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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Terceirização na administração pública e o princípio constitucional da eficiência

Publicado por Carolina Lima Gonçalves em JusNavigandi

RESUMO: Neste trabalho, objetivou-se analisar a relação entre a Terceirização e o princípio constitucional da eficiência, axioma que integra o conceito de direito fundamental à boa Administração Pública. Nesse passo, em razão da Terceirização ser uma técnica de gestão presente no modelo gerencial de Estado, o presente trabalho parte do exame dos modelos de gestão burocrático e gerencial, com ênfase na relevância que a busca pela eficiência apresenta em cada modelo. Ao final, fora examinada a regulamentação da Terceirização no âmbito do Direito Privado e no Direito Público, com vistas a verificar os critérios que balizam a regularidade e licitude das Terceirizações, condições imprescindíveis a sua adoção.   

PALAVRAS-CHAVE: Estado burocrático; modelo gerencial; terceirização; eficiência; direito fundamental à boa administração pública.

SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 BUROCRACIA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA. 3 O MODELO GERENCIAL DE ESTADO E A BUSCA PELA EFICIÊNCIA. 4 TERCEIRIZAÇÃO E A SUA (IN) APLICABILIDADE NA PÚBLICA. 4.1 CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO. 4.2.1 REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO PRIVADO. 4.2.2 REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO PÚBLICO. 5 TERCEIRIZAÇÃO COMO ALTERNATIVA PARA EFICIÊNCIA DOS SERVIÇOS PÚBLICOS. 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFÊRENCIAS

1 INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como tema “Terceirização na Administração Pública e o Princípio Constitucional da Eficiência”. Neste sentido, é inconteste que as técnicas administrativas utilizadas nas empresas privadas têm sido gradativamente adotadas na esfera pública, enfrentando constantes obstáculos em virtude tentativa normativa e jurisprudencial de limitar o alcance destas, se contraponto à tendência de descentralização do Estado que visa maximizar a eficiência ao desempenhar suas funções.

Neste passo, considerando que soberania, povo e território são os elementos necessários para a caracterização de um Estado e que a razão precípua da existência deste é a satisfação das necessidades da coletividade que o constitui, é irrefutável a importância do questionamento acerca da função do Estado na sociedade, sobretudo após a segunda década de vigência da Carta Magna brasileira, na medida em que ela se materializa através do agir estatal.

Na sociedade contemporânea, a Administração Pública continua exercendo uma atuação central e estratégica na conformação social. O crescimento do papel do Estado convive com a diminuição do seu aparelho, decorrente dos sucessivos processos de privatização. Como a Terceirização é um dos modos de atuar descentralizado do Estado, cada vez mais corriqueiro, o presente trabalho visa analisar os critérios que abalizam a regularidade das Terceirizações transversalmente aos princípios constitucionais, com ênfase no princípio da eficiência.

Nesse diapasão, por ser a função administrativa sempre finalista, ou seja, exercida em nome e em favor de terceiros não pode se descuidar de operar com eficiência, esta exigência foi introduzida no ordenamento máximo nacional (art. 37, caput, da CF/88), instituindo pautas de condutas condicionantes da validade e legitimidade do agir estatal. Portanto é necessária uma reflexão sobre os entraves às contratações indiretas, por meio de terceirizações, da Administração Pública e as suas consequências que polemizam a finalidade do Estado, visto que a razão dos problemas de legitimidade que afligem o Estado advém do constante aumento de suas atribuições e não do contrário.

A Terceirização é um dos modos de execução indireta de serviços. Consiste na faculdade de contratar terceiro para realizar atividades complementares à finalidade da contratante, que resulta da redução da extensão da organização empresarial. Na Terceirização o objeto do contrato é, portanto, a prestação efetiva do serviço, não importando o prestador.

No âmbito da Administração Pública, a Terceirização é um dos modos de atuar descentralizado do Estado. Este instituto decorre da tendência atual que consiste na convergência de esforços e recursos entre as entidades estatais e a iniciativa privada, com desígnio de ampliar a eficiência no emprego dos recursos econômicos e gerar serviços públicos de maior qualidade com respectiva diminuição de custo.

A relevância do tema fundamenta-se na medida em que propõe uma reflexão sobre as contratações da Administração Pública. Visto que esta tem o escopo de adequar-se aos parâmetros e as necessidades atuais da sociedade brasileira.

A problemática se perfaz na seguinte medida: A definição prévia da regularidade da Terceirização pela Administração Pública aferida sob o critério de enquadramento como atividade-meio ou atividade-fim obsta a plena aplicabilidade do Princípio Constitucional da Eficiência?

Em busca de respostas, a pesquisa sobre o tema tem como objetivo geral compreender o instituto da Terceirização no ordenamento jurídico brasileiro, analisando os critérios que determinam a sua regularidade, abarcando as peculiaridades que envolvem as contratações na Administração Pública. Apreciando as dicotomias e convergências entre a finalidade do Estado e a prestação dos serviços públicos. E para alcançá-los, os objetivos específicos são identificar os critérios que abalizam a conceituação dos serviços públicos passíveis de delegação. Caracterizar os padrões normativos atuais que qualificam as Terceirizações irregulares na Administração Pública. Analisar o desempenho do agir estatal indireto sob o enfoque do princípio constitucional da eficiência.

Nessa busca, a hipótese a ser verificada é a de que a aferição de regularidade das Terceirizações promovidas pelo Poder Público deve se dar mediante critérios que possibilitem a observância das peculiaridades de cada contratação a fim de alcançar a aplicabilidade máxima da eficiência do serviço público.

