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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Petrobras, um monopólio desregulado, por João Paulo Resende

 

Petrobras, um monopólio desregulado

Sistemática de precificação da Petrobras segue, hoje, a lógica de um monopolista clássico…

·         JOÃO PAULO RESENDE*

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A Petrobras é um monopólio, todos sabemos. É um monopólio na produção de gasolina, diesel, GLP (gás de cozinha), gás natural, asfalto, dentre outros. Produtos cuja importação, geralmente, é inviável ou ínfima, sem capacidade de exercer pressão nos preços internos.

O monopólio da Petrobras não se deu a partir de um crescimento orgânico da empresa, jargão econômico para designar o aumento da participação de mercado decorrente da oferta de uma melhor relação qualidade/preço para os produtos vendidos ou serviços prestados, abocanhando uma parte cada vez maior da demanda até expelir os concorrentes do mercado. O monopólio da Petrobras foi herdado de uma época em que a empresa era um monopólio estatal por força legal. Ainda continua estatal, pois a União detém pouco mais de 50% das ações, mas os outros acionistas são privados, e as ações da empresa cotadas em bolsas de valores.

O monopólio da Petrobras não é propriamente um monopólio natural, outro jargão econômico para se referir a mercados em que a relação demanda e oferta só comporta um agente produtor, normalmente caracterizado por elevados ganhos de escala e indivisibilidade da demanda. Nesses mercados, se houver duas firmas, as duas irão falir, pois a demanda dividida não lhes permite recuperar o investimento em custos afundados. Ainda assim, em função da localização das refinarias1, da malha de gasodutos, da produção de gás natural do pré-sal2 e do contrato de fornecimento de gás com a Bolívia, é pouco provável que seja possível criar concorrência para o provimento desses bens no Brasil. Certamente não no curto prazo. E não parece ser o interesse de nenhum governo, nem da sociedade, fazê-lo. Assim, a Petrobras pode ser considerada um “de facto” monopólio natural.

Monopólios naturais são, quase sempre, fortemente regulados, pois a ausência de concorrência retira da firma a disciplina para reduzir lucros e continuar prestando um serviço de qualidade ao consumidor. Seus preços são definidos por órgãos estatais na forma de tarifa, tratando-se do tipo de intervenção estatal mais aguda. A regulação busca tarifas que se aproximem dos custos médios de produção e que, ao mesmo tempo, incentivem a busca de eficiência3. Assim o faz, por exemplo, a ANEEL com os ativos de distribuição e transmissão do setor elétrico.

Diversos setores vêm reclamando, recentemente, de aumentos de preços abusivos pelo monopolista Petrobras. As termelétricas de geração a gás estão tendo seus contratos de PPT4 substituídos por preços de importação de GNL5; as empreiteiras de obras públicas estão tendo os preços do asfalto reajustados, que agora acompanham a cotação internacional; também acompanham a cotação internacional (e por isso em dólares) os preços de derivados de petróleo, como GLP, gasolina e diesel. Em relação a esse último, que afeta principalmente o organizado setor de transporte de cargas, a reação já assumiu proporções calamitosas, ameaçando o abastecimento de combustível e alimentos em todo o país.

De fato, a sistemática de precificação da Petrobras segue, hoje, a lógica de um monopolista clássico. A exemplo do que faz a Vale com o preço do minério de ferro, os preços no mercado interno são definidos a partir do custo de oportunidade de se importar o bem provido, incluindo o transporte, o desembaraço aduaneiro, e os tributos incidentes sobre a operação. Como qualquer monopolista privado desregulado, explora a curva de demanda até o ponto em que maximiza seus lucros.

Nem tanto ao céu, nem tanto ao mar

Nos governos anteriores, em que Dilma Rousseff estava à frente do MME, Casa Civil ou Presidência da República, os preços da Petrobras eram “regulados” indiretamente, por meio do Conselho de Administração da empresa. Composto majoritariamente por membros do governo federal, os preços eram definidos abaixo deste custo de oportunidade internacional. Por esse motivo, havia forte reclamação dos acionistas. Se esse “abaixo” era também abaixo do custo médio, prejudicando a capacidade da empresa de se manter financeiramente estável no longo prazo, não está claro, e é possível que tenha havido políticas populistas, principalmente em anos eleitorais.

No entanto, a guinada recente da política da empresa a coloca em um confortável limbo regulatório, em que temos um monopolista privado de bem essencial, quase monopólio natural, porém desregulado, praticando preços monopolistas. A empresa alega que opera em um mercado livre e que nada a impede de assim agir.

É provável que a atual administração entenda que essa seja uma forma de recompensar os lucros “perdidos” pelos acionistas nos anos de controle de preços pela estatal. Ainda que possivelmente justo, seria preciso saber qual teria sido essa perda de fato, não comparando com lucros de um monopólio desregulado, mas de um monopólio com preços compatíveis com seus custos médios e riscos.

Além disso, mesmo admitindo-se haver uma defasagem, essa não é uma política saudável no longo prazo. Ou se transforma definitivamente o setor de derivados de petróleo em um mercado competitivo, introduzindo concorrentes reais em todos os segmentos, ou se regula os preços do monopolista a algo próximo do custo médio, inclusive com mecanismos como a CVA6 do setor elétrico, que permite que oscilações semanais de variáveis de custo não provoquem reajustes de tarifas na mesma frequência. Permitir que um monopolista privado ineficiente, que herdou um monopólio histórico, pratique preços a custo de oportunidade de importação é transferir renda para acionistas privados e, pior, produzir grandes perdas de peso morto7.

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1 As refinarias são estrategicamente localizadas e existem curvas isonômicas de distribuição de modo que o mais provável é que as regiões circundantes a cada refinaria sejam quase monopólios naturais. A construção de outra refinaria para competir com a Petrobras seria pouco realista.

2 Muito gás associado que, necessariamente, precisa ser escoado por razões logísticas e ambientais.

3 Normalmente na forma de um fator X incluído na fórmula paramétrica de reajuste ordinário de preços

4 Programa Prioritário de Termoeletricidade – preços definidos pelo Ministério de Minas e Energia à época do apagão elétrico de 2001, quando, inclusive, Pedro Parente estava à frente da pasta.

5 Gás natural liquefeito, importado via navios.

6 Conta de Compensação de Variação de Valores de Itens da Parcela A.

7 É possível produzir o combustível (e outros derivados) a um custo inferior ao preço que algum agente de mercado esteja disposto a pagar, mas essa transação não ocorre devido à política de preços do monopolista.

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 *   João Paulo Resende – Conselheiro do CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica (desde 2015). Graduado em Administração Pública pela Escola de Governo da Fundação João Pinheiro (2004) e mestre em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais (2007). Doutorando em Economia pelo Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (desde 2014). É membro da carreira de Especialista em Políticas Públicas e Gestão Governamental do Ministério do Planejamento e leciona Economia da Regulação na Escola Nacional de Administração Pública, em Brasília.