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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O Supremo Tribunal Federal mais uma vez repete o erro sobre a Lei Maria da Penha

Publicado por Rômulo de Andrade Moreira em Jusnavigandi

“Saímos da ditadura do masculino para a ditadura de um feminino estereotipado. Um feminino que nega tudo o que é feminino.”[1]

I – INTRODUÇÃO

O Supremo Tribunal Federal suspendeu ato que extinguiu a punibilidade de G.E., acusado da suposta prática de lesões corporais leves em sua companheira. A decisão de deferir medida liminar na Reclamação nº. 17025 é da Ministra Cármen Lúcia, que também determinou que o juízo da Vara Criminal da Comarca de São Sebastião (SP) dê andamento à ação penal relativa ao caso. A Reclamação foi ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo contra decisão do juízo de primeira instância da Justiça paulista, alegando que aquele juízo teria declarado extinta a punibilidade de G.E. com base no artigo 107, inciso V, do Código Penal, em razão de a vítima ter “renunciado” à representação (nada obstante a redação da Lei Maria da Penha, não se pode renunciar a um direito já exercido – o correto, portanto, é falar-se em retratação) realizada contra o companheiro, nos termos do artigo 16 da Lei 11.340/2006. Consta dos autos que a retratação da vítima (agora sim) teria ocorrido durante audiência em ação penal designada pela Vara Criminal (como, aliás, determina a lei). Conforme o Ministério Público paulista, a extinção da punibilidade ocorreu em contrariedade ao julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4424 e Ação Declaratória de Constitucionalidade 19. Na ocasião, conta o autor da reclamação, o Supremo assentou que as ações penais referentes a violência doméstica são públicas incondicionadas, entendimento que, conforme o Ministério Público, não foi observado pelo juízo da Vara Criminal. Assim, afirma que estão presentes os requisitos – fumaça do bom direito e perigo na demora – para a concessão da liminar, tendo em vista que, do contrário, haveria a prescrição da pretensão penal. No mérito, pede a procedência do pedido, determinando a cassação da decisão questionada. A relatora da Reclamação, Ministra Cármen Lúcia, lembrou que no dia 9 de fevereiro de 2012 o Supremo, por unanimidade dos votos, julgou procedente a ADC 19 para declarar a constitucionalidade dos artigos 1º, 33 e 41 da Lei 11.340/2006 e, por maioria, julgou procedente a ADI 4424. A Ministra ressaltou que a Corte deu interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, inciso I, e 16 da Lei 11.340/2006 a fim de assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão, independentemente da sua extensão, praticado contra a mulher em ambiente doméstico, entendeu a relatora.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal julgou procedente, na sessão do dia 09 de fevereiro do ano de 2013, por maioria, a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4424 ajuizada pela Procuradoria-Geral da República quanto aos artigos 12, inciso I; 16; e 41 da Lei Maria da Penha. Na mesma sessão, agora por unanimidade, os Ministros acompanharam o voto do relator da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 19, Ministro Marco Aurélio (Tu quoque, Brute, fili mi? Ou não seria melhor, até tu, elingenioso hidalgo Don Quixote de La Mancha?), e concluíram pela procedência do pedido a fim de declarar constitucionais os artigos 1º, 33 e 41, da Lei Maria da Penha.[2] Ademais, a decisão do Supremo Tribunal Federal na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4424 produziu efeitos antes mesmo da publicação do acórdão.

Com base nesse entendimento, o Ministro Luís Roberto Barroso deferiu liminar na Reclamação nº. 16031 para manter o curso de ação penal contra um acusado de agredir a ex-companheira em ambiente doméstico. Ao analisar a liminar na Reclamação, o Ministro Luís Roberto Barroso considerou presente a plausibilidade jurídica da tese defendida pelo Ministério Público “de que proferida decisão em ADI, seu efeito vinculante produz-se antes da publicação, o que conduz à conclusão, em exame preambular, de que a decisão atacada afronta a autoridade decisória da Corte” (…) “O perigo na demora decorre da possibilidade de o decurso do tempo prejudicar a persecução criminal, atingindo-a com a prescrição”. 

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Nada obstante o argumento de autoridade que representa um julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, ainda mais em sede de controle concentrado de constitucionalidade (nos casos da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4424 e da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº. 19), o certo é que ousamos discordar, mais uma vez e afirmar, em alguns pontos, a inconstitucionalidade da Lei nº. 11.340/2012.