Em relação à estrutura, o desenvolvimento do presente artigo está dividido em quatro itens, contendo, o primeiro deles, a explanação acerca dos modelos de gestão do Estado, modelo burocrático e o modelo gerencial, com ênfase na relevância que os referidos modelos conferem ao princípio constitucional da eficiência, visto que tal princípio consubstancia em um dos elementos que compõem o direito fundamental à boa Administração Pública, ou seja, uma boa Administração Pública pressupõe uma gestão eficiente dos recursos públicos que são escassos.

No item que trata da aplicabilidade da Terceirização na Administração Pública, tem-se o escorço histórico da regulamentação da Terceirização, inicialmente no Direito Privado e logo após no Direito Público, onde se observa os critérios normativos que conferem o titulo de regularidade ou irregularidade das Terceirizações.

Para finalizar o desenvolvimento do presente artigo, o último item examina o direito fundamental à boa Administração Pública e de modo correlato o dever do gestor de pugnar pela melhor e mais eficiente aplicação dos escassos recursos que conformam o Estado, visto que a atuação estatal é finalista voltada para satisfação do bem comum. Neste item, examina-se, ainda, a adoção da Terceirização como alternativa para a maximização da eficiência do Estado.

2 BUROCRACIA E ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA

O Estado com poder extroverso – qual seja o poder de autodeterminação, poder de criar normas e de cobrar tributo que conferem legitimidade e impõe subordinação da sociedade civil – surgiu com a figura dos Estados nacionais europeus em meados do século XIX, momento em que era imperiosa a necessidade de contraposição aos senhores feudais a fim de fortalecer o Estado.

Inicialmente, o traço marcante desses governos, cujo objetivo era meramente a contraposição aos senhores feudais, o modelo de gestão era o patrimonialismo que nada mais é do que a relutância do príncipe em distinguir o seu patrimônio privado do patrimônio público.

No Brasil os primeiros sinais de organização governamental remontam ao período da transferência da corte de Lisboa, Portugal, para o Rio de Janeiro, quando D. João constituiu os Ministérios de Negócios Estrangeiros e da Guerra e de Negócios da Marinha e Ultramar.

Outrossim, nesse momento o modelo de administração era o patrimonialista, posto que o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano. Sobre a estrutura administrativa instalada no Brasil discorre Caio Marini:

A estrutura administrativa caracterizava-se por sua simplicidade: poucos órgãos com muita abrangência. As funções de arrecadação, administração e distribuição da renda púbica estavam a cargo do Erário ou Tesouro Geral e Público nos mesmos moldes do órgão existente em Portugal desde 1761. (2004, p.3)

Nesse sentido, o modelo de gestão patrimonialista, no qual não há distinção entre o patrimônio do príncipe e o público e a ausência de critérios e métodos de gestão tem como consequência a corrupção, o clientelismo e o nepotismo.

O modelo burocrático, também denominado de burocrático weberiano, surge da incompatibilidade do modelo patrimonialista de governo com o modo de produção emergente, o capitalismo. Posto que, para o capitalismo é essencial a nítida separação entre o Estado e o mercado, sendo imperiosa a distinção entre o político e o administrador. Nesse contexto surge a administração burocrática moderna, pautada nas ideias efervescentes de racionalidade e legalidade. Desse modo, com o surgimento do capitalismo deu-se a necessidade de segregar a res publica dos bens privados. Para tanto dois institutos foram criados a democracia e a burocracia, esses conceituados por Bresser Pereira1:

Democracia é o instrumento político que protege os direitos civis contra a tirania, que assegura os direitos sociais contra a exploração e que afirma os direitos públicos em oposição ao rent-seeking. Burocracia é a instituição administrativa que usa, como instrumento para combater o nepotismo e a corrupção – dois traços, inerentes à administração patrimonialista -, os princípios de um serviço público profissional e de um sistema administrativo impessoal, formal e racional. (1998, p. 26)

Nesse passo, verifica-se que inicialmente a burocracia era um instrumento de proteção do patrimônio público eficiente as demandas sociais, pois estava em consonância com as atribuições do Estado minimalista, liberal do século XVIII, cuja as funções resumiam-se basicamente à garantir o livre exercício do direito de propriedade e a proteção frente aos inimigos externos.

Ocorre que, a ampliação das atribuições do Estado, que emergiram com o paradigma de Estado Social, tornou inviável o modelo burocrático. Posto que, os custos das novas funções estatais, quais sejam a prestação de serviços públicos nas searas sociais, sobretudo, na saúde, educação, bem como a necessidade de intervir na economia, em prol da justa concorrência, somadas ao custo da manutenção do próprio Estado, procedimentalizado, lento, caro e ineficiente, mostraram a patente incompatibilidade entre o modelo burocrático e as demandas do Estado de Bem-Estar-Social.

No tocante ao nascimento do modelo burocrático e a sua relação com o sociólogo alemão Max Weber, Leonardo Secchi pontualmente ensina:

O modelo burocrático weberiano é um modelo organizacional que desfrutou notável disseminação nas administrações públicas durante o século XX em todo o mundo. O modelo burocrático é atribuído a Max Weber, porque o sociólogo alemão analisou e sintetizou suas principais características. (2009, p. 351).

Ao analisar o modelo burocrático Weber observou que a fonte de poder dentro das organizações burocráticas tinha espeque no exercício da autoridade racional-legal, da qual decorriam três características que o estudioso elencou como sendo principais para caracterização do modelo burocrático, são elas: a formalidade; a impessoalidade e o profissionalismo.

Ademais, outros valores são inferidos quando do exame do modelo burocrático, dentre eles a ideia de equidade, pois a burocracia pugna pelo tratamento igualitário dentre os empregados que desempenham tarefas iguais, e a desconfiança geral que enseja o controle procedimental das tarefas.

No que concerne a busca pela eficiência no modelo burocrático tem-se que esta é a preocupação central. De modo que de um lado há os valores de eficiência econômica que impulsionam a alocação racional dos recursos, que na óptica de Weber implica na alocação racional das pessoas dentro da estrutura organizacional. Soma-se a isso o valor da eficiência administrativa que impõe à obediência aos preceitos formais (Secchi, 2009, p. 352).

No tocante à adoção da administração pública burocrática e ao pressuposto de eficiência inserto nesse modelo e a sua incapacidade de adequação ao novo modelo de Estado Social, Bresser-Pereira acertadamente leciona:

A administração pública burocrática clássica foi adotada porque era uma alternativa muito superior à administração patrimonialista do Estado. Entretanto o pressuposto de eficiência em que se baseava não se revelou real. No momento em eu o pequeno Estado liberal do século XIX deu definitivamente lugar ao grande Estado Social e econômico do século XX, verificou-se que não garantia nem rapidez, nem boa qualidade, nem custo baixo para os serviços prestados ao público. Na verdade a administração burocrática é lenta, cara, auto-referida, pouco ou nada orientada para o atendimento das demandas dos cidadãos. (1996, p. 5)

Nesse diapasão, no que tange a instituição no modelo burocrático no Brasil verifica-se que este foi introduzido a partir da segunda metade dos anos 30, em prol de enfrentar os problemas oriundos da arraigada cultura patrimonialista. O marco institucional da adoção do modelo burocrático no Brasil foi a criação do DASP – Departamento Administrativo do Serviço Público, em 1936.

Ademais, tem-se que após o golpe militar de abril de 1964 o regime implantado encontrou entraves para operação da máquina pública em razão de excesso de burocracia. Assim sendo, o regime militar aferiu a necessidade de alterar o modelo de gestão. Para tanto fazia-se necessária uma reforma administrativa, cujo principal marco fora o Decreto-Lei 200 de 1967, que para alguns consolida a primeira tentativa de implementação do Estado gerencial no Brasil. Nesse sentido, sobre o significado político do Decreto-Lei 200 de 1967 e seus mentores intelectuais, discorre Bresser-Pereira:

A primeira tentativa de reforma gerencial da administração pública, entretanto irá acontecer no final dos anos 60, através do Decreto-Lei 200, de 1967, sob o comando de Amaral Peixoto e a inspiração de Hélio Beltrão, que iria ser o pioneiro das novas ideias no Brasil. (1996, p. 6)

Contudo, a reforma administrativa ensaiada com o Decreto-Lei 200 de 1967, foi equivocada na medida em que a referida norma não previu mecanismos de controle. Dessa maneira, verifica-se que não obstante a reforma iniciada pelo sobredito ato normativo tenha consubstanciado numa tentativa de sobrepujar a rigidez do modelo burocrático, através da instituição de princípios de racionalidade administrativa, planejamento, orçamento, descentralização e controle dos resultados em vez de controle dos procedimentos, a reforma administrativa embutida o Decreto-Lei 200 não foi plenamente posta em prática e falhou.

Nesse sentido, sobre as consequências negativas advindas com a pretensa reforma consubstanciada no supramencionado ato normativo, discorre Bresser-Pereira:

O Decreto-Lei 200 teve, entretanto, duas consequências inesperadas e indesejáveis. De um lado, ao permitir a contratação de empregados sem concurso público, facilitou a sobrevivência de práticas patrimonialistas e fisiológicas. De outro lado, ao não se preocupar com mudanças no âmbito da administração direta ou central, que foi vista pejorativamente como “burocrática” ou rígida, deixou de realizar concursos e de desenvolver carreiras de altos administradores. O núcleo estratégico do Estado foi, na verdade, enfraquecido indevidamente através de uma estratégia oportunista do regime militar, que, ao invés de se preocupar com a formação de administradores públicos de alto nível selecionados através de concursos públicos, preferiu contratar os escalões superiores da administração através das empresas estatais (1996, p.7).

Assim, em razão das deficiências apresentadas pela pretensa reforma administrativa consubstanciada no Decreto-Lei 200 de 1967, acima descritas, o projeto de instituir no Brasil uma administração pública gerencial foi praticamente olvidado.

Contudo, em 1979 é criado o Programa Nacional de Desburocratização, sob a liderança de Hélio Beltrão, o arauto das novas ideias, cujo principal objetivo era a identificação dos procedimentos que obstaculizavam o pleno exercício da cidadania. Nesse sentido, eram apontados como problemas centrais a desconfiança excessiva, o formalismo demasiado e a centralização. Logo após, a empreitada ganhou status de Ministério dado à sua popularidade. Sobre as inovações trazidas pelo programa e sua curta existências explana Caio Marini:

O exemplo mais marcante foi a eliminação da obrigatoriedade de reconhecimento de firmas em documentos formais. Infelizmente, com a mesma velocidade os avanços foram descontinuados com a extinção do Programa (2004, p. 9).

Com efeito, tem-se que em 1988 com a promulgação da Constituição Federal, marco da transição democrática brasileira, restou evidenciado que se por um lado a Carta Magna consubstanciou um avanço quanto à participação popular e na inserção de valores relacionados ao exercício da cidadania e dos demais direitos fundamentais, por outro configurou um retrocesso no que tange à gestão da coisa pública.

