No programa da TV Justiça “Eleições 2014 – uma conversa com o presidente do TSE”, o ministro Marco Aurélio de Mello afirmou: seria “salutar” que os candidatos à reeleição se afastassem do cargo para fazer a campanha. Absolutamente necessário, levando em conta a tradição ibérica do uso do aparato estatal para perpetuar-se no poder, formalizando a dominação pela utilização das deformidades do processo eleitoral. A legislação não contempla a hipótese, e a anomalia de origem é a própria reeleição, introduzida no governo Fernando Henrique Cardoso-FHC, a pretexto de garantir a continuidade do Plano Real de estabilização monetária. Coisa do realismo mágico da política nacional, sem conexão com a realidade factual, a partir de várias e indiscutíveis evidencias.
A primeira delas, o Plano Real resultou da abertura do Brasil aos investidores e donos do mercado externo, e da experiência dos planos econômicos anteriores, nos governos Sarney e Collor. Tal como o Bolsa Família, iniciado no governo FHC, a partir dos programas do Banco Mundial, prosseguiu na gestão Lula, de forma ampliada, continuado por sua sucessora. Ninguém ousará interrompê-lo, pois mantém a pobreza em níveis suportáveis, e alavanca o mercado de consumo. Em suma, quem manda é o mercado e não a política.
Nem no ciclo autoritário dos generais-presidentes, com atos institucionais e a Emenda Constitucional outorgada de 1969, ousou-se quebrar a regra da não reeleição. Iniciada com a Proclamação da República viu-se interrompida pela hegemonia do mercado sobre a política, votada em discutível alteração na Constituição, pela Emenda Constitucional nº 16, de 1997, aprovada com a compra de votos de parlamentares. O pior, a reeleição estendeu-se aos cargos de governador de Estado e prefeito municipal, generalizando os abusos de poder.
FHC reelegeu-se Presidente da República, sem, contudo repetir o desempenho do mandato anterior. Mergulhou em crise financeira levando o país, em decorrência da quebra das bolsas, a situação de insolvência, possibilitando a eleição de Lula, após a “Carta aos Brasileiros”, tranquilizando os mercados e os investidores estrangeiros.
No proselitismo que antecedeu a emenda constitucional da reeleição, invocou-se o exemplo americano, como de costume, equivocadamente. No período do “New Deal” o presidente dos Estados Unidos, Roosevelt, elegeu-se sucessivamente por quatro mandatos, pois a Constituição do país omitia-se em relação ao assunto. Em 1951, aprovou-se a Emenda Constitucional n. º 22, admitindo apenas uma reeleição. Na prática, depois disso, nenhum ex-presidente dos Estados Unidos disputa qualquer cargo eletivo. Passam a constituir Conselho Consultivo informal, espécie de reserva moral da nação.
Como na literatura, na política necessita-se de imaginação, respeitando-se evidentemente os códigos culturais. O mundo pranteia Gabriel García Márquez, expoente do realismo mágico latino-americano, consagrado desde o lançamento de “Cem Anos de Solidão” em 1967. Antecedido no gênero por autores de fala hispânica, o argentino Jorge Maria Borges, o mexicano Octavio Paz, o cubano Alejo Carpentier, os críticos esqueceram o nosso Jorge Amado, talvez por escrever em português, que em 1961, publicou “A morte e a morte de Quincas Berro D’Água, magnifico exemplar do estilo”.
Na política, a importação de modelos sem observância dos códigos culturais, cria as perversões conhecidas. Nos Estados Unidos, na omissão da reeleição, a emenda constitucional limitou-a. Aqui, se quebrou a tradição da não reeleição, a pretexto do cumprimento de políticas de governo, mais precisamente, do plano de estabilização monetária. Exemplo clássico do realismo mágico da política nacional.
Entre nós, pululam os “homens providenciais”, os “salvadores da pátria”, multiplicam-se e repetem-se os tipos da família Buendía de Garcia Márquez. Os norte-americanos depois da independência de 1776 tiveram os seus fundadores da pátria: George Washington, Thomas Jefferson, John Adams, mas depois da promulgação da Carta de 1787, até hoje vigente, estabeleceram o regime de crença na Constituição e nas leis de parte dos cidadãos. Mesmo assim surgiram as oligarquias Kennedy, Bush e Clinton.
Também é fato, nos Estados Unidos as eleições são caríssimas, mas o financiamento das campanhas eleitorais é privado. No Brasil, só formalmente o financiamento é privado, no fim de tudo quem paga é o erário público, por isso, aqui, a reeleição não é republicana, e é eticamente inadmissível.
Espera-se do Supremo Tribunal Federal a proibição de doação empresarial para as campanhas, vedando-se os esquemas de propinodutos formados a pretexto de alimentar gastos eleitorais, incrementam o enriquecimento ilícito. Boa parte dos atuais escândalos, incluído o último da Petrobras, liga-se ao caixa 2 das eleições.
Urge a extinção da reeleição, a ser cobrada de todos os candidatos, a limitação dos gastos imoderados das campanhas, que nada têm a ver com o interesse público.