Publicado por Bárbara Dantas Neri e Leopoldo em JusNavigandi
1 INTRODUÇÃO
O financiamento público de campanhas eleitorais é uma proposta que divide opiniões entre os agentes diretamente envolvidos neste processo e que ainda está longe de chegar a um desfecho. A proposta surgiu a partir dos inúmeros casos de relacionamentos inescrupulosos entre partidos políticos brasileiros e empresas privadas de diversos setores que, supostamente, apoiariam financeiramente candidaturas com o objetivo único de garantir, no futuro, participação na administração pública através de favorecimentos.
O projeto, além de ser uma tentativa de moralizar as relações entre agentes políticos e empresas privadas, ceifando a comercialização de vantagens no âmbito da administração pública, reflete também a insatisfação da sociedade civil diante do surgimento de inúmeros casos de corrupção envolvendo os administradores eleitos para gerir o dinheiro público.
Neste contexto, bastante aceitável a ideia sugerida por Rabat (2011) de que a proposta teria chegado ao Congresso impulsionada pelo hábito já disseminado em nossa cultura de enxergar o Estado como um agente moderador dos anseios da sociedade. Para melhor entender a conclusão do autor, necessário se faz um breve passeio histórico pelas transformações políticas que influenciaram o financiamento de campanhas eleitorais no nosso país.
De início, cumpre recordar que, no período de desenvolvimento do moderno regime representativo, a chamada democracia não costumava ser exercida em sua essência, já que o acesso à esfera política formal era acessível apenas a setores sociais economicamente bem situados. Os grandes partidos de representação política que surgiram a partir da ampliação do sufrágio, por sua vez, eram estruturados para contar prioritariamente com os recursos de suas próprias bases sociais, já que não podiam contar com o apoio dos setores anteriormente mencionados. Nos dois casos, os recursos empregados nas campanhas eleitorais eram privados, ora das empresas capitalistas, ora das próprias bases sociais dos partidos.
A este respeito, pondera Márcio Nuno Rabat:
Justamente porque o sufrágio era restrito, esses setores não precisavam, ou precisavam pouco, de agremiações políticas organizadas para o convencimento de amplos eleitorados. Logo, não tinham necessidade de construir estruturas de financiamento eleitoral sequer semelhantes com as que começariam a se impor com a extensão do sufrágio. Por sua vez, as primeiras grandes agremiações voltadas para a organização de setores sociais não proprietários, os partidos trabalhistas ou socialdemocratas da passagem do século XIX para o século XX, não podiam nem sonhar com o apoio de empresas capitalistas ou do estado e foram levadas a preparar-se para contar prioritariamente com os recursos de suas próprias bases sociais. Assim, tanto quando o sufrágio era restrito como quando as novas agremiações partidárias de massas acabavam de conquistar a ampliação do sufrágio, era difícil se pensar em outras formas de financiamento de campanhas que não o financiamento privado. (RABAT, 2011, p. 5)
Consolidado o sufrágio universal e enfraquecidas as disputas entre os partidos de massas, outros fatores passaram a influenciar o financiamento de campanhas. Segundo Rabat (2011), na medida em que os recursos de grandes corporações econômicas passaram a ser acessíveis a todos os partidos bem estabelecidos no sistema político e as agremiações passaram a ser vistas menos como representantes de interesses em conflito e mais como mecanismos de conformação da vontade do Estado, as agremiações passaram a merecer algum cuidado por parte do próprio Estado, interessado em que funcionassem razoavelmente.
Assim é que, com a criação do Fundo Partidário em 1965, o Estado passou a contribuir para o funcionamento dos partidos e, consequentemente, para as suas campanhas. A partir de então o financiamento de campanhas se tornou um tema politicamente sensível, com a instalação, inclusive, de CPIs para a análise de eventuais infrações ocorridas.
Nesta conjuntura, a situação apontada como responsável por trazer para primeiro plano a conexão entre corrupção no governo e financiamento de campanhas eleitorais insuficientemente regulamentado e fiscalizado foi o processo de impedimento do presidente Fernando Collor, eleito na primeira eleição direta após a abertura do regime autoritário. Desde então, a fiscalização do financiamento de campanhas foi tema que nunca mais deixou de crescer.
