Publicado por Thiago Sabioni Valadares em JusBrasil
Deve estar claro que contexto político-institucional, assim como a pressão popular e midiática são cruciais em determinar o sentido que tomam as políticas desenvolvidas no campo da atividade de criação de Leis, assim como em sua aplicação pelo judiciário. Desta feita, necessário se faz apresentar um breve resumo do cenário político que se vivencia.
O atual cenário brasileiro é marcado pela falência da sua infraestrutura, sistema educacional e de saúde totalmente sucateados, que geram criminalidade exacerbada, exclusão e déficit sociais, que são causados tanto pela ausência de proporcionalidade quanto pelo simbolismo legiferante.
Alguns números do Censo 2010 do IBGE, apontam índices alarmantes e demonstram de maneira empírica os dados, dando uma precisa percepção sobre a calamitosa atual situação da violência tradicional brasileira, senão vejamos:
[…] A taxa de morte por homicídios no Brasil aumentou aproximadamente 32% em 15 anos. É o que mostra um estudo do Ministério da Saúde divulgado nesta quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
De acordo com o levantamento, a taxa de mortes por homicídio a cada 100.000 habitantes saltou de 19,2 em 1992 para 25,4 em 2007 – um acréscimo de 6,2 em números absolutos. Enquanto entre 1992 e 2003 houve um aumento no coeficiente, a partir de 2004 observa-se uma tendência de queda. […] O IBGE argumenta que os óbitos por homicídios afetam a esperança de vida da população brasileira, que não é superior justamente por causa dos altos índices de morte prematura, sobretudo de jovens do sexo masculino. Os dados foram divulgados na pesquisa Indicadores de Desenvolvimento Sustentável, referente ao ano de 2010.[1]
Com relação a não reinserção do criminoso na sociedade os dados não são mais otimistas. Índices do DEPEN – Departamento Penitenciário Nacional (Depen), organismo do Ministério da Justiça demonstram de forma cabal que o criminoso preso está aumentando pois a população carcerária triplicou em 15 anos.
[…] Em 15 anos, a população carcerária do Brasil triplicou, atingindo um total de 494.237 presos. Os dados fazem parte de um levantamento do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), organismo do Ministério da Justiça, divulgado na segunda-feira.
Dados do Depen mostram que, entre 1995 e 2005, a população carcerária no país saltou de pouco mais de 148.000 presos para 361.402 – o que representa um crescimento de 143,9% em uma década. Atualmente, a população carcerária do país chega a 494.237 presos e o número de agentes penitenciários situa-se em 60.000 homens. […][2]
Importante frisar também que as disparidades existentes no Brasil, no país que possuí a sétima economia do mundo, a maioria da população ainda é pobre. De acordo com o Censo 2010 do IBGE o rendimento médio mensal é de 668 reais, mas 25% dos brasileiros recebem até 188 reais, e metade da população recebia no ano passado até 375 reais, valor inferior ao salário mínimo vigente. Saliente-se também a desigualdade racial e de gênero no tocante aos valores percebidos pela população, sendo que as mulheres recebem 42% a menos que os homens, e o salário que ganham negros e pardos é cerca de metade do que ganham os brancos.
[…] A essa diferença de oportunidades na educação pode-se atribuir boa parte da diferença de rendimentos constatada pelo IBGE. Os dados de rendimento ainda são preliminares, e mostram que a população brasileira é pobre. O rendimento médio mensal é de 668 reais, mas 25% dos brasileiros recebem até 188 reais, e metade da população recebia no ano passado até 375 reais, valor inferior ao salário mínimo vigente, de 510 reais. Quando se cruzam os dados de rendimento com os de cor, constata-se que negros e pardos ganham cerca de metade do que ganham os brancos.
Na média brasileira, pretos recebem 834 reais por mês, e pardos 845 reais, contra 1.538 reais de brancos.
As maiores disparidades acontecem nas cidades com mais de 500 mil habitantes. Em Salvador, brancos ganham 3,2 vezes mais que pretos. Na comparação entre brancos e pardos, São Paulo aparece no topo da lista da desigualdade, com rendimentos 2,7 vezes maior.
