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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

ISSQN sobre serviços cartorários, notariais e registrais – mais um capítulo

Publicado por Mesquita & Mesquita em JusBrasil

INTRODUÇÃO

A apreciação da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.089 pelo Supremo Tribunal Federal implicou no reconhecimento desta corte da constitucionalidade da incidência do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) sobre serviços cartorários, registrais e notariais.

De outro lado, o Superior Tribunal de Justiça, em recentes decisões de Recursos Especiais, sedimentou que não se aplica a sistemática do Decreto-Lei nº 406/68, art. 9º, § 1º, às serventias. Entendeu, portanto, este Tribunal que se deve adotar o regime da Lei Complementar 116/03. É dizer, a base de cálculo do ISSQN deve ser apurada com a base de cálculo do que efetivamente é auferido pelo prestador do serviço.

Não cabe aqui questionar a jurisprudência – por mais contestáveis que lhe sejam os fundamentos – moldada pelos mencionados tribunais. Objetiva-se, contrariamente, observar o problema jurídico em perspectiva distinta, a qual nada se relaciona com a inconstitucionalidade da tributação ou com a aplicação de método de apuração do ISSQN sobre os serviços cartorários, registrais e notariais.

Busca-se, doutro modo, apontar omissão na Lei Complementar 116/03 que impede a constituição do crédito tributário sobre os serviços dispostos no item 21 e 21.01, fundamento e pedido que não foi ainda apreciado pelo STJ nem pelo STF.

A ausência de previsão legal da Lei Complementar 116/2003 para incidência de ISSQN sobre serviços públicos delegados e remunerados mediante emolumentos.

É cediço que a Constituição Federal adotou sistema rígido de competência tributária, de forma que caberá às entidades federativas instituir e cobrar exações tão-somente mediante lei em sentido estrito, nos termos do art. 150, I da Constituição. Despiciente afigura-se transcorrer sobre o tema.

À tese propugnada no presente artigo apresenta especial relevância o disposto plasmado no art. 146, III, a da Constituição Federal, que assim dispõe:

    Art. 146. Cabe à lei complementar:

    (…)

    III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

    a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

No art. 156, III, da Carta Magna, importa ressaltar que a competência para instituição pela Municipalidade do ISSQN encontra limitação na definição positivada em Lei Complementar Federal:

    Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

    (…)
    III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

Nesta senda, mister faz-se perquirir a Lei Complementar 116/03, para se constatar se os requisitos legais para tributação dos serviços notariais, registrais e cartorários foram plenamente obedecidos.

De início, observe-se o que prescreve o art. 7º do referido diploma legal, verbis:

    Art. 7o A base de cálculo do imposto é o preço do serviço.

A regra geral para base de cálculo do ISSQN, portanto, é o preço do serviço.

O Conceito jurídico de preço, dentro do ordenamento jurídico brasileiro, é o valor monetário livremente pactuado entre partes, em contraprestação de bens ou serviços. A característica de liberdade é, ademais, garantia constitucional ao preço, porquanto qualquer lei que institua preço tabelado contra serviços privados violará frontalmente o art. 170, II da Constituição Federal.

O legislador complementar, todavia, anteviu a existência de serviços que, em decorrência de sua natureza pública, não são remunerados mediante preço.

Positivou, pois, o § 3º do art. 1º da Lei Complementar 116 (cuja redação é repetida na Legislação Municipal , verbis:

    Art. 1o O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador.

    (…)
    § 3o O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.

A exceção prevista foi realizada para cumprir o que determina o art. 146, III, a da Constituição Federal, no que se refere à definição dos fatos geradores e base de cálculo:

Ora, o diploma legal em referência instituiu a tributação de serviços e bens públicos explorados através de autorização, permissão ou concessão, regimes estes independentes e inconfundíveis, bem como, além do preço, positivou a tarifa e o pedágio como base de cálculo, ambos igualmente de natureza jurídica distinta.