A proposta de financiamento de campanhas com recursos exclusivamente públicos, no entanto, cresceu de forma surpreendente e arrasadora, deixando para segundo plano o debate a respeito de outras alternativas de regulamentação do financiamento de campanhas mais palpáveis e concretas. A explicação para isto, como já foi abordado, seria a tradição corporativa brasileira de trazer os conflitos sociais para dentro da esfera estatal em lugar de produzir e fazer valer legislação que estabeleça limites para esses conflitos e, na medida do possível, diminua as disparidades de recursos entre as partes.
2 FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITORAIS NO BRASIL
No Brasil, onde se adotou um sistema misto de financiamento de campanhas eleitorais, é permitida a utilização tanto de recursos públicos quanto de recursos privados pelos candidatos.
O financiamento de campanhas eleitorais com recursos públicos deveria ser disciplinado por lei específica, conforme determinação do artigo 79 da Lei n. 9.504/97. Embora esta norma ainda não exista, o Tesouro Nacional possui dois principais mecanismos por meio dos quais contribui com despesas de campanhas eleitorais, quais sejam o Fundo Partidário e a propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão.
No que concerne ao financiamento essencialmente privado de campanhas, os recursos podem provir das seguintes fontes: recursos próprios do candidato; contribuições e doações de pessoas físicas; contribuições e doações de pessoas jurídicas; doações de outros candidatos, partidos políticos ou comitês financeiros e receitas decorrentes da comercialização de bens ou da realização de eventos.
Mais adiante, cada uma dessas fontes de arrecadação de recursos será abordada mais detidamente, permitindo uma visão mais ampla de como a origem da receita pode interferir no pleito eleitoral.
2.1 FUNDO PARTIDÁRIO
O fundo partidário existe desde a promulgação da Lei nº 4.740/65 (Lei Orgânica dos Partidos Políticos – LOPP), segundo a qual seus recursos adviriam de multas de natureza eleitoral, de doações privadas e de dotações orçamentárias[1].
Para Rabat (2011), na época, seguia vigente a noção de que o Brasil, para se modernizar politicamente, precisava de um sistema partidário que proporcionasse a representação política efetiva das principais correntes de opinião e de interesse da sociedade. Ainda segundo o autor:
A mera criação do Fundo já indicava que, sob o regime de 1964, tinha continuidade a crescente valorização dos partidos políticos como instrumentos relevantes no processo de preenchimento de cargos nos centros decisórios do estado. A referência a uma “previsão orçamentária de recursos para o fundo partidário” (art. 61, caput), em particular, ilustra a preocupação de que o próprio estado se responsabilize, em alguma medida, pela preservação material dos partidos. (RABAT, 2011, p. 8)
A Constituição Federal de 1988, abraçando a ideia de valorização das agremiações partidárias, garantiu aos partidos políticos, em seu art. 17, §3°, o “direito a recursos do fundo partidário (…) na forma da lei”.
O simbolismo por trás da criação do Fundo Partidário, entretanto, não se traduzia em relevância prática, haja vista os escassos recursos efetivamente transferidos. Apenas com a promulgação da Lei dos Partidos Políticos (Lei nº 9.096/1995) é que o montante de recursos públicos transferidos ao Fundo passou a ser significativo.
De acordo com o art. 38 da LPP, o Fundo Partidário é constituído por multas e penalidades pecuniárias, por recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, por doações de pessoa física ou jurídica e, finalmente, por dotações orçamentárias da União.
Sobre os recursos do Fundo Partidário, Ramayana (2011, p. 268) defende que “possuem natureza constitucional correlacionada com o princípio fundamental da República Federativa do Brasil insculpido no art. 1º, inciso V, da Carta Magna, que se traduz na garantia e manutenção do pluralismo político no Estado Democrático”.
A distribuição dos valores arrecadados segue critérios estabelecidos por lei, seguindo as disposições adiante expostas: a) 5% do Fundo Partidário serão destacados para entrega, em partes iguais, a todos os partidos que tenham seus estatutos registrados no Tribunal Superior Eleitoral; b) 95% do total do Fundo Partidário serão distribuídos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados (art. 41-A da LPP).
Observe-se, ainda, que, embora os recursos do Fundo Partidário não sejam exclusivamente destinados ao financiamento de campanhas, já que seu objetivo primeiro é fazer frente aos gastos decorrentes da movimentação cotidiana da agremiação, são largamente empregados nesse fim, havendo previsão expressa na Lei dos Partidos Políticos a respeito da possibilidade de sua aplicação “no alistamento e campanhas eleitorais”.