Mulheres – A disparidade entre os rendimentos de homens e mulheres é outra distorção que persiste, embora com tendência à redução. No censo de 2000, os homens tinham rendimentos 53,33% maiores que os das mulheres. No censo de 2010, a diferença caiu para 42%. A desigualdade entre os rendimentos de homens e mulheres reduziu-se em todas as regiões do país, exceto no Nordeste, onde essa relação ficou estável. Em 2010, metade dos homens ganhava até 765 reais, enquanto metade das mulheres recebia até 510 reais. Nos municípios com até 50 mil habitantes, os homens recebiam, em média, 47% a mais que as mulheres: 903 reais contra 615 reais. Nos municípios com mais de 500 mil habitantes, os homens recebiam, em média, 1.985 reais e as mulheres, 1.417 reais, uma diferença de cerca de 40%. […][3]
Triste também os números com relação à educação, já que de acordo com o Censo 2010 do IBGE, quase 10% da população maior de 15 anos é analfabeta, sendo que em mais de 1.000 municípios ela chega aos 25%. O número de negros analfabetos é quase o triplo do que o de brancos. O mais alarmante é que apesar do número de negros analfabetos ter diminuído, sua percentagem atingiu o nível que era dos brancos há 20 anos, ou seja, a população negra está 20 anos atrasada com relação aos brancos no tocante a educação brasileira.
[…] A taxa de analfabetismo é um dos indicadores em que a existência de dois Brasis se revela com mais vigor. Entre 2000 e 2010, o número de analfabetos com 15 anos de idade ou mais recuou de 13,63% para 9,6%. Mas as diferenças regionais são gritantes, e nas cidades pequenas, de até 50 mil habitantes, a situação é de calamidade educacional. No Nordeste, a taxa dessas cidades chega a 28%. Em todo o Brasil, existem 1.304 municípios com taxas de analfabetismo iguais ou superiores a 25%. Entre as crianças de 10 anos de idade, a proporção caiu de 11,4% para 6,5% na média brasileira, mas chega a 16,4% no Maranhão e a 13,7% no Piauí.
A chaga da desigualdade revela-se ainda mais impressionante quando se observam as taxas de analfabetismo associadas à cor. Enquanto na população branca existem 5,9% de analfabetos com 15 anos ou mais, entre os negros a proporção é de 14,4%, e entre os pardos, de 13%. Nas cidades pequenas, com até 5.000 habitantes, o analfabetismo entre os negros atinge 27,1%. […][4]
O saneamento básico melhorou, mas continua precário. 32,9% dos domicílios não estão ligados a rede geral de esgoto ou fossa séptica. No Nordeste, a proporção é de 54,8%.[5]
A situação política é truanesca, tendo em vista o enorme número de graves escândalos, marca esta registrada do PT. Foram oito os Ministros de Estado atingidos por denúncias e suspeitas. Cinco caíram: Antonio Palocci (Casa Civil), Alfredo Nascimento (Transportes), Wagner Rossi (Agricultura), Pedro Novais (Turismo) e Orlando Silva (Esporte). Frise-se que o Ministro do Trabalho Carlos Lupi, o Ministro das Cidades Mário Negromonte, e o Ministro da Ciência e Tecnologia Aloizio Mercadante possuem graves acusações de corrupção contra suas pessoas. Como Antonio Palocci, Alfredo Nascimento e Wagner Rossi, também Novais foi autorizado a despedir-se do cargo com pompas e fitas. Oficialmente, nenhum ministro foi demitido. Todos pediram demissão por escrito, em cartas repletas de referências elogiosas à presidente e si próprios. Todos mereceram afagos retóricos da chefe, e não foram, nem serão investigados por qualquer delegado ou julgados por qualquer Tribunal. A pitoresca estória do mensalão e seu triste fim "Agravado" sequer merece comentários.
A composição do legislativo é assustadora: um palhaço analfabeto foi o deputado federal mais votado do Brasil, isso somado aos atores e esportistas, sem contar os políticos de carreira que estão na vida pública há anos e visam somente a realização pessoal através do enriquecimento ilícito. A maioria deles aproveita a intranqüilidade discursiva atual para se auto-promoverem.