Nesse diapasão, observa-se que os princípios norteadores da Administração Pública estabelecidos inicialmente na Constituição Federal são eminentemente baseados no modelo burocrático, é o que se afere do Título III- Da organização do Estado, especialmente o caput do artigo 37 da Constituição Federal, in verbis, “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade (…)”. Impende ressaltar que, o princípio da eficiência foi inserido com a Emenda Constitucional n° 19 de 1998, como parte da Reforma Administrativa, com vista à implementação do modelo gerencial de Estado no Brasil.

Ademais, cumpre asseverar que dos sobreditos princípios, suporte axiológico da Administração Pública, decorreram institutos e deveres de caráter burocrático. A exemplo da exigência de concurso público, lastreada no princípio da impessoalidade (art. 37, inciso II da CF), o formalismo e o controle dos procedimentos prelecionados em inúmeros dispositivos legais e infralegais, como se vê do art. 37, § 3º da CF.

Nesse sentido, tem-se, ainda, que a Constituição Federal de 1988 pauta-se no axioma burocrático de igualdade entre os servidores públicos da administração direta e indireta, consoante dispõe o artigo 39 da Carta Magna, in verbis “Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.”

Assim, os balaustres burocráticos de meritocracia e especializações estão previstos, respectivamente, no artigos 39 e parágrafos da CF, in verbis:

Art. 39. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único e planos de carreira para os servidores da administração pública direta, das autarquias e das fundações públicas.

§ 1º A fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará:

I – a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira;

II – os requisitos para a investidura;

III – as peculiaridades dos cargos.

§ 2º A União, os Estados e o Distrito Federal manterão escolas de governo para a formação e o aperfeiçoamento dos servidores públicos, constituindo-se a participação nos cursos um dos requisitos para a promoção na carreira, facultada, para isso, a celebração de convênios ou contratos entre os entes federados.

Nesse desiderato, observa-se que não obstante a Constituição Federal de 1988 se consubstancie no marco normativo do renascimento da democracia brasileira, que elege como seu fundamento e objetivos valores advindos da mais atual concepção de Estado, qual seja o Estado Democrático de Direito, a Carta Magna não segue a mesma tônica vanguardista quando estabelece um modelo de gestão que conserva em sua essência as idiossincrasias da forma de atuação burocrática.

3. O MODELO GERENCIAL DE ESTADO E A BUSCA PELA EFICIÊNCIA

O fenômeno da globalização impôs aos Estados a necessidade de reformular suas estruturas funcionais. Primeiramente pelas alterações da concepção sobre os elementos de sua composição, isto é, povo, território e soberania. Tendo em vista que, no mundo globalizado o povo não se limita aos nacionais, o território ultrapassa as fronteiras físicas e naturais e a soberania é flexibilizada em prol de uma ideia de “comunidade global”. Soma-se a isto, ainda, o fato da concorrência entre os Estados ter se tornado cada vez mais acirrada.

Nesse desiderato, cumpre observar o exame esboçado por José Eduardo Faria acerca do poder que as empresas possuem sobre os Estados e como o exercício deste poder leva ao acirramento da competição entre aqueles, sobretudo, aos países em desenvolvimento:

Essa facilidade de transferir ou “relocalizar” plantas industriais e unidades de trabalho intensivo conforme seus interesses estratégicos e cálculos de retorno financeiro confere, assim, a empresas mundiais e conglomerados transnacionais um extraordinário poder para barganhar – até leiloar – o lugar de sua instalação com os distintos setores e instâncias dos poderes públicos de qualquer Estado, independentemente do continente onde esteja localizado. A economia globalizada flutua livremente em escala planetária, o que lhe permite maximizar o poder empresarial diante dos Estados, estimulando a competição entre eles e os jogando uns contra os outros, principalmente os periféricos e semi-periféricos (2008, p. 26).

Não há uma data consolidada ou um marco histórico definido que estabeleça, indubitavelmente, quando o processo de globalização teve início, entretanto, suas repercussões afetaram com intensidade o paradigma de Estado em meados da década de 80.

Nesse sentido, acerca do fenômeno da globalização convém avocar o conceito construído por José Eduardo Faria:

Globalização é um conceito aberto e multiforme que denota a sobreposição do mundial sobre o nacional e envolve problemas e processos relativos à abertura e liberalização comerciais, à integração funcional de atividades econômicos internacionalmente dispersas, à competição interestadual por captais voláteis e ao advento de um sistema financeiro internacional sobre o qual os governos têm uma decrescente capacidade de comando e controle (2008, p. 3). (grifos do autor)

Nesse passo, com o alargamento das demandas econômicas e sociais advindas das novas relações travadas no mundo globalizado questionava-se qual seria o real papel do Estado. Em busca de soluções para a questão, de um lado uns sustentavam um Estado forte que interviesse e participasse ativamente na economia, outros, por sua vez, pugnavam por um Estado absenteísta.

Nesse contexto, Luiz Carlos Bresser Pereira, apresenta uma análise sistemática e cronológica sobre o processo de transformação do Estado nos idos das décadas de 80 e 90, e informa que a crise dos anos 80 foi uma crise decorrente do crescimento demasiado do Estado, pois este em razão do próprio crescimento perdia sua autonomia, já os 90 significavam o momento propício para a reforma do Estado e sobretudo a reforma administrativa (1998, p.7)

Com efeito, em razão dos prejuízos advindos dos paradigmas estatais que ora pregavam a total abstenção da máquina estatal e ora pugnavam pela maior ingerência e intervenção do Estado, fazia-se necessário à instituição de um novo paradigma que fosse capaz de solucionar os danos causados pelo excesso de cada regime de governo.