Na visão de Velloso e Agra (2009, p. 102), “o Fundo Partidário não significa um completo financiamento público de campanha, […] mas constitui-se de verba provinda do Estado para ajudar na manutenção das agremiações”.
A verdade é que o aumento da dotação de recursos públicos para o Fundo Partidário deixou um saldo positivo para o sistema partidário e para a política em geral no Brasil, já que facilitou o funcionamento das estruturas básicas dos partidos, permitindo que uma parte maior das energias dos filiados se voltasse para tarefas menos burocráticas.
2.2 PROPAGANDA ELEITORAL GRATUITA NO RÁDIO E NA TELEVISÃO
De acordo com o art. 47 da Lei das Eleições, as emissoras de rádio e de televisão e os canais de TV por assinatura sob a responsabilidade do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, das Assembleias Legislativas, da Câmara Legislativa do Distrito Federal e das Câmaras Municipais devem reservar, nos 45 dias anteriores à antevéspera das eleições, horário destinado à divulgação, em rede, da propaganda eleitoral gratuita.
A este respeito, interessante as considerações feitas por Rabat:
As normas que tratam da propaganda eleitoral no rádio e na televisão são de especial relevância […] em primeiro lugar, por incidirem sobre uma matéria muito sensível para os processos eleitorais contemporâneos, dada a influência dos meios de difusão audiovisual na formação da opinião pública, em períodos eleitorais e não-eleitorais, o que cria um entrelaçamento complexo entre propaganda, política e concentração da propriedade das emissoras de rádio e televisão no Brasil e no mundo. Em segundo lugar, porque a legislação que rege a matéria estabelece uma espécie de financiamento público exclusivo, na medida em que a propaganda no rádio e na televisão só pode acontecer nos períodos, legalmente definidos, em que o estado garante o acesso gratuito a esses instrumentos de difusão de ideias e propostas. (RABAT, 2011, p. 12)
Embora essa propaganda seja chamada de gratuita, a verdade é que o custo do tempo no rádio e na televisão é financiado pelos cofres públicos, por meio de compensação tributária. Neste sentido, o art. 99 da Lei das Eleições determina que “as emissoras de rádio e televisão terão direito a compensação fiscal pela cedência do horário gratuito previsto nesta Lei”.
Em 2005, o Decreto n° 5.331 do Presidente da República veio regulamentar o mencionado dispositivo, estabelecendo que as emissoras de rádio e televisão obrigadas à divulgação gratuita da propaganda eleitoral podem reduzir da base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica 80% do preço da publicidade daquele horário da programação normal.
A renúncia do governo às receitas oriundas de impostos devidos, como forma de reembolso ao custo estimado da transmissão da propaganda eleitoral, caracteriza verdadeiro financiamento público de campanha eleitoral, ainda que de forma indireta.
Deve-se observar, ainda, que existe, de fato, um alto grau de “exclusividade” nessa área do financiamento público de campanhas. Afinal, de acordo com o art. 44 da Lei das Eleições, de 1997, a “propaganda eleitoral no rádio e na televisão restringe-se ao horário gratuito definido nesta Lei, vedada a veiculação de propaganda paga”. Com isso, nenhuma pessoa, física ou jurídica, além da União, pode financiar emissões de rádio e televisão para propaganda eleitoral.
Importante destacar que não se trata apenas de financiar o uso eleitoral da propaganda no rádio ou televisão, mas de garantir o acesso igualitário dos partidos às emissoras mais potentes de televisão e rádio.
A verdade é que a desigualdade, nessa área, poderia provocar o predomínio ilegítimo de umas forças políticas sobre outras, o que desequilibraria o pleito eleitoral, haja vista a larga influência exercida pelos meios de difusão audiovisual na formação da opinião dos eleitores.
Fecham-se, assim, os espaços para acordos desiguais entre as emissoras de rádio e televisão e as distintas forças políticas, de forma que os candidatos e partidos não precisam usar seu tempo e energia em negociações delicadas ao redor desses gastos de campanha. A distribuição de tempo de transmissão, se não é perfeita, é pelo menos imparcial, cabendo a cada partido o que resulta da aplicação da legislação previamente existente.