O célebre constitucionalista português Jose Joaquim Gomes Canotilho chama esta intranqüilidade da discursiva atual de metodologia “Fuzzy”, significando basicamente que políticos e juristas não sabem do que estão ao falar quando abordam os complexos problemas dos direitos sociais, in literis:
[…] Como todos sabem, fuzzy significa em inglês <>, <>, indeterminadas. Por vezes, o estilo <> aponta para o estilo do indivíduo. Ligeiramente embriagado. Ao nosso ver, paira sobre a dogmática e sobre a teoria jurídica dos direitos econômicos, sociais e culturais a carga metodológica da <>, <> e <> que a teoria da ciência vem apelidando, em termos caricaturais, sob a designação de <> ou <>. Em abono da verdade, este peso retórico é hoje comum a quase todas as ciências sociais. Em toda a sua radicalidade, a censura do <>, lançada aos juristas, significa basicamente que eles não sabem o que estão a falar, quando abordam os complexos problemas dos direitos econômicos, sociais e culturais. […][6]
Como não sabem o que estão a dizer, ocorre a produção de textos com sentidos vagos, nebulosas normativas pictóricas sem aplicabilidade imediata, sobre os quais não se possibilita saber de fato qual o seu espírito, devido a sua instabilidade e imprecisão normativa. São os chamados camaleões normativos expressão utilizada por J.J. Gomes Canotilho citando o conhecido constitucionalista alemão J. Isensee, in Der Staat, 19 (1980), p. 377.
“[…] os juristas acompanham o discurso crítico sobre as ciências sociais, importa reconhecer que, mesmo nos estritos parâmetros jurídico-dogmáticos, os direitos sociais aparecem envoltos em quadros pictórios onde o recorte jurídico cede o lugar a nebulosas normativas. É aqui que surge o <>. […] Com ela o Autor pretendia significar a instabilidade e imprecisão normativa de um sistema jurídico aberto – como o dos direitos sociais – quer a conteúdos normativos imanentes ao sistema (system-immanente), quer a conteúdos normativos transcendentes ao mesmo sistema (system-transcendente). Esta indeterminação normativa explicaria, em grande medida, a confusão entre conteúdo de um direito, juridicamente definido e determinado e sugestão de conteúdo, sujeita a modelações político-jurídicas cambiantes. Por outras palavras: o ‘transformismo normativo’ dará azo à passagem de um discurso jurídico rigoroso, centrado em categorias como direitos subjectivos e deveres jurídicos, para um discurso político-constitucional baseado em programas concretizadores de ‘princípios setores’ e de diretivas políticas […] [7]
Desde a promulgação da Carta maior de 1988, grupos políticos vêm se revezando no poder e dezenas de partidos políticos foram criados e extintos sempre com motivações escusas. Os políticos também trocam de partido constantemente, e conseqüentemente trocam de ideologia, já que um partido diferente significa nova ideologia política. Ocorre que apesar da teórica “troca ideológica”, o sistema de idéias permanece o mesmo no sentido de se de se governar somente com o intuito de beneficiar a classe dominante.
O uso abusivo de medidas provisórias pelo chefe do Executivo acaba ferindo a constituição, um problema na "juridicidade da Constituição", ou seja, o judiciário dita a interpretação e aplicação da normatividade do texto constitucional. O texto constitucional não se concretiza como mecanismo de orientação e reorientação das expectativas normativas e, portanto, não funciona como instituição jurídica de legitimação generalizada do Estado.
O que seria um instrumento a ser utilizado somente nos casos de relevância e urgência, acaba sendo utilizado como meio de se obter os fins objetivados pelo presidente, sem ter que passar pelo demorado trâmite legislativo brasileiro, pois como o legislativo é letárgico, quando o prazo de vigência das medidas provisórias acaba, a mesma sequer fora votada. Ocorre que o excesso de medidas provisórias deixa o legislativo atado, já que fica obrigado (pela relevância das medidas provisórias) a ficar votando as mesmas, em detrimento de ficar produzindo leis.