Acerca da natureza jurídica do pedágio descabe tecer longas considerações, já que a controvérsia dentro da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal encontra-se dirimida no sentido de ser o pedágio preço público. O STF, pois, expressamente rechaçou a tese de natureza de taxa, diante da facultatividade na utilização de rodovias:

    Trata-se de recurso extraordinário (art. 102, III, a, da Constituição) interposto de acórdão, proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, cuja possui o seguinte teor:“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO TRIBUTÁRIO. AÇÃO DECLARATÓRIA. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. PEDÁGIO. RODOVIA ESTADUAL. DAER-RS. DECRETO ESTADUAL Nº 35.112/94. CONSTITUCIONALIDADE. TARIFA OU TAXA. FACULTATIVIDADE. Tratando-se a do pedágio, de remuneração por serviço público não-essencial, não há que se falar em taxa, mas, sim, em preço público, como regra. A facultatividade do pagamento advém da circunstância de que devido pelo usuário que, voluntariamente, utiliza a rodovia, nada obstante disponha de vias alternativas para eximir-se daquele. Cuida-se de remuneração por serviço prestado ao cidadão e não à sociedade, podendo ser exigida por meio de decreto. APELAÇÃO DEESPROVIDA POR MAIORIA.” (fls. 133) Alega-se violação dos arts. 5º, XV; 145, II, e 150, I, III, b, e V, da Carta Magna, pois o pedágio, no caso, teria natureza jurídica de taxa, em razão da inexistência de vias públicas alternativas. Verifico que concluir diversamente do acórdão recorrido demandaria o prévio exame da legislação local e do quadro fático-probatório, o que é vedado no âmbito de cognição do recurso extraordinário, em razão do disposto nas Súmulas 279 e 280 desta Corte. Do exposto, nego seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 23 de março de 2010. Ministro JOAQUIM BARBOSA Relator

    (STF – RE: 460153 RS, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 23/03/2010, Data de Publicação: DJe-062 DIVULG 08/04/2010 PUBLIC 09/04/2010)

A Tarifa, por outro lado, tem fundamento constitucional no art. 175, parágrafo único, III, e é forma de remuneração de prestação de serviços realizados na modalidade de concessão ou permissão:

    Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

    Parágrafo único. A lei disporá sobre:

    (…)

    III – política tarifária;

A possibilidade de concessão, autorização e permissão, por parte de todas as entidades federativas, está delineada na Constituição Federal:

    Art. 21. Compete à União:

    (…)
    XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:) XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:

    a) os serviços de radiodifusão sonora, e de sons e imagens;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 8, de 15/08/95:)

    b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;

    c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura aeroportuária;

    d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;

    e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros;

    f) os portos marítimos, fluviais e lacustres;

    (…)

    Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.

    (…)
    § 2º – Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação.

    (…)

    Art. 30. Compete aos Municípios:

    (…)

    V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

Observa-se, todavia, que, de acordo com a o art. 236 e § 2º, da Constituição Federal, os serviços notariais, registrais e cartorários não são explorados por autorização, permissão ou concessão, tampouco são remunerados mediante preço, tarifa ou pedágio:

    Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público.(Regulamento)

    (…)
    § 2º – Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro.

Inviável, portanto, confundir o regime jurídico de delegação em face da concessão, permissão ou autorização.

Igualmente, no julgamento da Adin 2415/SP, o Supremo Tribunal Federal já consolidou as diferenças de regime e remuneração aplicáveis às serventias:

    AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTOS N. 747/2000 E 750/2001, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE SÃO PAULO, QUE REORGANIZARAM OS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO, MEDIANTE ACUMULAÇÃO, DESACUMULAÇÃO, EXTINÇÃO E CRIAÇÃO DE UNIDADES. 1. REGIME JURÍDICO DOS SERVIÇOS NOTARIAIS E DE REGISTRO. I – Trata-se de atividades jurídicas que são próprias do Estado, porém exercidas por particulares mediante delegação. Exercidas ou traspassadas, mas não por conduto da concessão ou da permissão, normadas pelo caput do art. 175 da Constituição como instrumentos contratuais de privatização do exercício dessa atividade material (não jurídica) em que se constituem os serviços públicos. II – A delegação que lhes timbra a funcionalidade não se traduz, por nenhuma forma, em cláusulas contratuais. III – A sua delegação somente pode recair sobre pessoa natural, e não sobre uma empresa ou pessoa mercantil, visto que de empresa ou pessoa mercantil é que versa a Magna Carta Federal em tema de concessão ou permissão de serviço público. IV – Para se tornar delegatária do Poder Público, tal pessoa natural há de ganhar habilitação em concurso público de provas e títulos, e não por adjudicação em processo licitatório, regrado, este, pela Constituição como antecedente necessário do contrato de concessão ou de permissão para o desempenho de serviço público. V – Cuida-se ainda de atividades estatais cujo exercício privado jaz sob a exclusiva fiscalização do Poder Judiciário, e não sob órgão ou entidade do Poder Executivo, sabido que por órgão ou entidade do Poder Executivo é que se dá a imediata fiscalização das empresas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos. Por órgãos do Poder Judiciário é que se marca a presença do Estado para conferir certeza e liquidez jurídica às relações inter-partes, com esta conhecida diferença: o modo usual de atuação do Poder Judiciário se dá sob o signo da contenciosidade, enquanto o invariável modo de atuação das serventias extra-forenses não adentra essa delicada esfera da litigiosidade entre sujeitos de direito. VI – Enfim, as atividades notariais e de registro não se inscrevem no âmbito das remuneráveis por tarifa ou preço público, mas no círculo das que se pautam por uma tabela de emolumentos, jungidos estes a normas gerais que se editam por lei necessariamente federal.

    (…)

    (STF – ADI: 2415 SP, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 22/09/2011, Tribunal Pleno, Data de Publicação: ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-028 DIVULG 08-02-2012 PUBLIC 09-02-2012)

O Tribunal de Justiça de Pernambuco parece ser a única Corte nacional que, de fato, enfrentou a questão:

    DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANDADO DE SEGURANÇA. COBRANÇA ISS. MUNICÍPIO DE CAMARAGIBE. SERVIÇOS CARTORÁRIOS. BASE DE CÁLCULO. NATUREZA PESSOAL DO SERVIÇO. TRIBUTAÇÃO FIXA. DECRETO-LEI 406/68. IMPROVIDO O AGRAVO DE INSTRUMENTO.

    (…)

    2. Preliminarmente, consoante admite a própria agravada, quanto à constitucionalidade ou não da cobrança do ISS sobre os serviços notarias e de registro, o Egrégio Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, já decidiu pela sua constitucionalidade, não obstante serem os mesmos prestados por delegação do Poder Público. (ADI nº 3.089, Rel. Min. Carlos Brito, Relator para acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJe e DOU de 21-8-2008).

    (…)

    13. É relevante também mencionar que quando o serviço é prestado por empresas, o imposto tem por base de cálculo o preço do serviço. Todavia, no caso dos notários, o serviço prestado por eles é renumerado mediante emolumentos (art. 1º da Lei nº 10.169/2000), e não através de preço.

    14. A regra matriz constitucional do ISSQN encontra-se no art. 156, III, da Constituição Federal de 1988

    15. Para fins de atender ao comando constitucional, foi editada a Lei Complementar Federal nº 116, de 31/07/2003, que dispõe sobre o imposto sobre serviços de qualquer natureza, de competência dos municípios e do distrito federal, a qual dispõe sobre normas gerais do ISS, e em seu art. 1º e § 3º prevê que: art. 1º O Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, de competência dos Municípios e do Distrito Federal, tem como fato gerador a prestação de serviços constantes da lista anexa, ainda que esses não se constituam como atividade preponderante do prestador. § 3º O imposto de que trata esta Lei Complementar incide ainda sobre os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão, com o pagamento de tarifa, preço ou pedágio pelo usuário final do serviço.