O horário reservado à propaganda no rádio e na televisão por parte de todos os partidos registrados no Tribunal Superior Eleitoral constitui, assim, um instrumento para diminuir a influência das diferenças de poder econômico entre as forças sociais organizadas em partidos e, principalmente, para reduzir o peso do oligopólio das comunicações nos processos eleitorais.
2.3 USO DE RECURSOS PRIVADOS
No que concerne ao financiamento privado, a arrecadação de recursos – quaisquer que sejam eles – submete-se a complexo regramento legal, havendo controle estrito quanto a origem, montante que cada pessoa pode doar, gestão e destino que lhes é dado. Além disso, com vistas a cercear o abuso de poder econômico nas eleições, os beneficiários são obrigados a prestar contas minuciosas à Justiça Eleitoral.
Entre as receitas de campanha eleitoral, figuram: recursos próprios do candidato; contribuições e doações de pessoas físicas; contribuições e doações de pessoas jurídicas; doações de outros candidatos, partidos políticos ou comitês financeiros; receitas decorrentes da comercialização de bens ou da realização de eventos.
As receitas provenientes de recursos próprios nada mais são que doações feitas pelo candidato para sua própria campanha, como se o candidato tivesse personalidade distinta de sua pessoa física. Nos termos do artigo 23, § 1º, II, da Lei das Eleições, o limite para essa doação é o valor máximo de gastos estabelecido pelo partido.
Sobre o limite de gastos ser estabelecido pelo próprio partido, Gomes (2010, p. 268) observa que “a inexistência de parâmetros uniformes para a injeção de recursos pessoais na própria campanha não deixa de significar um privilégio aos candidatos mais abastados”.
Quanto às contribuições e doações de pessoas físicas, dispõe o artigo 23, § 1º, I, da LE, que as doações em dinheiro ou estimáveis em dinheiro devem limitar-se a 10% dos rendimentos brutos do doador pessoa física, tomando-se por base o ano anterior à eleição. Mas esse limite não se aplica a doações estimáveis em dinheiro relativas à utilização de bens móveis ou imóveis de propriedade do doador, desde que o valor da doação não ultrapasse R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais).
As pessoas jurídicas, por sua vez, são responsáveis pela injeção de grandes somas nas campanhas eleitorais. Reza o artigo 81, § 1º, da LE, que as doações e contribuições dessas entidades privadas devem limitar-se "a dois por cento do faturamento bruto do ano anterior à eleição". A doação acima desse teto enseja a punição do infrator (no caso o doador) com multa "de cinco a dez vezes a quantia em excesso", além de sujeitá-lo "à proibição de participar de licitações públicas e de celebrar contratos com o Poder Público pelo período de cinco anos". Ademais, expõe o candidato beneficiário à responsabilização por abuso de poder econômico.
Aos partidos é permitido injetar recursos próprios na campanha de seus candidatos. Sobre o assunto, dispõe o artigo 39, § 5º, da LOPP: "Em ano eleitoral, os partidos políticos poderão aplicar ou distribuir pelas diversas eleições os recursos financeiros recebidos de pessoas físicas e jurídicas, observando-se o disposto no § 1º do art. 23, no art. 24 e no § 1º do art. 81 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, e os critérios definidos pelos respectivos órgãos de direção e pelas normas estatutárias". Pode, ainda, a agremiação optar por assumir "eventuais débitos de campanha não quitados até a data de apresentação da prestação de contas". Nesse caso, "o órgão partidário da respectiva circunscrição eleitoral passará a responder por todas as dívidas solidariamente com o candidato" (art. 29, §§ 3º e 4º).
Admite-se, ainda, que um comitê financeiro doe a outro comitê ou a candidato de outro partido. Atende-se, aqui, ao interesse das coligações, que não têm comitê financeiro próprio. Assim, os partidos coligados poderão doar entre si, de sorte que o consórcio resulte fortalecido na disputa.
Outra relevante fonte de recursos para campanhas eleitorais é a comercialização de bens ou realização de eventos. O evento deverá ser comunicado à Justiça Eleitoral com a antecedência mínima de 5 (cinco) dias para que esta, julgando oportuno, possa fiscalizá-lo. Já quanto à venda de bens, considera-se que houve, na verdade, doação, a qual se sujeita aos limites percentuais apontados.
A principal manifestação legal da preocupação com a possibilidade de vínculo espúrio entre o financiamento de partidos e campanhas e os resultados eleitorais é encontrada na vedação de que uma série de entidades contribua para atividades eleitorais e partidárias.