Nesse sentido, Bresser Pereira (1998, p.7) expõe que as tendências neoliberais ou neoconservadoras que pleiteavam à omissão do Estado no controle da economia reduzindo o Estado ao mínimo não correspondiam aos anseios sociais, de modo que a reestruturação organizacional do Poder Público tornou-se tema recorrente.

Ademais, na busca pela redefinição da atuação estatal que tivesse mais aptidão para atender as demandas da nova conjuntura econômico-social surge como alternativa o modelo gerencial de Estado, também conhecido como “nova administração”.

A perspectiva gerencial de Estado é oriunda de modelos e estratégias administrativas utilizadas no âmbito empresarial. Na seara da Administração Pública o modelo gerencial para Bresser Pereira (1998, p.7) provém da ideia de que os Estados democráticos são mais do que meros instrumentos de garantia ao direito de propriedade e da autonomia privada, o Estado é, portanto um ente dotado de legitimidade conferida pela vontade popular cujo munus público impõe a formulação e aplicação de política públicas estratégicas com vistas à atuação ágil, eficiente e otimizadas do aparelho estatal.

No tocante as características do modelo gerencial sob o enfoque de melhorias que aquele representa quanto ao paradigma burocrático de Estado Bresser Pereira elenca os traços básicos do modelo gerencial:

É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de grau limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos. (1998, p. 28)

No que diz respeito à superioridade do modelo gerencial frente ao modelo burocrático verifica-se que enquanto a Administração Pública burocrática preocupa-se demasiadamente com o controle preventivo à corrupção e ao nepotismo, fazendo-o através do controle dos procedimentos o modelo gerencial, por sua vez, pugna pela responsabilização do gestor, realizada mediante controle de desempenho traçado por critérios e metas de desempenho antecipadamente determinadas.

Já no que concerne a redefinição do papel do Estado brasileiro, denominada reforma administrativa, pontualmente, Santos (2006, p.3) identifica a decisão política que norteava o paradigma de Estado a ser adotado, qual seja a abertura da participação do capital privado na infraestrutura do país ocorrida no decurso do governo de Fernando Henrique Cardoso, sobretudo, durante seu primeiro mandato (1995-1998).

Nesse passo, sobre o real significado da reforma do Estado e sobre os pontos imprescindíveis à sua reestruturação Bresser Pereira explica que:

A reforma provavelmente significaria reduzir o Estado, limitar suas funções como produtor de bens e serviços e, em menor extensão, como regulador, mas implicará também ampliar suas funções no financiamento de atividades que envolvam externalidades ou direitos humanos básicos e na promoção da competitividade internacional das indústrias locais. (1998, p.23)

Ao discorrer sobre a intensidade da intervenção estatal brasileira e seus reflexos no desenvolvimento da economia, em contraponto a tendência de maximização da participação do setor privado em áreas antes restritas a atuação estatal, atrelada, ainda, a constante inquietação com a qualidade, satisfação da população, bem como, com o controle de gastos da administração, Santos expõe:

[…] a noção de que a intervenção estatal deveria ser reduzida, em prol do desenvolvimento da economia de mercado, resultou na imposição, independentemente de seus custos sociais, de políticas de ajustamento ou de reformas estruturais voltadas a reduzir o déficit público e a abrir caminho para a participação do setor privado em várias áreas cuja atuação era, tradicionalmente, reservada ao governo. No entanto, a grande questão consistia em saber se o setor privado iria garantir um patamar qualitativo de produto – e de universalização satisfatória – em relação a toda população brasileira (2006, p.3).

Ocorre que, não bastava “reduzir o déficit” do Estado era preciso buscar a qualidade e controlar gastos. No tocante à busca pela eficiência do Estado – que em linhas gerais se resume em diminuição dos custos e aumento da qualidade através da aplicação de métodos e estratégias racionalmente definidas e planejadas com fito da maior satisfação dos cidadãos e do desenvolvimento – Bresser Pereira (1998, p. 11) elenca como razão precípua o processo de globalização que acirrou a competição entre os países. O que tornou a administração pública burocrática obsoleta, consolidando a adoção do modelo gerencial baseado na descentralização e desconcentração do Estado, ou seja, voltada para o controle dos resultados e não mais do controle dos procedimentos.

Ademais, ressalta Bresser Pereira (1998, p.12) que a reforma administrativa requer a profissionalização da administração pública, ou seja, a criação de burocracias capacitadas e com autonomia contraria, portanto, ao modelo racional legal baseado na centralização e no controle formal de procedimentos.

Outrossim, salienta Bresser Pereira que a proteção dos direitos públicos carecia da democratização, ou seja, a efetividade do controle social do Poder Público dependia da real democracia participativa. Desse modo o sobredito autor, pontualmente, ao discorrer sobre a importância da democracia como instrumento hábil ao controle do Estado preleciona que “a democracia devia ser aprimorada para se tornar mais participativa ou mais direta, e a administração pública burocrática devia ser substituída por uma administração pública gerencial”. (1998, p. 2).

Nesse diapasão, cumpre ressaltar que, a reforma administrativa requer produção normativa para sua efetividade e legitimidade no Estado democrático de direto, qual seja a adequação das atribuições e competências dos entes e órgão que compõem a Administração Pública às reais necessidades sociais, política e econômicas. Posto que no Estado cujo regime de governo seja a democracia o seu atuar pauta-se na lei. É o que se infere do comando constitucional determina que a Administração Pública reger-se-á pelo princípio da legalidade disposto no caput do artigo 37 da Carta Magna de 1998.