Como se sabe, “configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.”[3] A violência pode ser praticada:a) “no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas”; b) “no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa”[4] ou c) “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.”[5]

Ademais, compreende: a) “a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal”; b) “a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da auto-estima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação”; c) “a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos”; d) “a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades” e e) “a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”

É importante ressaltar que a lei não contém nenhum novo tipo penal, apenas dá um tratamento penal e processual distinto para as infrações penais já elencadas em nossa (vasta e exagerada) legislação. De toda maneira, entendemos extremamente perigosa a utilização, em um texto legal de natureza penal e processual penal (e gravoso para o indivíduo), de termos tais como “diminuição da auto-estima”, “esporadicamente agregadas”, “indivíduos que são ou se consideram aparentados”, “em qualquer relação íntima de afeto”, etc., etc.

Observa-se, porém, que uma agressão de ex-namorado contra antiga parceira não configura violência doméstica. Com esse entendimento, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, declarou competente o juízo de direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete, em Minas Gerais, para julgar e processar ação contra agressor da ex-namorada. No caso, o homem encontrou a ex-namorada na companhia do atual parceiro e praticou a agressão. Ele jogou um copo de cerveja no rosto dela, deu-lhe um tapa e a ameaçou. O Ministério Público entendeu ser caso de violência doméstica e, por isso, considerou que deveria ser julgado pela Justiça comum. Acatando esse parecer, o juízo de Direito do Juizado Especial Criminal de Conselheiro Lafaiete encaminhou os autos para a 1ª Vara Criminal da cidade. Porém, a Vara Criminal levantou o conflito de competência por entender que não se tratava de violência doméstica e, por essa razão, a questão deveria ser julgada pelo Juizado Especial. Em sua decisão, o relator, ministro Nilson Naves, destacou que a Lei Maria da Penha não abrange as conseqüências de um namoro acabado. Por isso, a competência é do Juizado Especial Criminal. Acompanharam o relator os ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Jorge Mussi e Og Fernandes. O ministro Napoleão Nunes Maia Filho divergiu do relator e foi acompanhado pela desembargadora convocada Jane Silva. Segundo ela, o namoro configura, para os efeitos da Lei Maria da Penha, relação doméstica ou familiar, já que trata de uma relação de afeto.” (Processos: CC 91980 e CC 94447).

Segundo o seu art. 6º., a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos; logo, é possível que a apuração do crime daí decorrente seja da atribuição da Polícia Federal, na forma do art. 1º., caput e inciso III, da Lei nº. 10.446/02; ainda em tese, também é possível que a competência para o processo e julgamento seja da Justiça Comum Federal, ex vi do art. 109, V-A, c/c o § 5º., da Constituição Federal, desde que se inicie, via Procurador-Geral da República, e seja julgado procedente o Incidente de Deslocamento de Competência junto ao Superior Tribunal de Justiça). Esta conclusão decorre das normas referidas, bem como em razão do Brasil ser subscritor da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de violência contra a mulher[6] e da Convenção interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher[7].

Não pretendemos ferir suscetibilidades ou idiossincrasias, apenas manifestar o nosso entendimento sobre uma norma jurídica que entendemos ferir a Constituição Federal. Como diz Paulo Freire, “só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo.”[8]

Estamos de acordo com a tutela penal diferençada para hipossuficientes (inclusive pelo desvalor da ação[9]), mas sem máculas à Constituição Federal e aos princípios dela decorrentes e inafastáveis. Neste ponto, concordamos com Naele Ochoa Piazzeta, quando afirma que “corretas, certas e justas modificações nos diplomas legais devem ser buscadas no sentido de se ver o verdadeiro princípio da igualdade entre os gêneros, marco de uma sociedade que persevera na luta pela isonomia entre os seres humanos, plenamente alcançado.”[10]

Como afirma Willis Santiago Guerra Filho, “princípios como o da isonomia e proporcionalidade são engrenagens essenciais do mecanismo político-constitucional de acomodação dos diversos interesses em jogo, em dada sociedade, sendo, portanto, indispensáveis para garantir a preservação de direitos fundamentais, donde podermos incluí-los na categoria, equiparável, das ´garantias fundamentais’.”[11]

II – A RETRATAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO

Inicialmente analisaremos o art. 16 da referida lei que tem a seguinte redação:

“Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.”

Desde logo, atentemos para a impropriedade técnica do termo “renúncia”, pois se o direito de representação já foi exercido (tanto que foi oferecida a denúncia), obviamente não há falar-se em renúncia; certamente o legislador quis referir-se à retratação da representação, o que é perfeitamente possível, mesmo após o oferecimento daquela condição específica de procedibilidade da ação penal.

Sabe-se, no entanto, que o art. 25 do Código de Processo Penal só permite a retratação da representação até o oferecimento da denúncia; no caso desta lei, porém, a solução do legislador foi outra, permitindo-se a retratação mesmo após o oferecimento da peça acusatória. O limite agora (e quando se tratar de crime relacionado à violência doméstica e familiar contra a mulher) é a decisão do Juiz recebendo a denúncia.

Portanto, diferentemente da regra estabelecida pelo art. 25 do Código de Processo Penal, a retratação da representação pode ser manifestada após o oferecimento da denúncia, desde que antes da decisão acerca de sua admissibilidade. Neste ponto, mais duas observações: em primeiro lugar a lei foi mais branda com os autores de crimes praticados naquelas circunstâncias, o que demonstra de certa forma uma incoerência do legislador. Ora, se se queria reprimir com mais ênfase este tipo de violência, por que “elastecer” o prazo para a retratação da representação? Evidentemente que é mais benéfica para o autor do crime a possibilidade de retratação em tempo maior que aquele previsto pelo art. 25, CPP.

Tratando-se de norma processual penal material, e sendo mais benéfica, deve retroagir para atingir processos relativos aos crimes praticados anteriormente à vigência da lei (data da ação ou omissão – arts. 2º. e 4º. do Código Penal).[12]

Uma segunda observação é a exigência legal que esta retratação somente possa ser feita “perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, (…) ouvido o Ministério Público.” Aqui, a intenção do legislador foi revestir a retratação de toda a formalidade própria de uma audiência realizada no Juízo Criminal, presentes o Juiz de Direito e o Ministério Público. Neste aspecto, sendo mais gravosa a norma processual penal material, sua aplicação deve se restringir aos fatos ocorridos posteriormente, ou seja, para os crimes praticados após a vigência da lei.

De toda maneira, ressaltamos que se esta retratação deve ser necessariamente formal (e formalizada), o mesmo não ocorre com a representação que, como sabemos, dispensa maiores formalidades (sendo este um entendimento já bastante tranquilo dos nossos tribunais e mesmo da Suprema Corte). O prazo para o oferecimento da representação (bem como o dies a quo) continua sendo o mesmo (art. 38, CPP). Ademais, é perfeitamente válida a representação feita perante a autoridade policial, pois assim permite o art. 39 do CPP.

Como se sabe, a representação é uma condição processual relativa a determinados delitos, sem a qual a respectiva ação penal, nada obstante ser pública, não pode ser iniciada pelo órgão ministerial; é uma manifestação de vontade externada pelo ofendido (ou por quem legalmente o represente) no sentido de que se proceda à persecutio criminis. De regra, esta representação “consiste em declaração escrita ou oral, dirigida à autoridade policial, ou ao órgão do Ministério Público, ou ao Juiz”, como afirmava Borges da Rosa.[13] Porém, a doutrina e a jurisprudência pátrias trataram de amenizar este rigor outrora exigido, a fim de que pudessem ser dados ao instituto da representação traços mais informais e, consequentemente, mais justos e consentâneos com a realidade.

Assim é que hodiernamente “a representação, quanto à formalidade, é figura processual que se reveste da maior simplicidade. Inocorre, em relação à mesma qualquer rigor formal” e esta “dispensa do requisito das formalidades advém da circunstância de que a representação é instituída no interesse da vítima e não do acusado, daí a forma mais livre possível na sua elaboração.”[14]

Neste sentido a jurisprudência é pacífica:

“SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – HABEAS CORPUS Nº. 20.401 – RJ (2002/0004648-6) (DJU 05.08.02, SEÇÃO 1, P. 414, J. 17.06.02). RELATOR: MINISTRO FERNANDO GONÇALVES. Resta prejudicado o habeas corpus, por falta de objeto, quando o motivo do constrangimento não mais existe. 2 – Nos crimes de ação pública, condicionada à representação, esta independe de forma sacramental, bastando que fique demonstrada, como na espécie, a inequívoca intenção da vítima e/ou seu representante legal, nesta extensão, em processar o ofensor. Decadência afastada. 3 – Ordem conhecida em parte e, nesta extensão, denegada.”