Não que se precise de novas leis, pois o Brasil possui mais de 181.000 leis, grande parte delas de pouca eficácia, e raramente utilizadas, produzidas na maioria das vezes no calor do clamor público que urge por uma reposta estatal no termos de Durkheim. Sobre o tema o cronista Rudolfo Lago da Revista Isto É escreveu uma crítica datada de 04 de abril de 2007:
Imagine um oficial britânico, herói de guerra. Ele perdeu a perna em combate contra os nazistas na Segunda Guerra Mundial. Agora, aos 80 anos, ele resolve passar o verão no Brasil. Ao desembarcar no aeroporto, porém, é barrado e mandado de volta para casa. Motivo alegado pelas autoridades: o estrangeiro não pode entrar porque é mutilado e tem mais de 60 anos de idade. Por incrível que pareça, tamanho absurdo está previsto na legislação brasileira. O decreto-lei nº 4.247 dá amparo legal a essa medida que poderia, em última instância, causar um grave conflito diplomático. Trata-se de uma norma discriminatória criada em 1921 para regular a entrada de imigrantes e até hoje em vigor. É o exemplo esdrúxulo de um cipoal que confunde juízes, advogados e qualquer cidadão brasileiro: o número excessivo de leis brasileiras. O Brasil tem nada menos que 181 mil normas legais, segundo um levantamento feito pela Casa Civil da Presidência. E ninguém sabe ao certo quantas delas já foram revogadas e quantas ainda estão em vigor.
Muitas normas caducaram e perderam completamente o sentido. Existem leis feitas para um homem só (leia quadro acima), decretos que dão ao ministro das Relações Exteriores a prerrogativa de permitir casamentos de diplomatas de carreira com pessoas estrangeiras e até mecanismos automáticos de indexação salarial, resquício da época da hiperinflação. Legislações antigas colidem com outras mais novas ou às vezes diferem apenas em pequenos detalhes. Leis específicas estabelecem penas maiores ou menores para delitos já especificados no Código Penal. Na prática, se há muitas normas legais aplicáveis no julgamento de um determinado delito, o que prevalece no final depende da competência do advogado ou da decisão do juiz. O excesso de normas legais onera as empresas, obrigadas a contratar caros serviços advocatícios e consultorias jurídicas. E prejudica os cidadãos. O resultado é um estado de freqüente insegurança jurídica. As pessoas se tornam completamente incapazes de resistir a um princípio básico do direito: ninguém pode alegar em sua defesa o desconhecimento da lei. “No Brasil, acontece o oposto. Ninguém pode dizer que conhece completamente as leis”, critica o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP)”[8]
Há a falsa crença de que o único meio para se alcançar o fim desejado é através das mesmas, sendo que grande número de leis serve somente para codificar juridicamente normas sociais reconhecidas. Todavia numa sociedade complexa como a atual, o controle social através de leis não é tão seguro.
A concepção instrumental do Direito Positivo, no sentido de que as leis constituem meios insuperáveis para se alcançar determinados fins desejados pelo legislador, especialmente a mudança social, implica um modelo funcional simplista e ilusório, como têm demonstrado os seus críticos. Por um lado, observa-se que há um grande número de leis que servem apenas para codificar juridicamente “normas sociais” reconhecidas. Por outro, a complexidade do ambiente social dos sistemas jurídico e político é muito acentuada, para que a atuação do Estado através da legislação possa ser apresentada como instrumento seguro de controle social.[9]
A missão do juiz é exercer a função criativa na balizas da norma incriminadora. É infundir em relação a determinadas normas punitivas o sopro do social. É zelar para que a lei ordinária nunca elimine o núcleo essencial dos direitos do cidadão. É assegurar a ampla defesa e efetiva defesa, do contraditório, e a isonomia de oportunidades favorecendo o concreto exercício da função de defesa. É invalidar as provas obtidas com violação da autonomia ética da pessoa. É livrar-se do círculo fechado do dogmatismo conceitual, abrindo seu contato para as ciências humanas e sociais.
Menos criação de Leis, mais ação moral dos aplicadores do Direito e dos espectadores. Fé e luta nos Tribunais e nas ruas para um tupiniquim mais justo e que merece uma vida digna e pulsante verdadeiramente.Triste ilusão que não sai do campo doutrinário. Este é meu Brasil brasileiro.