Quanto à adoção do modelo gerencial no Brasil, o agente político precursor da sua implementação, Fernando Henrique Cardoso (1998, p.15), informa que reformar o Estado não equivale a desmantelá-lo, motivo pelo qual a reforma não equivale à desorganização, tampouco a diminuição da capacidade regulatória ou de liderança do processo de mudanças, definidor de seu rumo.

Neste passo, Fernando Henrique Cardoso discorre que modificar o Estado é, preliminarmente, abandonar visões do passado assistencialista e paternalista, que se concentravam em ações diretas para produção de bens e serviços. Por fim, salienta “que a produção de bens e serviços pode e deve ser transferida à sociedade, à iniciativa privada, com grande eficiência e com menor custo para o consumidor.” (1998, p.15).

Não obstante, a estruturação e planejamento da reforma administrativa requeiram intensa produção legislativa, sendo esta atividade indispensável, posto que o Estado Democrático de Direito requeira condutas lastreadas nas normas, ora na alteração ou ratificação dos diplomas existente, ora na criação de novos institutos. A mera elaboração de atos normativos que desenhem um Estado mais atuante e competente, por si só não finda as mudanças proclamadas.

No tocante as alterações na administração, sobretudo, quanto à ideia de qualidade e eficiência dos serviços públicos, Bresser Pereira salienta que:

Isto significa que nós temos que preparar a nossa administração para a superação dos modelos burocráticos do passado, de forma a incorporar técnicas gerenciais que introduzam na cultura do trabalho público as noções indispensáveis de qualidade, produtividade resultados, responsabilidade dos funcionários, entre outras. (1998, p.17).

No concernente às alterações e inovações legislativas destaca-se a Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998, que foi responsável por grandes modificações no regime sobre princípios e normas da Administração Pública, servidores e agentes políticos, controle de despesas e finanças públicas.

No tocante a relevância que a inovação normativa que a EC n° 19 de 1998 significou para o Estado brasileiro, sobretudo sob aspecto administrativo e político Bresser Pereira revela que:

Depois de amplamente debatida, a emenda constitucional da reforma administrativa foi remetida ao Congresso Nacional em agosto de 1995. À emenda seguiu-se a publicação de um documento ( Presidência da República do Brasil, 1995) sobre a reforma administrativa – o Plano diretor da reforma do aparelho do Estado -, cuja proposta básica é transformar a administração pública brasileira, de burocrática, em gerencial. Essa transformação passou a ser uma questão nacional. (1998, p. 22)

A sobredita Emenda Constitucional, dentre outras alterações ratificou o fulcro do Estado traçado sob o modelo gerencial ao inserir na cabeça do artigo 37 da Constituição brasileira o princípio da eficiência, exigindo que toda a performance da Administração Pública tenha espeque naquele princípio.

Deste modo, convém retomar com a devida minúcia ao conceito de eficiência, importa ratificar, ainda, que a função administrativa é sempre finalista, pois é exercida em nome e em favor de terceiro, razão pela qual não pode se escusar do agir com eficiência, sendo esta um conceito jurídico delineado que condiciona a validade e legitimidade do agir estatal, transcendendo, portanto a relação entre os resultados obtidos e os recursos empregados. Sobre o sentido do termo eficiência ensina Paulo Modesto que:

O termo eficiência não é privativo de nenhuma ciência; é um termo da língua natural, apropriado pelo legislador em sua acepção comum ou com sentido técnico próprio. São os juristas, como agentes ativos no processo de construção do sentido dos signos jurídicos, os responsáveis diretos pela exploração do conteúdo jurídico desse princípio no contexto do ordenamento normativo nacional. […] Se entendemos a atividade de gestão pública como atividade necessariamente racional e instrumental, voltada a servir ao público, na justa proporção das necessidades coletivas, temos de admitir como inadmissível juridicamente o comportamento administrativo negligente, contraprodutivo, ineficiente (2010, p. 107).

Ao desempenhar suas funções sob a égide do princípio constitucional da eficiência à Administração Pública é compelida à adotar uma estrutura nova, marcada pelos processos denominados como desconcentração e descentralização.

Nesse passo, sobre a reforma da estrutura do Estado e sua relação com a nova estratégia de gerencia da administração que deixa de ser burocrática e patrimonialista e passa a ser gerencial, Bresser Pereira discorre:

A administração pública gerencial envolve, […], uma mudança na estratégia de gerência, mas essa nova estratégia deve ser posta em prática em uma estrutura administrativa reformada. A ideia geral é descentralizar, delegar autoridade. Mas é preciso ser mais específico, definir claramente os setores que o Estado opera, as competência e as modalidades de administração mais adequada a cada setor. (1998, p. 33)

Com efeito, a desconcentração é a fragmentação oriunda da criação de órgãos dentro de um mesmo ente, marcada pela repartição de funções. De modo que para Santos (2006, p.46) via de regra essa distribuição ocorre com vistas à aproximação entre o serviço e o cidadão, posto que geralmente incide no âmbito geográfico. Na desconcentração a administração central fica encarregada do planejamento, coordenação, controle e supervisão da atividade estabelecendo diretrizes e princípios que alicerça o desempenho da atividade.

Por outro lado, a descentralização é um fenômeno mais complexo e profundo e funda-se na transferência de atribuição e, para tanto pressupõe a existência de pessoa distinta do Estado investida de poderes de administração, com vista ao exercício de atividades públicas ou desempenho de funções de utilidade pública.