Aliás, este é o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal (neste sentido conferir RT 731/522; JSTF 233/390; RT 680/429, etc.). No julgamento do Habeas Corpus nº. 88843, por unanimidade, os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, apesar de concederem a ordem de ofício (para afastar qualquer impedimento contra a progressão do regime prisional em favor de um condenado por atentado violento ao pudor com violência presumida), negaram, no entanto, o pedido formulado pela defesa por entender “que, de acordo com diversos precedentes da Corte, o entendimento firmado no STF é de que não se deve exigir a observância rígida das regras quanto à representação, principalmente quando se trata de crimes dessa natureza”, segundo o relator, Ministro Marco Aurélio. Para a Defensoria Pública paulista, que impetrou a ação no Supremo em favor do condenado, a decisão do Superior Tribunal de Justiça, que negou pedido idêntico feito àquela corte, estaria equivocada, uma vez que seria necessário haver uma representação formal contra o réu, para que ele fosse processado. E que a representação que houve, no caso, foi feita pela vítima, uma menor de idade. O depoimento da vítima, menor de idade, manifestando a intenção de perseguir o acusado em juízo, foi usado para suprir a representação, disse o defensor público. Como a vítima é menor de idade, tal depoimento não é valido, não supre a representação, afirmou ainda a defensoria, para quem “aceitar essa tese é burlar o devido processo legal”. Fonte: STF.

Pergunta-se: deve o representante do Ministério Público, antes de oferecer a denúncia, pugnar ao Juiz pela realização daquela audiência? Entendemos que não, pois a audiência prevista neste artigo deve ser realizada apenas se a vítima (ou seu representante legal ou sucessores ou mesmo o curador especial – art. 33 do Código de Processo Penal) manifestar algum interesse em se retratar da representação. Não vemos necessidade de, a priori, o órgão do Ministério Público requerer a designação da audiência. Ora, se a vítima representou (seja formal ou informalmente), satisfeita está a condição específica de procedibilidade para a ação penal. O requerimento para a realização desta audiência (ou a sua designação exofficiopelo Juiz de Direito) fica “até parecendo” que se deseja a retratação a todo custo.

Observa-se, outrossim, que a retratação deve ser um ato espontâneo da vítima (ou de quem legitimado legalmente), não sendo necessário que ela seja levada a se retratar por força da realização de uma audiência judicial.

Exatamente neste sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que “a vítima de violência doméstica não pode ser constrangida a ratificar perante o juízo, na presença de seu agressor, a representação para que tenha seguimento a ação penal. Com esse entendimento, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça concedeu mandado de segurança ao Ministério Público do Mato Grosso do Sul para que a audiência prevista no artigo 16 da Lei Maria da Penha só ocorra quando a vítima manifeste, antecipada, espontânea e livremente, o interesse de se retratar. A decisão é unânime. A Lei 11.340/06, conhecida por Maria da Penha, criou mecanismos de proteção contra a violência doméstica e familiar sofrida pelas mulheres. Entre as medidas, está a previsão de que a ação penal por lesão corporal leve é pública – isto é, deve ser tocada pelo MP –, mas condicionada à representação da vítima. O STJ já pacificou o entendimento de que essa representação não exige qualquer formalidade, bastando a manifestação perante autoridade policial para configurá-la. Para o Tribunal de Justiça sul-matogrossense, a designação dessa audiência seria ato judicial de mero impulso processual, não configurando ilegalidade ou arbitrariedade caso realizada espontaneamente pelo juiz.  Mas o desembargador convocado Adilson Macabu divergiu do tribunal local. Para o relator, a audiência prevista no dispositivo não deve ser realizada de ofício, como condição da abertura da ação penal, sob pena de constrangimento ilegal à mulher vítima de violência doméstica e familiar. Isso “configuraria ato de ‘ratificação’ da representação, inadmissível na espécie”, asseverou. “Como se observa da simples leitura do dispositivo legal, a audiência a que refere o artigo somente se realizará caso a ofendida expresse previamente sua vontade de se retratar da representação ofertada em desfavor do agressor”, acrescentou o relator. “Assim, não há falar em obrigatoriedade da realização de tal audiência, por iniciativa do juízo, sob o argumento de tornar certa a manifestação de vontade da vítima, inclusive no sentido de ‘não se retratar’ da representação já realizada”, completou. Em seu voto, o desembargador indicou precedentes tanto da Quinta quanto da Sexta Turma nesse mesmo sentido.” (Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do Superior Tribunal de Justiça).

Também no Supremo Tribunal Federal decidiu-se que “a audiência prevista no referido artigo não é obrigatória para o recebimento da denúncia, como sustentava a defesa. Ela é facultativa e deve ser provocada pela vítima, caso deseje, antes de recebida a denúncia, o que não ocorreu no caso em questão.” (Habeas Corpus 109176, Relator Ministro Ricardo Lewandowski).

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