Publicado por Wagner Francesco em JusBrasil
O papa Francisco, no dia 02 de Junho, enviou uma carta para um dos maiores criminalistas da atualidade, o argentino Eugenio Raúl Zaffaroni. A carta foi enviada para a Associação Latino-americana de Direito Penal e Criminologia e tem um claro conteúdo contra o aumento dos castigos.
O papa envia esta carta em um momento importante na Argentina onde se discute o Novo Código Penal e as diversas propostas para vencer a criminalidade. Lá, como aqui, há esta falsa sensação de que quanto mais dura a pena, menos crime. O papa Francisco caminha por outra via.
Na mensagem ele se apresenta contra o endurecimento das penas, critica a cobertura que muitas vezes os meios de comunicações dão aos casos policiais, apelando para o sensacionalismo, e pede para que o Estado trabalhe pela inclusão social dos delinquentes. Nas palavras do Papa,
Em nossa sociedade tendemos a pensar que os delitos se resolvem quando se pega e condena o delinquente, não levando em consideração o antes dos danos cometidos e sem prestar suficiente atenção à situação em que as vítimas estão. Portanto seria um erro identificar a reparação somente o castigo, confundir justiça com vingança, o que só contribui para incrementar a violência, que está institucionalizada. A experiência nos diz que o aumento e o endurecimento das penas com frequência não resolvem os problemas sociais e nem consegue diminuir os índices de delinquência.
Francisco argumenta também que
A delinquência tem as suas raízes nas desigualdades econômicas e sociais, nas redes de corrupção e do crime organizado. E não basta termos leis justas, mas também é necessário construir pessoas responsáveis e capazes de as pôr em prática. Devemos querer uma justiça que seja humanizadora, genuinamente reconciliadora, que leve o delinquente para um caminho de reabilitação social e total reinserção da comunidade.
Estas palavras do Papa Francisco estão de acordo com os argumentos do jurista alemão Louk Hulsman. Este escreveu um livro chamado “Penas perdidas: o sistema penal em questão”, onde traz o seguinte pensamento:
Gostaríamos que quem causou um dano ou um prejuízo sentisse remorsos, pesar, compaixão por aquele a quem fez mal. Mas como esperar que tais sentimentos possam nascer no coração de um homem esmagado por um castigo desmedido, que não compreende, que não aceita e não pode assimilar? Como este homem incompreendido, desprezado, massacrado, poderá refletir sobre as consequências de seu ato na vida da pessoa que atingiu? (…) Para o encarcerado, o sofrimento da prisão é o preço a ser pago por um ato que uma justiça fria colocou numa balança desumana. E, quando sair da prisão, terá pago um preço tão alto que, mais do que se sentir quites, muitas vezes acabará por abrigar novos sentimentos de ódio e agressividade. (…) O sistema penal endurece o condenado, jogando-o contra a ‘ordem social’ na qual pretende reintroduzi-lo, fazendo dele uma outra vítima.
Pois bem, diante da macabra moda do discurso de aprovar a pena de morte no Brasil, de incentivar linchamentos, de aplaudir torturas e coisas do gênero, convêm que façamos uma auto análise e perguntemos a nós próprios: o que queremos é justiça ou vingança? Como diz o teólogo Paul Tillich no livro “Amor, poder e Justiça”:
O conteúdo do princípio da justiça é a exigência de tratar cada pessoa como pessoa. A justiça é sempre violada se os seres humanos são tratados como se fossem coisas.
É preciso mudar o discurso e a prática, senão a gente vai continuar usando práticas criminosas dizendo que vai resolver a criminalidade. E precisamos abandonar urgentemente o discurso de que "os direitos humanos devem ser para os humanos direitos", não é? Jesus disse: "Os sãos não necessitam de médico, mas, sim, os que estão doentes; eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores ao arrependimento." (Marcos 2:17)