    16. Observa-se, de plano, que ao delimitar o aspecto material da hipótese de incidência do imposto, definida no caput, o § 3º deste artigo preceitua que os serviços prestados mediante a utilização de bens e serviços públicos explorados economicamente mediante autorização, permissão ou concessão podem ser tributados.

    17. Logo, os serviços públicos explorados mediante delegação, como é o caso dos serviços notariais e de registro, não podem sê-lo, pois claramente encontram-se fora do âmbito material da hipótese de incidência.

    18. Desse modo, o serviço notarial e registral, conforme acima exposto, além de ser um serviço público delegado não é remunerado por preço, tarifa ou pedágio e sim por emolumentos (taxa). Logo, implica em dizer que a base de cálculo e o contribuinte não estão dispostos nem na Lei Complementar, nem no Código Tributário do Município, por isso não poderão ter aplicação, nos moldes que está sendo cobrado pelo município uma vez que a hipótese de incidência prescinde de outros elementos expressamente descritos na lei para que o fato gerador se verifique e produza os efeitos jurídicos necessários à criação do tributo.

    19. Ressalto que o preço de um serviço é livremente acordado pelas partes, enquanto o valor dos emolumentos decorre da lei. Neste contexto, se há diferenciação entre o regime jurídico de ambos, não devem ser tratados da mesma forma para fins de tributação do ISS.

    20. O art. 64, § 1º do CTN prevê que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, e para tanto considera como preço do serviço tudo que for devido em conseqüência de sua prestação, a ele se incorporando os valores acrescidos e encargos de qualquer natureza, ainda que de responsabilidade de terceiros.

    21. Dito dispositivo considera a base de cálculo de forma genérica, não podendo ser aplicado à agravada, já que o serviço por esta prestado tem forma sui generis, a exigir do legislador municipal o devido complemento.

    (…)

    (TJ-PE – AI: 21748620108170420 PE 0005137-32.2011.8.17.0000, Relator: Antenor Cardoso Soares Junior, Data de Julgamento: 08/05/2012, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 96)

A única forma, portanto, de enquadrar os serviços notariais, registrais e cartorários como hipótese de incidência do ISSQN, tal como prevê a Lei Complementar, poderá ser feita tão-somente através da analogia entre o preço e o emolumento (taxa) e entre o regime de concessão, permissão ou autorização com o de delegação.

Para efeitos tributários, porém, tal hipótese é vedada, sob pena de ferimento ao art. 108, § 1º do Código Tributário Nacional:

    Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

    I – a analogia;

    II – os princípios gerais de direito tributário;

    III – os princípios gerais de direito público;

    IV – a eqüidade.
    § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

A insuficiência do item 21 e 21.01 para existência da relação jurídico-tributária

Argumento que poderia validar a existência de relação jurídico-tributária para atividades notariais, registrais e cartorários, para serviços delegados e remunerados mediante emolumentos, seria o suscitar a existência, no anexo I, da Lei complementar 116 o item 21 e 21.01 que elencou na lista de serviços os “serviços de registros públicos, cartorários e notariais”, de forma tal que estaria implícita, no próprio diploma legal, a incidência sobre serviços delegados e remunerados através de emolumentos.

A tese não merece acolhida.

É que a lista de serviços tem como função prever quais atividades de fato serão objeto de tributação.

Se, ad argumentandum tantum, eventual emenda constitucional, juntamente com alteração legislativa, modificassem o regime dos serviços registrais, cartorários e notariais para o de permissão, concessão ou autorização e a remuneração fosse realizada por preço público ou tarifa, todos os elementos para constituição da obrigação tributária estariam plenamente concretizados, por força do art. 1º, § 3º da Lei Complementar 116.

Isso porque o regime de exploração de tais serviços não altera em nada a natureza do próprio serviço. O item 21 e 21.01 não poderia jamais implicitamente supor que ditos serviços encontram-se sob o regime exclusivo da delegação e de remuneração por emolumentos, já que isto é opção meramente política da Constituição Federal, a todo tempo sujeito à revogação pelos instrumentos inerentes ao processo cabível ao constituinte derivado.

