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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A Questão da Verdade, por João Batista Ericeira

 

A Questão da Verdade

 

 

João Batista Ericeira é professor universitário e sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados

 

No mais importante julgamento da civilização ocidental e cristã, o governador da Judéia, representante do poder de Roma, Pôncio Pilatos, perguntou ao acusado Jesus Cristo o que era a verdade. Este silenciou. Não que não a soubesse, mas entendia que se a conceituasse, abriria discussão interminável. Capítulos da filosofia, da ética, da sociologia a discutem até hoje, procuram sem encontrar o consenso definitivo.

Séculos se passaram e a questão da verdade permanece irresolvida. No campo da política ela é sempre parcial, muito embora o compromisso com a transparência seja um postulado que todos os partidos e postulantes prometem adotar. Nos tempos de hoje se fala da verdade real e da virtual, a última é propagada nas redes sociais, ainda que muitas vezes não corresponda aos fatos. Exemplo disso é a última campanha presidencial dos Estados Unidos, vencida pelo polêmico Donald Trump. Os partidários deste teriam montado rede de “Fake News” com a deliberada intenção de desmontar a adversária Hillary Clinton, Secretária de Estado na gestão de Obama, esposa do ex-presidente Bill Clinton. A central de mentiras teria sido montada na Rússia, sob os auspícios do seu presidente Vladimir Putin. A ser verdade, a invasão do espaço virtual, imiscuindo-se em assunto estritamente interno dos norte-americanos, caracterizaria atentado à segurança nacional de seu país.

Toda a teoria jurídica construída a partir dos alicerces romanísticos baseia-se na busca da verdade. A processualística cível e criminal gravita em torno dela para garantir a responsabilização com a aplicação das sanções correspondentes. Sem ela torna-se impossível a segurança nas relações sociais e jurídicas. Qualquer método de solução dos conflitos, judicial ou extrajudicial exige a aplicação do preceito da verdade. Só assim a lei produzida pelos órgãos do Estado poderá se estender indistintamente a todos, como garantia aos que vivem em sociedade.

O século passado presenciou o nascimento e a morte dos grandes sistemas filosóficos, como o kantismo, o hegelianismo, o positivismo. As ideologias do nazi fascismo alemão e italiano, o comunismo soviético, com a pretensão de desfraldarem a verdade universal e totalitária.  O resultado da crença da apropriação definitiva da verdade pelos sistemas totalitários foi a tragédia de duas grandes guerras mundiais, com o saldo da perda de milhões de vidas humanas.

Começou a se acreditar que a Humanidade, na maioria, tinha aprendido as lições, passando a adotar a democracia, como regime político, por sua admissão da convivência de pontos de vistas opostos, sem a crença na propriedade da verdade absoluta e universal. O regime democrático não tem solução para todos os problemas, admite os seus limites e falhas, inafastáveis e inerentes a condição humana.  Exige, contudo, a transparência dos agentes públicos e privados nos seus atos, e a sua fidelidade aos fatos.

Admitiu-se a tendência à corrupção de quem exerce o poder político, e a necessidade de dividi-lo em três, não acumuláveis, como forma de atenuar a inevitável propensão para a corrupção. Aí estão Legislativo, Executivo e Judiciário, os poderes da República, como se antevia na obra de Charles Secondat, o Barão de Montesquieu: “O Espirito das Leis”.

Todos os agentes dos três poderes da República estão submetidos ao princípio da moralidade, significando transparência e fidelidade aos fatos. Sobretudo, do Judiciário e de seus agentes, os juízes. Semana passada estiveram em evidencia os 11 juízes do Supremo Tribunal Federal-STF por conta do julgamento de um Habeas-Corpus.   A autoridade do juiz decorre da moralidade, ele não dispõe de exércitos ou das chaves dos cofres do Tesouro público, o seu sustentáculo é a Lei ancorada na moralidade.

É fato que a sociedade brasileira se queixa com razão da lentidão das decisões judiciais. O velho Ruy Barbosa dizia que a justiça lenta é injustiça, a celeridade está tutelada pela Constituição Federal como direito do jurisdicionado e da sociedade. O pior juiz é o que tarda na decisão.

Também é fato a necessidade de se deixar o STF apenas como Tribunal Constitucional, relegando a última instância dos recursos para o Superior Tribunal de Justiça. No início de 2016 haviam 53.931 processos a julgar. Ao lado disso, o excesso de decisões monocráticas, de protagonismo, têm exposto a Corte aos olhos da opinião pública. Seu conjunto decisório é imprevisível, gera instabilidade e insegurança jurídicas.

Mas a verdade é que apenas uma reforma constitucional profunda ou uma nova Constituição poderá dar jeito no problema. De modo a alterar a estrutura do Estado brasileiro e dos seus poderes. Eleição não é apenas para a escolha de dirigentes, é também o momento de discussão para a solução das questões institucionais da Democracia que desejamos.