Publicado por Vitor Guglinski em JusBrasil
Hoje abandono momentaneamente o viés consumerista para me manifestar como cidadão atento à realidade política que se descortina nos dias atuais.
Nesse contexto, e em razão das repercussões negativas envolvendo as ações do deputado Marco Feliciano à frente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados (CDHM), dentre as discussões sobre religiosos assumirem posições de liderança no governo – e tenho discutido bastante com amigos, colegas e contatos aqui da internet -, ao menos no que se refere ao que já li até o momento, ainda não percebi ninguém levantar a questão elementar, relacionada ao fato de a administração pública obedecer a princípios, dentre os quais está o da impessoalidade.
Deve-se vedar ou permitir que um político que emite publicamente declarações de conteúdo preconceituoso e afrontoso à dignidade humana assuma posições de liderança na estrutura do governo?
Ora, não é questão de se vedar ou permitir que um religioso assuma o poder. A questão, penso, é saber se ele será imparcial e impessoal ao tomar decisões políticas que atendam ao natural pluralismo que caracteriza a sociedade, que é composta de ateus, agnósticos, budistas, islamitas, católicos, maometistas, bramamistas, taoistas, xintoistas, umbandistas etc.
Proponho a análise da questão pelo seguinte prisma:
Existe uma Declaração Universal dos Direitos Humanos, certo? Esse importantíssimo documento foi elaborado, principalmente, em razão da devastação provocada pela Segunda Guerra Mundial, e cujo objetivo é a promoção da paz, da democracia e o fortalecimento dos Direitos Humanos entre todas as nações. O referido estatuto, portanto, propõe o respeito universal a valores relacionados à paz, à segurança das pessoas, às necessidades básicas do ser humano e à religião, inclusive.
Quem elaborou esse documento? Ateus, agnósticos, evangélicos, protestantes, católicos, budistas?
Na verdade, a elaboração do documento básico foi conferida ao canadense John Peters Humphrey. Contudo, a comissão incumbida de debater o conteúdo da DUDH foi composta por membros de inúmeros países.
O que isso significa?
Ora, provavelmente a Declaração Universal dos Direitos Humanos foi discutida por adeptos de alguns, outros ou todos os credos citados linhas acima e também por ateus e agnósticos. Mas o que restou afinal? Ora, um documento objetivo, abrangente, que não quis saber se a pessoa é homossexual ou heterossexual; se é preto, branco, magenta, verde-água ou bege-alabastro; se é pobre, rico, classe média ou materialmente desapegado; se prefere andar de carro, ônibus ou patinete; se gosta de doce ou de salgado… Ou seja, como o próprio título do estatuto diz, uma Declaração Universal.
Esse é um dos pontos nodais, na minha opinião. O que envolve toda essa discussão é o fato de pessoas como o pastor Marco Feliciano (cito-o porque é a “bola da vez”) sinalizarem no sentido da discriminação. É verdade ou não é? Alguém ousa dizer que ele é um sujeito completamente isento, ante todas as declarações que já proferiu até o momento no exercício de seu mandato? Ele declarou! Ele professou sua fé, sendo que sua fé aponta na direção do preconceito. Onde fica o princípio da impessoalidade perante a crença pessoal do pastor, já que é responsável por discutir políticas que envolvem negros, gays, enfim, a pluralidade de indivíduos que compõem a sociedade?
Pois bem, pode ser que alguns pensem que isento e imparcial sejam atributos reclamados de um juiz. Contudo, no atual estágio em que se encontram os estudos no âmbito do Direito Constitucional, em que no campo político cobra-se observância aos valores republicanos, como dito por LÉO ROSA DE ANDRADE (http://atualidadesdodireito.com.br/leorosa/2013/03/18/pastor-papa-ovelhas-estado-laico/), somente num Estado laico, em que o compromisso do político seja com a razão, e não com a religião, é que os Direitos Humanos serão verdadeiramente vividos e observados.
Enquanto isso, permaneço com a lição milenar de Ulpiano que, a meu ver, diz muito mais sobre como devemos proceder em nossas relações do que os dogmas religiosos:
– Viver honestamente (honeste vivere);
– Não ofender ninguém (neminem laedere);
– Dar a cada um o que lhe pertence (suum cuique tribuere).