Antônio Marinho e Pinto exerceu dois mandatos como presidente da Ordem dos Advogados de Portugal. Entre 2008 e 2013, na condição de bastonário dos advogados lusitanos, provocou sucessivas polêmicas atacando as custas elevadas dos processos judiciais; a má formação dos bacharéis, por conta da massificação do ensino jurídico; a redução de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça. E por declarações como esta: “ser advogado não é uma boa escolha. A não ser que seja um gênio, um estagiário brilhante. Senão, vai passar anos como assalariado ou voluntário, sendo explorado por escritórios que pagam um salário inferior ao merecido”.
Portugal nos legou a língua, os valores da cultura, os modelos das estruturas do Estado, incluindo a burocracia judiciária. As terminologias de diversos cargos públicos, como por exemplo, desembargador, as fórmulas processuais e da advocacia. Mas é bom ficar atento com o que acontece por lá, e vice-versa. O diagnóstico contempla situações idênticas as nossas, embora existam, a meu sentir, discordâncias essenciais quanto às terapias a serem aplicadas.
Propõe, por exemplo, a redução dos cursos jurídicos, por entender haver excesso de advogados, inexistindo mercado para recebê-los, não havendo necessidades sociais para tanto. A fórmula não se aplica ao caso brasileiro, aqui, há déficit no ensino superior e no acesso a Justiça. A questão dos cursos jurídicos de má qualidade pode ser dirimida por maiores exigências e fiscalização de parte do Ministério da Educação. Recebido o diploma, se requer a residência dos bacharéis em escritórios de advocacia, seguido do exame da Ordem dos Advogados, exigindo-se alterações em sua formulação.
Outro ponto de discordância respeita a adoção da mediação e da arbitragem como metodologias alternativas para a solução dos conflitos interindividuais e sociais. O bastonário português antepõe a Justiça Pública, como expressão da soberania do Estado, e caminho único para a administração das demandas. A crença no monopólio da judicialização vem sendo desmentida pela dinâmica da realidade social. Segundo o Conselho Nacional de Justiça transitam pelos tribunais brasileiros cerca de 93 milhões de processos em busca de decisões que nunca chegam.
O principal responsável pelos litígios é o próprio Estado, aproximadamente 60% dos processos são do interesse do governo, atopetando os canais de um Poder Judiciário deficiente de infraestrutura administrativa, com insuficiência de gestão e graves dificuldades orçamentárias. Achar que o novo Código de Processo Civil, concentrando poderes na Primeira Instância, reduzindo os recursos, resolverá o problema é ingenuidade, situa-se na velha tradição lusitana de achar de que pelas leis se pode mudar a realidade social.
Se o Estado é lento ou ineficaz nas respostas aos pedidos de distribuição de justiça é legitima a busca da sociedade por outras alternativas para a resolução de controvérsias, como vêm tentando com sucesso em muitos países, sobretudo, os filiados ao sistema jurídico anglo-saxão.
A conciliação, prevista pelo atual Código de Processo Civil e Estatuto da Advocacia, exige maior emprego, bem como o da mediação, intensificando-se a utilização da arbitragem. Todas opções válidas para a solução de demandas que podem eternizar-se no aparelho judicial sem a devida decisão.
No livro “Crise da Crise da Advocacia”, publicado em 2008 pela Editora Fiuza, sugerimos a repaginação da advocacia, incluindo a sua atuação preventiva, de modo a evitar a eclosão de conflitos sem solução, que se acumulam sob os cuidados do Estado-juiz, em detrimento da autonomia do cidadão, capaz de maduramente compor os seus litígios, eticamente mais vantajosa que a decisão judicial.
Dos 93 milhões de processos, 20 milhões tramitam no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O seu presidente, desembargador José Renato Nalini, em artigo publicado na “Folha de São Paulo”, de 9 de março passado, sustenta a conveniência de adotarem-se metodologias alternativas para a solução dos conflitos. No texto Nalini assevera: “afinal, fazer Justiça é obra coletiva, num Brasil em que a iniquidade ainda parece constituir a regra”. De acordo.
Para discutir assuntos dessa importância convidamos os colegas das classes jurídicas, os cidadãos, a comparecerem dia 4 de abril, às 17 horas, no auditório da OAB, para a posse do Conselho Editorial da Revista Juris, do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública-CECGP, lançando o primeiro número, e para a instalação da Associação Maranhense de Advogados-AMAD.
Primeiro passo para a sublime caminhada da construção coletiva da Justiça.