A legislação tributária não pode trazer elementos implícitos, uma vez que, não tem competência para regulamentar o regime de exploração dos indigitados serviços.

Distinguishing em face da jurisprudência

Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADI 3.089-2/DF

A técnica de Distinguishing constitui-se em método para diferenciar a aplicação de precedentes judiciais em face de demais processos. Através do Distinguishing, busca-se não rediscutir matérias consolidadas em jurisprudência – método distinto e intitulado ‘Overruling’ – mas, contrariamente, almeja-se mostrar a inexistência de identidade entre o caso trazido em juízo e a jurisprudência pacificada.

É de fácil constatação a utilidade da técnica reiteradamente utilizada pelo Poder Judiciário, independentemente da área jurídica envolvida:

    RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. FORNECIMENTO DE ALIMENTO ESPECIAL À CRIANÇA CARENTE. NÃO INTERPOSIÇÃO DE RECURSO ESPECIAL. MANUTENÇÃO DO FUNDAMENTO INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA N. 283 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RECURSO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO.

    (…)

    Compulsando os autos, limitado pelo encerramento da competência deste TJRN e, principalmente, a impossibilidade da análise de mérito, verifico e entendo, sob o método distinguishing, que em verdade, não há identidade da controvérsia destes autos com o leading case RE 566.471-RN. A controvérsia do paradigma supra citada, cinge-se acerca do dever do Estado de fornecer medicamento de alto custo a portador de doença grave que não possui condições financeiras para comprá-lo. O caso sob análise possui controvérsia do dever do Estado de fornecer alimento especial a criança”

    (…)

    (STF – RE: 713241 RN, Relator: Min. CÁRMEN LÚCIA, Data de Julgamento: 08/12/2012, Data de Publicação: DJe-246 DIVULG 14/12/2012 PUBLIC 17/12/2012)

    (Grifamos)

    DIFERENÇAS SALARIAIS. PROMOÇÕES POR MERECIMENTO. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. DESCUMPRIMENTO. NECESSIDADE DA REALIZAÇÃO DAS AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO. PREVISÃO LEGAL DE CONCESSÃO AUTOMÁTICA DAS PROMOÇÕES EM CASO DE OMISSÃO DA EMATER EM PROCEDER ÀS AVALIAÇÕES.

    (…)

    Convém esclarecer que, no caso dos autos, não se aplica o entendimento adotado pela SBDI-1 desta Corte, no julgamento do Processo nº E-RR-51-16/2011, ocorrido em 8/11/2012, de que, no que concerne às promoções por merecimento, em face do seu caráter subjetivo, estão condicionadas aos critérios do regulamento empresarial, sendo essencial para sua aferição a deliberação da diretoria da empresa, porquanto a própria lei que estabeleceu as condições para as promoções assegurou a promoção por merecimento automática, em caso de omissão da reclamada quanto à realização da avaliação. Aplica-se, neste caso, técnica de decisão oriunda do direito norte-americano, denominada distinguishing, por meio da qual se deixa de adotar o entendimento consolidado na jurisprudência, em virtude de haver uma peculiaridade na hipótese sub judice que a distinga do contexto fático que serviu de base à razão de decidir do precedente.

    (…)

    (TST – RR: 34661820115090009 3466-18.2011.5.09.0009, Relator: José Roberto Freire Pimenta, Data de Julgamento: 02/10/2013, 2ª Turma, Data de Publicação: DEJT 11/10/2013)

    (Grifamos)

    ADMINISTRATIVO. MEDIDA CAUTELAR INOMINADA. CONCURSO PÚBLICO. RESERVA DE VAGA. AÇÃO PRINCIPAL. PROCEDÊNCIA.

    1. Restando reconhecida a ausência de razoabilidade do ato administrativo através do qual foi afastada a prorrogação do prazo de validade de concurso público, sobretudo diante das peculiaridades do caso concreto (e fazendo a devida confrontação com os paradigmas jurisprudenciais, através do método denominado distinguishing), deve ser mantida a sentença objurgada, em sintonia com o decidido na demanda principal. 2. Apelação e remessa oficial improvidas.

