o tempo da pós-verdade, da fake-news e da modernidade líquida de Zygmunt Bauman. A fluidez desenhada por Bauman é sentida nas mais diversas áreas do nosso cotidiano. Contudo, ousarei pausar considerações acerca do cotidiano jurídico.
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A definição de que vivemos em uma era fluida, de “liquefação” das relações sociais, sem solidez e constantemente em mutação tem ingerência no Direito que, a princípio, se baseia em normas e precedentes rígidos.
A sólida presença das ideias do sociólogo está cristalizada, por exemplo, em denúncias e acusações que desrespeitam ou flexibilizam regras e normas que estão em pleno vigor e na balburdia histérica das voláteis decisões proferidas pelos tribunais pátrios. A ausência de tempo para maturar pensamentos e reflexões traz para nós, operadores do direito, riscos incalculáveis a um ordenamento jurídico democraticamente posto.
Nesse cenário de torpor vamos, paulatinamente, bordando a insegurança jurídica, enfraquecendo o Estado e corroendo as sólidas estruturas dos princípios constitucionais. Resta indagar: o que sobrará? Avançaremos no mundo jurídico do casuísmo? Ousaremos viver no perigoso estado de anomia?
Esclareço que não estou a afirmar que o cenário jurídico é estático. Absolutamente! As modificações de paradigmas jurídicos têm relação direta com a evolução e o aprimoramento das decisões que devem acompanhar o desenvolvimento social para que resultem eficazes. Entretanto, tais modificações não podem, jamais, acontecer solavancadas e/ou escoradas em forjadas opiniões públicas, em desejos momentâneos de satisfazer as massas ou em interesses subalternos. Esses, em definitivo, não podem ser fundamentos jurídicos válidos.
O direito é uma ciência, uma arte e/ou uma técnica. Não é apenas uma ciência normativa, por óbvio. É algo em diuturna construção à luz das condições reais de existência, uma ciência social. A norma é apenas um dos elementos que viabilizam a aplicação do direito e que precisa ser constantemente submetida à crítica, revisões e até mesmo alterações. Contudo, o direito possui compromisso inarredável com a hermenêutica e com as bases axiológicas.
Os efeitos da modernidade líquida podem e devem trazer rapidez e fluidez que a atualidade nos impõe, sob a perspectiva de sanar e vencer burocracias, de conferir maior efetividade aos princípios constitucionais, a exemplo do próprio princípio da celeridade. Por outro lado, é inaceitável que a fluidez localizada na teoria de Zygmunt Bauman corroa, oxide ou deteriore as pilastras dos direitos fundamentais historicamente construídos.
A perigosa e volátil modernidade líquida, parceira da pós-verdade, jamais poderá ter o condão de relativizar leis e flexibilizar princípios constitucionais responsáveis por alicerçar o Estado Democrático de Direito.
Nem tanto a Marx, com sua solidez dissolvida, nem tanto a Zygmunt Bauman, com sua liquidez nefasta.
*Anna Graziella Santana Neiva Costa.
Advogada, Pós Graduada em Direito Constitucional e em Ciência Jurídico-Políticas; MBA em Direito Tributário. Mestranda em Ciências Jurídico-Políticas.