Nesse diapasão, verifica-se que o modelo gerencial de Estado, surge da ampliação da concorrência dos Estados Nacionais frente às crescentes demandas do mundo globalizado, é marcado pela vinculação da atividade estatal à eficiência o que impõe o controle dos fins e não dos meios, por ser este afeto ao modelo burocrático. Outrossim, o modelo gerencial preza pela flexibilização e distanciamento do Estado da economia, restando a este as funções essenciais, a exemplo dos serviços vinculados ao exercício dos poderes de polícia. Por fim, tem-se que no modelo gerencial o provimento de produtos e serviço é designado à iniciativa privada, desde que observados a qualidade e os preços justos.

4. TERCEIRIZAÇÃO E A SUA (IN) APLICABILIDADE NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Com vistas a uma melhor compreensão acerca das hipóteses de aplicabilidade da terceirização na Administração Pública brasileira faz-se imperiosa a necessidade de examinar os conceitos trazidos pela ciência da Administração, visto que se trata de uma técnica de gestão; bem como uma análise detida sobre a regulamentação a que o fenômeno da terceirização está submetida no âmbito dos Direitos Privado e Público, respectivamente. A fim de examinar posteriormente a relação entre o uso da terceirização e a aplicabilidade do princípio constitucional da eficiência.

4.1 CONCEITO DE TERCEIRIZAÇÃO

A Terceirização é uma prática administrativa decorrente de uma estratégia empresarial, que visa, sobretudo, a diminuição dos custos de produção e a maximização da qualidade com vistas à maior eficiência e competitividade. Assim, convém avocar o ensinamento de Diogo Palau Flores dos Santos:

Trata-se de forma de condução dos negócios empresariais, em que se objetiva definir o que seja mais conveniente à empresa em face da competitividade. Portanto, a ideia de terceirização corresponde à constatação das formas distintas de organização relacionadas ao aspecto estratégico (2010, p.19.).

Desse modo, observa-se que o conceito de Terceirização é muito mais afeto à Ciência da Administração, e às Ciências Econômicas do que ao Direito. Portanto, a este último incumbe examinar a viabilidade jurídica das pretensões de terceirizar diante do direito positivo.

No que tange o escorço histórico da adoção da terceirização como estratégia administrativa, observa-se que esta técnica foi primeiramente adotada na gestão de capitais privados, em razão do emergente processo de globalização. Assim, o fenômeno da globalização impunha às empresas a diminuição dos custos com mão-de-obra e o aumento da qualidade dos bens produzidos em prol de garantir alguma competitividade em um mercado em constante expansão.

Diante do exposto, pode-se afirmar que a terceirização é uma atividade de gestão, um processo de reestruturação competitiva, decorrente dos fenômenos da globalização e flexibilização das relações trabalhistas, não obstante seu conteúdo jurídico. São dois os objetivos precípuos da terceirização, o primeiro consiste na otimização dos serviços prestados, visto que o objeto do contrato é uma empresa capacitada, organizada, especialista na prestação do serviço contratado o último é o barateamento dos custos de produção, principalmente, mão-de-obra.

Nesse passo, terceirizar figurava como modo de obter a prestação de um serviço de qualidade sem os ônus advindos da relação trabalhista. Pois a empresa contratante limita-se ao pagamento de determinada quantia estabelecida pela prestação do serviço enquanto outra empresa especializada na prestação do serviço contratado incumbe-se de todas as obrigações decorrentes da relação trabalhista, que ultrapassam os gastos pela remuneração das horas trabalhadas e incluem a título de exemplo os custos do aperfeiçoamento do trabalho a ser prestado. Nesse sentido, tem-se que a empresa contratada especializada lucra em razão da sua especificidade, enquanto a empresa contratante lucra ao voltar-se apenas para o seu objeto social descrito no seu estatuto.

Impende ressaltar que, a terceirização visa afastar a incidência do vínculo empregatício caracterizado pelos requisitos de onerosidade, subordinação, não-eventualidade e pessoalidade, ambos dispostos no artigo 3º do Decreto-Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943, Consolidação das Leis Trabalhista, (CLT), in verbis: “Art. 3º – Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário”.

No que concerne a aplicação da terceirização no Brasil, verifica-se que mais do que apenas a adoção de uma técnica de gestão a terceirização significou uma forma de sobreviver ao crescente acirramento do mercado. Nesse sentido, discorre Márcio Pochmann ao examinar o fenômeno das terceirizações no Brasil:

O movimento de terceirização dos contratos da mão-de-obra pela empresas no Brasil atendeu ao objetivo maior de assegurar a sua própria sobrevivência num contexto demarcado pela ampliação da competição intercapitalista desregulada e vinculada à inserção subordinada e passiva da economia nacional à globalização (2002, p.52.).

4.1.2 REGULAMENTAÇÃO DA TERCEIRIZAÇÃO NO DIREITO PRIVADO

No concernente à regulamentação das terceirizações pelo Direito Privado observa-se que tal fenômeno apresenta maior repercussão nas matérias afetas ao Direito Trabalhista, posto que a terceirização consolida uma dicotomia entre o fim precípuo da empresa, qual seja o lucro, da força produtiva, sendo esta última o trabalhador.