    (TRF-4 – APELREEX: 7100 RS 0029628-47.2008.404.7100, Relator: FERNANDO QUADROS DA SILVA, Data de Julgamento: 14/03/2012, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: D. E. 27/03/2012)

    (Grifamos)

É com base em tal método que se pretende afastar a aplicabilidade da ADI 3.089-2, julgada pelo Supremo Tribunal Federal à presente tese. A decisão restou ementada nos seguintes termos:

    EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. ITENS 21 E 21.1. DA LISTA ANEXA À LEI COMPLEMENTAR 116/2003. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS DE QUALQUER NATUREZA – ISSQN SOBRE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS, CARTORÁRIOS E NOTARIAIS. CONSTITUCIONALIDADE. Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra os itens 21 e 21.1 da Lista Anexa à Lei Complementar 116/2003, que permitem a tributação dos serviços de registros públicos, cartorários e notariais pelo Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza – ISSQN. Alegada violação dos arts. 145, II, 156, III, e 236, caput, da Constituição, porquanto a matriz constitucional do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza permitiria a incidência do tributo tão-somente sobre a prestação de serviços de índole privada. Ademais, a tributação da prestação dos serviços notariais também ofenderia o art. 150, VI, a e §§ 2º e 3º da Constituição, na medida em que tais serviços públicos são imunes à tributação recíproca pelos entes federados. As pessoas que exercem atividade notarial não são imunes à tributação, porquanto a circunstância de desenvolverem os respectivos serviços com intuito lucrativo invoca a exceção prevista no art. 150, § 3º da Constituição. O recebimento de remuneração pela prestação dos serviços confirma, ainda, capacidade contributiva. A imunidade recíproca é uma garantia ou prerrogativa imediata de entidades políticas federativas, e não de particulares que executem, com inequívoco intuito lucrativo, serviços públicos mediante concessão ou delegação, devidamente remunerados. Não há diferenciação que justifique a tributação dos serviços públicos concedidos e a não-tributação das atividades delegadas. Ação Direta de Inconstitucionalidade conhecida, mas julgada improcedente.
    (ADI 3089, Relator (a): Min. CARLOS BRITTO, Relator (a) p/ Acórdão: Min. JOAQUIM BARBOSA, Tribunal Pleno, julgado em 13/02/2008, DJe-142 DIVULG 31-07-2008 PUBLIC 01-08-2008 EMENT VOL-02326-02 PP-00265 RTJ VOL-00209-01 PP-00069 LEXSTF v. 30, n. 357, 2008, p. 25-58)

A matéria versada na ADI 3.089-2 limita-se, portanto, à constitucionalidade do item 21 e 21.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar Federal nº 116, rechaçando-se os fundamentos de (i) natureza pública de tal serviço; (ii) de aplicação da imunidade recíproca do art. 150, inciso VI, a da Constituição federal; (iii) bem como de violação ao arts. 145, II; 150, §§ 2º e 3º, todos da Constituição Federal.

É de fácil constatação que o Supremo Tribunal Federal não apreciou se a atual redação da Lei Complementar 116/03 é suficiente para possibilitar a exação sobre serviços registrais, cartorários e notariais – e tampouco poderia fazê-lo dado que a apreciação se limitava à matéria constitucional–. Isto porque a Constituição Federal trata apenas de Competência Tributária e não de sua instituição.

Os efeitos da ADI em referência se restringem, pois, tão-somente a reconhecer a constitucionalidade de possível e eventual alteração legal para incluir no art. 1, § 3º da Lei Complementar 116/2003 os serviços públicos de delegação pagos mediante emolumentos. É dizer, não apresenta o julgado o condão de verificar se a redação de tal diploma legal está ou não apta a amparar a tributação sobre serviços públicos delegados e remunerados mediante emolumentos (taxas).

