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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A Constituição em Ruínas

A partir de amanhã abre-se o prazo das convenções partidárias visando escolher os candidatos às eleições para a Presidência da República, Câmara Federal, Senado, governos estaduais e assembleias legislativas. A escolha de dirigentes para os principais cargos de direção da Administração Pública do país deveria, em principio, provocar o interesse da população destinatária das ações do governo, consagradas sob a denominação de políticas públicas. Como todos sabem, há enorme volume de reivindicações não atendidas, provocando desde junho do ano passado, sucessivas manifestações pleiteando a melhoria dos transportes públicos, da segurança, educação, saúde, mobilidade urbana, moradia, e o combate à corrupção.

Embora extensos os pleitos dos manifestantes, estes parecem não relacioná-los com a representação política, com os candidatos e os partidos das eleições de 5 de outubro. Dirão o horário da propaganda eleitoral na televisão e rádio não começou. Momento em que os postulantes e as suas propostas tornar-se-ão conhecidas. Não procede, pois apesar da proibição da propaganda eleitoral antecipada, é do conhecimento geral, há mais de um ano ela se faz. As multas aplicadas pela Justiça Eleitoral são recorridas, anistiadas ou revogadas por legislação elaborada pelos próprios interessados. Logo, não é por desconhecer candidatos e propostas, mas por deles descrer, conforme as pesquisas divulgadas, que o eleitorado não estabelece relação entre os seus anseios e a postulação dos cargos públicos eletivos.

Pesquisa Datafolha divulgada no último fim de semana concluiu: os candidatos às eleições presidenciais mantiveram a tendência de queda nas preferencias, elevando-se o percentual dos que pretendem votar em branco ou nulo, somando-se mais 30% de eleitores sem candidato. O quadro não se restringe a eleição presidencial, estendem-se aos governos estaduais, assembleias legislativas, