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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Diário de Classe

Publicado por André Karam Trindade em Consultor Jurídico

Há mais de dez anos, diversas autoridades locais denunciam o colapso do sistema penitenciário e alertam sobre a perda do controle da situação no Complexo Penitenciário de Pedrinhas, no Maranhão. Nas últimas semanas, após uma série de atos de barbárie ganhar repercussão internacional, a crise se tornou uma verdadeira pedra no meio do caminho do governo maranhense e, de um modo geral, do Estado brasileiro.

Isto porque, com o registro de inúmeras rebeliões e da morte de 60 apenados apenas no último ano — muitas delas por decapitação, com os vídeos circulando pela internet —, o Conselho Nacional de Justiça promoveu uma inspeção nos estabelecimentos prisionais do Maranhão.

O relatório apresentado, em dezembro, pelo juiz auxiliar da Presidência do CNJ, Douglas de Melo Martins, conclui que “o Estado tem se mostrado incapaz de apurar, com o rigor necessário, todos os desvios por abuso de autoridade, tortura e outras formas de violência e corrupção praticadas por agentes públicos”.

Em nota, o governo reagiu contra o relatório do CNJ, alegando que o documento contém “inverdades” e pretendeu apenas agravar ainda mais a situação. Afirmou também que as medidas necessárias para solucionar os problemas verificados no sistema prisional estão sendo tomadas e os investimentos na área já ultrapassaram os R$ 130 milhões.

Antes disso, em outubro de 2013, a Sociedade Maranhense de Direitos Humanos e a Ordem dos Advogados do Brasil recorreram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), órgão da Organização dos Estados Americanos (OEA), que, em dezembro, solicitou ao governo brasileiro, cautelarmente, a adoção de medidas para evitar mortes, a redução da superlotação, a investigação dos fatos relatados e a prestação de informações no prazo de 15 dias sobre as providências tomadas.

Na última semana, a Justiça maranhense determinou que o Estado construa novos presídios, no prazo de 60 dias, especialmente no interior, e reforme completamente o Complexo Penitenciário de Pedrinhas, sob pena de multa diária fixada em R$ 50 mil. Tal decisão poderá ser objeto de recurso.

Na semana passada, ao conceder entrevista aos veículos de comunicação, a governadora — que é graduada em sociologia pela UnB — desvendou o mistério da violência no Maranhão: “É um estado que está se desenvolvendo, que está crescendo. E um dos problemas que está piorando a segurança do nosso estado é que nosso estado está mais rico, mais populoso também”.

Se antes era trágico, agora também é cômico. Tal declaração me lembrou do pronunciamento do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, há um ano, quando classificou as prisões brasileiras como medievais: “Se fosse para cumprir muitos anos em uma prisão, em algumas prisões nossas, eu preferia morrer”.

A pergunta que nenhum jornalista formulou, na ocasião, foi a seguinte: “O senhor se elegeu deputado federal em 2002 e se reelegeu em 2006. Desde 2010, ocupa a o cargo de ministro da Justiça. Explique, por favor, o que o senhor e seu ministério fizeram durante todos estes anos para mudar esta realidade?”

Nos últimos dias, ele esteve reunido com Roseana Sarney e a cúpula do governo do Maranhão para tratar diretamente das medidas a serem tomadas para resolver o problema e, assim, evitar um pedido de intervenção no estado, que dispõe de uma estrutura com 2.219 vagas, ocupadas por 5.417 presos.

Noticia-se que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, está com o pedido de intervenção federal pronto para protocolar no Supremo Tribunal Federal. Penso, particularmente, que esta é a resposta constitucionalmente adequada. Ocorre que já vi este mesmo filme outras vezes…

A primeira delas, em 2008, quando o PGR pediu ao STF a intervenção federal no estado de Rondônia em face da situação de calamidade em que se encontrava o presídio Urso Branco, em Porto Velho. Não deu em nada. O processo (IF 5.129) tramita há mais de cinco anos no tribunal.

Depois disso, em 2009, no Rio Grande do Sul, quando trabalhei longamente com Lenio Streck, que oficiou ao PGR no sentido de que representasse pela intervenção federal — nos termos do artigo 34, inciso VII, da Constituição —, em razão da inoperância das autoridades locais diante da crise no sistema penitenciário gaúcho, cujo déficit de vagas superava o número de 10 mil. Desta vez, nenhuma providência foi tomada pela PGR, exceto um pedido de esclarecimento dirigido à governadora Yeda Crusius.

Voltando ao caso do Maranhão, que certamente não é exclusivo do Maranhão — poderíamos dizer que o Maranhão é do tamanho do Brasil —, parece inacreditável como a barbárie ainda impere no interior daquilo que chamamos Estado Democrático de Direito.

Tudo indica que, de há muito, instalou-se na administração dos sistemas penitenciários, de um modo geral, um autêntico "estado de exceção", no sentido retrabalhado por Agamben. A situação pode ser resumida do seguinte modo: desde 1984 — e, portanto, desde antes da Constituição —, há uma Lei de Execução Penal segundo a qual o preso tem direito à alimentação, vestuário, saúde e educação, entre outros igualmente imprescindíveis à dignidade humana. Ocorre que, no mundo da vida, há um sistema caótico e perverso, em que o preso é tratado como homo sacer, pronto para o abate.

Agora as autoridades descobriram que a crise penitenciária resultante da superlotação dos presídios tem saída, mas depende da construção de novas unidades, da ampliação das vagas, da contratação de servidores, da capacitação de agentes, etc. Para isto, entretanto, é preciso planejamento e, sobretudo, investimentos. O problema é que, antes disso ocorrer, lamentavelmente, nos esqueceremos da crise das “cadeias do Maranhão”, assim como fizemos com tantos outras. E alguém dirá: eram apenas umas pedrinhas no meio do nosso caminho.