Este é o entendimento do Ministro do Superior Tribunal de Justiça Napoleão Nunes Maia Filho em voto proferido no Recurso Especial nº 1.328.384/RS:

    (…)

    2. A questão referente à possibilidade de cobrança do ISS sobre serviços notariais e de registro público foi definida pelo STF em sentido positivo, por força do julgamento da ADI 30.89-2/DF; assim, sob esse aspecto, nada há o que discutir. Esse julgamento supremo, todavia, ao meu sentir, não cuidou da definição da base de cálculo do referido tributo, até porque esse não era o foco do questionamento posto à apreciação da Corte Suprema.

    3. A menção ao tema em dois lúcidos votos proferidos pelos ilustres Ministros JOAQUIM BARBOSA e MARCO AURÉLIO, não pode ser considerada como expressão do entendimento de toda a Corte Suprema, porque o teor dos demais votos e o resumo do julgamento não deixam transparecer essa conclusão, uma vez que a questão central em discussão era a incidência (ou não) do ISS sobre atividades de notariais, cartorárias e de registros públicos, isto é, a constitucionalidade da inclusão dos serviços notarias e de registros públicos na lista anexa à LC 116/03; esse foi o ponto.

    4. Essa observação consta de decisão proferida pelo ilustre Ministro GILMAR MENDES na RCL 12.610/PB, na qual S. Exa. Afirmou que a discussão quanto à forma de cobrança do ISSQN não foi objeto de discussão nas decisões-paradigmas indicadas pelo autor da reclamação. O objeto da ADI 3.089, Red. P/ acórdão Min. Joaquim Barbosa, é a constitucionalidade dos itens 21 e 21.01 da lista anexa à LC 116/2003; e na ADI 1.800, Rel. P/ acórdão Min. Ricardo Lewandowski, esta Corte apreciou apenas a constitucionalidade da Lei 9.534/1977, que prevê a gratuidade do registro civil de nascimento e do assento de óbito (DJe 16.11.2011).

    (…)

Dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça

Em precedentes do Superior Tribunal de Justiça, observa-se que a matéria ora suscitada – qual seja, a de que a Lei Complementar 116/03 não dispôs sobre a tributação de serviços delegados e remunerados mediante emolumentos – nunca foi apreciada.

Da análise da jurisprudência do STJ, tal constatação afigura-se clara:

    AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRIBUTÁRIO. ISS. A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE REGISTROS PÚBLICOS (CARTORÁRIO E NOTARIAL) NÃO SE ENQUADRA NO REGIME ESPECIAL PREVISTO NO ART. 9o., § 1o. DO DECRETO-LEI 406/68, POIS, ALÉM DA FINALIDADE LUCRATIVA, NÃO HÁ A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO SOB A FORMA DE TRABALHO PESSOAL DO PRÓPRIO CONTRIBUINTE, UMA VEZ PERMITIDA A FORMAÇÃO DE ESTRUTURA ECONOMICAMENTE ORGANIZADA PARA SEU FUNCIONAMENTO, APROXIMANDO-SE DO CONCEITO DE EMPRESA, À VISTA DO ART. 236 DA CF E DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL APLICÁVEL. RESP. 1.328.384/RS, REL. MIN. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJE 29.05.2013, REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA.

    RESSALVA DO PONTO DE VISTA DO RELATOR. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

    1. Quanto ao serviço cartorário e notarial, não se justifica a definição da base de cálculo do ISS a partir da receita bruta auferida com a cobrança dos emolumentos, porque o serviço prestado pelo Titular do Cartório, dado o seu traço personalístico, muito mais se aproxima daqueles exercidos por profissionais liberais autônomos, do que daqueles exercidos pelos empresários privados, ajustando-se ao § 1o. do art. 9o. Do DEL 406/68, recepcionado pela Constituição Federal (RE 262.598/PR, Rel. Min. CARMEN LÚCIA, DJe 27.09.2007), e não revogado pela LC 116/03.