Nesse sentindo, dentre os contornos doutrinários afetos ao Direito do Trabalho convém observar a definição de terceirização apresentada pelo festejado Mauricio Godinho Delgado:

[…] é o fenômeno pelo qual se dissocia a relação econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por tal fenômeno insere-se o trabalhador no processo produtivo do tomador de serviços sem que se estendam a estes os laços justrabalhistas, que se preservam fixos com uma entidade interveniente. A terceirização provoca uma relação trilateral em face da contratação de força de trabalho no mercado capitalista: o obreiro, prestador de serviços, que realiza suas atividades materiais e intelectuais junto à empresa tomadora de serviços; a empresa terceirizante, que contrata este obreiro, firmando com ele os vínculos jurídicos trabalhistas pertinentes; a empresa tomadora de serviço, que recebe a prestação de labor, mas não assume a posição clássica de empregadora deste trabalhador envolvido (2007, p. 430).

Ocorre que, como a terceirização apresentava-se como uma perspectiva de maximização do desempenho das empresas e não havia qualquer regulamentação legal a este respeito gradativamente deu-se um aumento dos litígios envolvendo terceirizações, sobretudo na seara trabalhista.

As lides tinham como principal fato gerador a discussão quanto à responsabilidade dos passivos trabalhistas decorrentes das terceirizações. Desse modo, o fulcro das demandas era referente à natureza e os limites da responsabilidade da empresa que figurava como contratante dos serviços prestados pela contratada que por negligência, dolo ou insolvência não adimplia com as obrigações advindas das relações trabalhistas existente,apenas, entre a empresa contratada (terceira) e seus funcionários (terceirizados).

Nesse diapasão, em virtude do silêncio do Poder Legislativo em normatizar a matéria e em razão das divergências dos julgados em sede da Justiça do Trabalho o Tribunal Superior do Trabalho (TST) exarou enunciado de Súmula n° 239 em 1985, cujo conteúdo relava que o TST rechaçava qualquer modalidade de terceirização, a fim de preservar os vínculos empregatícios convencionais e assim proteger o trabalhador, in verbis:

SUM-239    BANCÁRIO. EMPREGADO DE EMPRESA DE PROCESSAMENTO DE DADOS (incorporadas as Orientações Jurisprudenciais nºs 64 e 126 da SBDI-1) – Res. 129/2005, DJ 20, 22 e 25.04.2005 É bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico, exceto quando a empresa de processamento de dados presta serviços a banco e a empresas não bancárias do mesmo grupo econômico ou a terceiros. (primeira parte – ex-Súmula nº 239 – Res. 15/1985, DJ 09.12.1985; segunda parte – ex-OJs nºs 64 e 126 da SBDI-1 – inseridas, respectivamente, em 13.09.1994 e 20.04.1998)Histórico: Súmula mantida – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003 Redação original – Res. 15/1985, DJ 05, 06 e 09.12.1985Nº 239 Bancário. Empregado de empresa de processamento de dadosÉ bancário o empregado de empresa de processamento de dados que presta serviço a banco integrante do mesmo grupo econômico.

Contudo, logo após constatou-se que as terceirizações por mais que fossem repelidas pelas jurisprudências prelecionadas pelo TST não podiam ser ignoradas, pois consubstanciavam uma realidade cada vez mais presente. Desse modo, posteriormente uma Súmula foi exarada pelo TST com fito de regulamentar e consolidar um posicionamento acerca das terceirizações.

Sobre a conjectura que deu azo à construção doutrinária da sobredita Súmula do TST, discorre Rodrigo de Lacerda Carelli que:

Com o crescimento de casos de terceirização ocorrido em meados dos anos 80, o Tribunal Superior do Trabalho começou, a esta época. A julgar casos a esse respeito, formando já um grande acervo de decisões, todas no sentido de rechaçar qualquer tipo de terceirização. O primeiro enunciado de súmula sobre a matéria a surgir foi o de n° 239, aprovado pela Resolução Administrativa do TST de n° 15/85, publicado no Diário da Justiça da União do dia 09 de dezembro de 1985. […] Logo após foi aprovado o Enunciado n° 256, pela Resolução Administrativa n° 04/86, publicado no Diário da Justiça da União de 30 de setembro de 1986 (2003, p.105).

Impende ressaltar que, não obstante houvesse na doutrina e na jurisprudência de forma majoritária um posicionamento contrário à terceirização a pressão exercida pelo capital privado compeliu paulatinamente que tal técnica administrativa fosse tão somente limitada e não abolida.

Nesse passo, cumpre observar o posicionamento de José Eduardo Faria a respeito da influência que as empresas exercem nos processos decisórios internos dos Estados no capitalismo globalizado, inclusive no que se refere às legislações trabalhistas:

À medida que o livre comércio se generaliza, as disputas pelo mercado se tornam mais acirradas e as empresas transnacionais passam a atuar como sistemas integrados, os processos decisórios nacionais são submetidos a pressões desregulamentadoras – sob a forma de privatizações de serviços essenciais, alienação de empresas públicas, revogação de monopólios estatais, substituição de estratégias protecionistas pela liberalização comercial, flexibilização da legislação trabalhista, redução de encargos sociais etc. – e acabam sendo reformulados ou redesenhados (2008, p. 31)

Nesse desiderato, o TST em vez de se contrapor completamente às terceirizações objetivou regulamentá-las, para tanto exarou a Súmula n° 256, versando sobre a ilegalidade de terceirização ressalvados os casos referentes a serviços temporários ou de vigilância, in verbis:

SUM-256    CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (cancelada) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003Salvo os casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis nºs 6.019, de 03.01.1974, e 7.102, de 20.06.1983, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços.Histórico: Revista pela Súmula nº 331 – Res. 23/1993, DJ 21.12.1993 e 04.01.1994Redação original – Res. 4/1986, DJ 30.09.1986, 01 e 02.10.1986

Ocorre que, o supramencionado enunciado não atendeu plenamente aos anseios do capital privado, visto que se fazia necess&aacu