O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, explica a violência refletida nos atuais índices de criminalidade: 50 mil homicídios por ano. Nos diversos aspectos da vida social, na zona rural e nas cidades, repete-se o mesmo quadro de abandono de crianças e adolescentes; de idosos e mulheres pobres. Em considerável parte integrada por descendentes de africanos e indígenas. É a herança do regime escravagista. O Brasil foi o último país das Américas a aboli-lo. Os herdeiros dos escravos lotam os presídios. Estão nos semáforos, portam flanelas e recipientes de água mendigando a limpeza de veículos em troca de moedas, seguido do gesto no ato de pedir: é para comer. A maioria usa drogas. As estatísticas são vergonhosas: 12º lugar em péssima distribuição de renda no mundo. O 4º na América Latina. No clube do G-20 emplaca o vice-campeonato.
Entre nós, vem ocorrendo a banalização da violência e da criminalidade. A morte do cinegrafista Santiago Andrade chamou a atenção da opinião pública, incluindo a internacional, para a situação brasileira.
A violência e a consequente criminalidade têm raízes na cultura política. Foram praticadas pelo Estado, nos sucessivos ciclos ditatoriais. Na democracia dá-se pela negação de serviços públicos a 90% da população, pela impossibilidade de acessar o Judiciário. Os presídios são depósitos do “lixo humano”, povoados pelos despossuídos de renda, de moradia, de saneamento básico, de educação, isolados nas favelas e periferias das grandes cidades, dominadas pelo tráfico de drogas.
Convém refletir sobre a desigualdade. Não obstante a Constituição e as Declarações Internacionais de Direito prescreverem que todos são iguais perante as leis, na prática, a realidade é outra. A discussão é antiga. Cinco séculos antes de Cristo, um grupo de filósofos chamado de sofistas dividia-se em duas correntes. A primeira sustentava que a natureza criara os homens desiguais e a Lei os igualava. A segunda afirmava o oposto, a natureza dotava a todos de forma igual, a Lei os desigualava.
A política é a forma de proceder à igualdade de oportunidades nas sociedades democráticas, para isso existem os parlamentos, o Poder Executivo, o Poder Judiciário. Sua função primordial é decidir, executar atos de gestão em benefício da sociedade. Seus dirigentes, filiados a partidos políticos, devem atuar a favor dos interesses coletivos, na segurança pública, nas obras de infraestrutura, no fornecimento de água e esgoto, de moradia, educação, saúde e mobilidade urbana. Infelizmente a atividade política no Brasil se desvirtuou, transformou-se em espaço negocial, volta-se só para interesses privados.
O economista Eduardo Giannetti, em texto publicado na última quinta-feira pelos jornais e redes sociais, denuncia a deplorável situação da educação no país. Basta dizer: um terço dos egressos do ensino superior se constitui de analfabetos funcionais. No ensino fundamental e médio a situação é caótica. A desnutrição deixa sequelas em percentual elevado das crianças das periferias, impossibilitando o aprendizado. A metade dos domicílios não possui coleta de esgotos. Melancolicamente conclui: é nesses gargalos que se impede a igualdade das oportunidades, pratica-se, sim, a desigualdade delas. Tudo porque a política e os políticos não se voltam para a solução desses problemas, mas para a perpetuação de seus interesses particulares enquistados nos aparelhos do Estado, legitimados a cada eleição, ganha com o abuso do poder econômico e do administrativo.
A Constituição Federal de 1988 gerou a expectativa da igualdade jurídica, mas ela não se efetiva nas instituições estatais criadas para esse fim. Frustrados os cidadãos buscam a via judicial, também cara, inacessível, lenta, ineficaz. Partem então para fazer a justiça com as próprias mãos, como estampa a mídia. A violência é umas das repostas da população ao Estado que desconsidera os jovens, os idosos, os trabalhadores, as novas classes médias. Dá-lhes acesso a alguns bens de consumo, mas os impede do exercício da cidadania. Giannetti assegura: os recursos existem, mas destinam-se a construção de estádios de futebol padrão FIFA; a compra de jatos supersônicos e de submarinos nucleares; a concessão de empréstimos bilionários a empresários, em detrimento de aplicações nas políticas efetivadoras da igualdade das oportunidades.
Nas próximas eleições, deve-se discutir a igualdade das oportunidades, a revisão do contrato político mediante a reforma constitucional. Do contrário, elas serão um faz de conta. E o futuro, ninguém garante, poderá trazer um dilúvio, afogando a Democracia.