    2. Ofende, ainda, o princípio da isonomia tributária, pretender tributar os Notários e Registradores, cuja natureza do trabalho desenvolvido é indiscutivelmente pessoal, da forma como são tributadas as sociedades que desenvolvem típica atividade empresarial; é um grande equívoco assimilar atividades públicas (prestadas diretamente pelo Estado ou sob regime de delegação) àquelas exercidas em regime de mercado (atividades empresariais), porque estas se guiam por propósitos, dinâmicas e objetivos que não se conciliam com os que regem aquel’outras.

    3. Todavia, a compreensão acima deduzida não foi adotada pela maioria dos integrantes da 1a. Seção desta Corte, que concluiu por reafirmar o entendimento jurisprudencial segundo o qual a prestação de serviços de registros públicos (cartorário e notarial) não se enquadra no regime especial previsto no art. 9o., § 1o. do Decreto-Lei 406/68, pois, além de manifesta a finalidade lucrativa, não há a prestação de serviço sob a forma de trabalho pessoal do próprio contribuinte, especialmente porque o art. 236 da CF/88 e a legislação que o regulamenta permitem a formação de uma estrutura economicamente organizada para a prestação do serviço de registro público, assemelhando-se ao próprio conceito de empresa: REsp.

    1.328.384/RS, Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES, DJe 29.05.2013, representativo da controvérsia.

    4. Agravo Regimental desprovido.

    (AgRg no AREsp 305.039/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/2013, DJe 11/11/2013)

    TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ISS. SERVIÇOS NOTARIAIS. INCIDÊNCIA. ALÍQUOTAS FIXAS. IMPOSSIBILIDADE. NATUREZA PESSOAL DAS ATIVIDADES. JURISPRUDÊNCIA PACÍFICA NO ÂMBITO DO STJ. DIVERGÊNCIA NÃO CARACTERIZADA. SÚMULA 83/STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO.

    1. As Turmas que integram a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmaram compreensão no sentido de que os serviços notariais não ostentam natureza pessoal, aspecto este que interdita a cobrança do ISS sob a forma de alíquotas fixas.

    2. Não há falar em divergência jurisprudencial quando o entendimento manifestado pelo acórdão recorrido coincide com o posicionamento do deste Tribunal de Justiça sobre o tema (Súmula 83/STJ).

    3. Agravo regimental não provido.

    (AgRg no AREsp 116.169/RS, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 04/09/2012, DJe 11/09/2012)

Ora, nos precedentes colacionados, decidiu-se pela possibilidade de aplicação do regime de apuração inserto no art. 9§ 1º do Decreto-lei 406/68 aos serviços notariais, registrais e cartorários. A questão já está sedimentada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e descabe discuti-las.

Em nenhum momento está-se a defender a aplicabilidade do regime de alíquota fixa para os serviços notariais, registrais e cartorários. Contrariamente, alberga a presente tese a inexistência de previsão suficiente na Lei Complementar 116/03 à tributação de tais serviços públicos sob o regime de delegação e remuneração através de emolumentos.

A presente matéria, reitere-se, nunca foi apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça, tampouco pelo Supremo Tribunal Federal dada a falta de competência desta última Corte.

CONCLUSÃO

Com o exposto, conclui-se que é ilegal a constituição do ISSQN sobre serviços notariais, cartorários e registrais, por ausência de previsão legal na Lei Complementar 116/03.

O requerimento judicial para coibir a Fazenda Municipal de exacionar tais serviços envolve pedido completamente distinto daqueles já pacificados pelo STF e STJ, já que não se trata de defender a inconstitucionalidade do item 21 e 21.01 da Lei Complementar 116/03, nem de requerer a aplicação de regime de alíquota fixa às serventias, mas sim apontar a omissão legal que impossibilita a incidência do tributo.

Autores: Luiz Mesquita Neto e Henrique de Azevedo Mesquita – Mesquita & Mesquita – Advocacia Empresarial Tributária e Aduaneira

Fonte: aempresaeodireito. Blogspot. Com. Br