A Lei nº 9.504/97, em seu artigo 24, veda aos partidos e candidatos receber direta ou indiretamente doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie, procedente de “I – entidade ou governo estrangeiro; II – órgão da administração pública direta e indireta ou fundação mantida com recursos provenientes do Poder Público; III – concessionário ou permissionário de serviço público; IV – entidade de direito privado que receba, na condição de beneficiária, contribuição compulsória em virtude de disposição legal; V – entidade de utilidade pública; VI – entidade de classe sindical; VII – pessoa jurídica sem fins lucrativos que receba recursos do exterior; VIII – entidades beneficentes e religiosas; IX – entidades esportivas; X – organizações não-governamentais que recebam recursos públicos; XI – organizações da sociedade civil d interesse público”. Como se percebe facilmente, a preocupação da Lei se dirigia tanto à possibilidade de que detentores de cargos estatais os usem para reforçar suas campanhas ou de candidatos e partidos que lhes sejam próximos como à possibilidade de que entidades quaisquer usem de seus recursos materiais para comprometer, já na campanha, os eventuais futuros eleitos com a defesa de seus interesses. Essa segunda preocupação é de óbvia compreensão no caso do inciso I (recursos procedentes de pessoa ou entidade estrangeira).
A esse rol, outras hipóteses têm sido acrescidas, a saber: a) sociedade cooperativa cujos cooperados sejam concessionários ou permissionários de serviço público ou que esteja sendo beneficiada com recursos públicos (LE, art. 24, parágrafo único); b) cartórios de serviços notariais e de registro (TSE Res. nº 22.715/2008).
A preocupação, como se percebe, é preservar o pleito eleitoral da influência de órgão ou entidades que, pelo vulto dos interesses que personificam, podem desequilibrar a campanha em favor daqueles aquinhoados com sua preferência.
O uso de verba proveniente de tais fontes caracteriza captação ilícita de recursos eleitorais. Trata-se de irregularidade insanável que, além de provocar a rejeição das respectivas contas, enseja a responsabilização do candidato beneficiário, nos termos do artigo 30-A da Lei nº 9.504/97, poderá ter negado o diploma ou cassado, se já expedido.
Por fim, cumpre destacar o art. 17-A, introduzido na Lei das Eleições pela Lei nº 11.300, de 19 de maio de 2006, segundo o qual “a cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10 de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não sendo editada a lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade”.
Para Velloso e Agra (2009, p. 226) “o cuidado é que não seja declarado valor muito alto, desproporcional à normalidade vigente, com a intenção de praticar abuso de poder econômico ou propiciar lavagem de dinheiro”.
A inexistência de limites efetivos aos gastos dos partidos e candidatos em campanhas e às contribuições de seus financiadores cria um problema para a representação política consistente. Como o valor dos gastos de campanha pode se elevar indefinidamente, todas as partes presentes na disputa se encontram compelidas a arrecadar todos os recursos que lhes estejam acessíveis, única maneira de se contrapor a um adversário que também não tem limites de arrecadação.
3 A PROPOSTA DE FINANCIMENTO PÚBLICO EXCLUSIVO DE CAMPANHAS ELEITORAIS
Diversos projetos de lei tramitaram e ainda tramitam no Congresso Nacional com o objetivo de instituir o financiamento público de campanhas eleitorais no Brasil. Importa destacar o Projeto de Lei n. 2.679/2003, da Comissão Especial de Reforma Política da Câmara dos Deputados, que foi o que mais atenção recebeu nas discussões sobre a reforma. Isto porque se tratava de uma proposta bem trabalhada, que se apoiava, desde o início, na decisão de um colegiado importante, justamente a Comissão que o elaborou, tendo, por isso, peso superior ao de proposições apresentadas individualmente por parlamentares.
Esse projeto prevê o financiamento exclusivamente público e dá nova redação ao art. 17 da Lei das Eleições, que passaria a determinar que, em ano eleitoral, a lei orçamentária incluirá, em rubrica própria, dotação destinada ao financiamento de campanhas eleitorais, de valor equivalente ao número de eleitores do País multiplicado por R$ 7,00, tomando por referência o eleitorado existente em 31 de dezembro do ano anterior à elaboração da lei orçamentária.
O TSE faria a distribuição dos recursos aos órgãos de direção nacional dos partidos políticos dentro de 10 dias contados da data do depósito, em conformidade com os seguintes critérios: 1% dividido igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE; 14% dividido igualitariamente entre os partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; 85% dividido entre os partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
O projeto daria nova redação também ao art. 20 da Lei das Eleições, vedando expressamente, em campanhas eleitorais, o uso de recursos provenientes de pessoas físicas e jurídicas.
Sobreiro Neto (2008) argumenta que a proibição de financiamento privado seria interessante “se acompanhada de regras duras para quem violá-la, como previsão de perda de registro, diploma e mandato, em procedimento sumário e sem efeito suspensivo, além de normas penais incriminadoras, prevendo penas mais elevadas […]”.
O principal argumento favorável ao financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais no Brasil é o de que essa forma de financiamento limitaria a influência do poder econômico nas decisões políticas. Quando interesses privados, notadamente grandes empresas, financiam as campanhas eleitorais, o fazem no mais das vezes tendo em vista a obtenção de vantagens junto ao governante eleito com a sua ajuda financeira.
O segundo grande argumento em favor do financiamento público de campanhas eleitorais é a eliminação de contribuições ilegais, provenientes de "caixa dois" das empresas e até mesmo de redes conectadas ao crime organizado e à informalidade. Essas contribuições são extremamente nocivas para a democracia porque impedem a opinião pública de conhecer a origem dos recursos despendidos por partidos e candidatos durante as campanhas eleitorais, portanto mantêm ocultas as forças políticas e econômicas que estão interessadas na eleição deste ou daquele candidato. Os defensores do financiamento público estimam que, com essa forma de financiamento, sempre que a campanha de um candidato se destacar pela riqueza ficará evidente o uso de recursos ilícitos.
Outro importante argumento em favor do financiamento público é exatamente a maior igualdade entre os concorrentes na disputa, em decorrência da limitação da influência do poder econômico nas eleições, objetivo, aliás, consagrado na Constituição Federal (art. 14, § 9o).
A tese do financiamento público é ainda reforçada pelo cálculo de que, em razão da corrupção que o financiamento privado favorece, a sangria de recursos públicos tem sido muito maior com o financiamento privado do que seria com o financiamento público, com a diferença de que no público os números são conhecidos.
Márcio Nuno Rabat, para quem a experiência com o Fundo Partidário estabeleceu uma referência concreta e de sucesso comprovado para a formulação do mecanismo de transmissão de valores aos partidos, defende o financiamento público exclusivo sob o seguinte argumento:
Parece indiscutível que o Fundo facilitou que as estruturas básicas dos partidos fossem mantidas em funcionamento, permitindo, possivelmente, que uma parte maior das energias dos filiados se voltasse para tarefas menos burocráticas. (…) Tudo isso tanto pode ser tido como um estímulo ao financiamento público de campanhas, pois ele permitiria transferir as energias dos partidos da tarefa de arrecadação de recursos para a tarefa mais elevada de elaboração de programas políticos consistentes e atraentes, como pode ser visto como uma indicação de que o estado já faz sua parte ao garantir os recursos materiais mínimos para os partidos se organizarem, cabendo a eles, a partir daí, estabelecer uma relação de confiança com suas bases que lhes permita conduzir as campanhas eleitorais com autonomia frente ao poder público. (RABAT, 2011, p. 10-11)
Há, por outro lado, argumentos igualmente fortes contrários ao financiamento de campanhas com recursos exclusivamente públicos. O primeiro deles é o de que se o uso de recursos provenientes de fontes ilícitas nas campanhas eleitorais é uma prática generalizada no País, de forma que aos recursos públicos destinados ao financiamento eleitoral se somariam os recursos ilegais, sem que a Justiça Eleitoral tivesse os meios de apurar o seu uso.
É evidente que o financiamento público por si só não teria o condão de impedir as contribuições ilícitas. Seria preciso completá-lo não apenas com medidas efetivas de restrição dos custos das campanhas eleitorais, mas também com a submissão dos gastos de campanha a rigorosa fiscalização, e com a previsão de sanções severas em caso de extrapolação.
O segundo argumento contrário ao financiamento público é o de que, num país com tamanha carência de investimentos públicos em áreas essenciais, dificilmente a opinião pública estaria de acordo com a aplicação de um volume tão grande de recursos públicos em campanhas eleitorais.
A este respeito, afirma José Jairo Gomes que:
[…] em um país em que há graves desníveis sociais, altos índices de analfabetismo, parcos investimentos em saúde e educação, em que rodovias se tornaram “caminhos” esburacados, em que a segurança pública é claramente insatisfatória, certamente o dispêndio de verbas do erário para financiar campanhas eleitorais não é algo que em sã consciência se possa considerar prioritário. (GOMES, 2010, p. 263)
Outro ponto discutido é o critério para a repartição de recursos. Se os recursos públicos destinados ao financiamento eleitoral forem divididos igualmente entre todos os partidos, grandes aventuras eleitorais de partidos sem nenhuma representatividade viriam a ser financiadas pelos cofres públicos. Por outro lado, a distribuição proporcional à representação na Câmara dos Deputados engessaria o cenário político-partidário, impedindo a consolidação de legítimas forças políticas nascentes.
Neste sentido, Rabat (2011) pondera que, “no caso do financiamento misto, esse ponto negativo pode ser parcialmente compensado pela arrecadação de recursos de outras fontes, […] mas, no caso do financiamento público exclusivo, haveria um forte engessamento da situação relativa das várias agremiações”.
Argumenta-se ainda que o financiamento exclusivamente público de campanhas eleitorais reforçaria as tendências centralizadoras e as práticas antidemocráticas no interior dos partidos políticos. Isso porque essa forma de financiamento tornaria os diretórios estaduais e municipais dependentes do diretório nacional, em razão do sistema de repasse de recursos.
Por fim, há quem considere que o direito do cidadão de contribuir financeiramente para as campanhas eleitorais decorre do princípio constitucional da liberdade de expressão, que não poderia ser cerceado.
4 CONCLUSÕES
O atual sistema misto de financiamento não se mostrou imune às fraudes na prestação de contas, aos crimes eleitorais e à corrupção em geral. Mesmo com tentativas de controle, ainda não há mecanismos eficazes de fiscalização.
Da eleição presidencial de 1989 até o presente momento, os recursos captados em campanhas eleitorais incrementaram o sistema de corrupção que se arraigou nos bastidores do poder, pois transformou doadores de campanha em beneficiários de recursos públicos (favorecimentos em licitações), bem assim, fomentou a criatividade para desvio de dinheiro público.
Percebida a ineficácia do sistema misto, importa verificar quais seriam as alternativas na busca de sistema que, permitindo emprego de recursos, promova divulgação das candidaturas, ao mesmo tempo em que inviabilize maquiagem na prestação de contas ou emprego irregular de recursos, tal como “caixa dois”.
A alternativa do financiamento exclusivamente público encontra inúmeros adeptos, mas ainda é duramente criticado, mormente por não se acreditar que evitaria a captação de recursos privados ilícitos.
Não há dúvida de que algo deve mudar. Ou se adota o financiamento público exclusivo, com proibição de obtenção de aplicação de recursos privados, mediante enérgica punição, ou aprimora-se o sistema de financiamento privado, incrementando-se os meios de fiscalização aos partidos e candidatos.
REFERÊNCIAS
GOMES, José Jairo. Direito Eleitoral. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2009.
LIMA, Sídia Maria Porto. Prestação de contas e financiamento de campanhas eleitorais. Curitiba: Juruá, 2006.
RABAT, Márcio Nuno. O financiamento de campanhas eleitorais no Brasil e a proposta de financiamento público exclusivo. Câmara dos Deputados, Consultoria Legislativa, 2011.
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 12. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2011.
SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas eleitorais. 5. ed. Curitiba: Juruá, 2010.
SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Direito eleitoral – teoria e prática. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2008.
TELLES, Olivia Raposo da Silva. Direito Eleitoral comparado – Brasil, Estados Unidos, França. São Paulo: Saraiva, 2009.
TRINDADE, Fernando. Financiamento eleitoral e pluralismo político. Revista de Informação Legislativa, 2004.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2009.
[1] Lei nº 4.740/1965, art. 60: “É criado o fundo especial de assistência financeira aos partidos políticos, que será constituído: I – das multas e penalidades aplicadas nos termos do Código Eleitoral e leis correlatas; II – dos recursos financeiros que lhe forem destinados por lei, em caráter permanente ou eventual; III – de doações particulares, inclusive com a finalidade de manter o instituto a que se refere o art. 75, inciso V”.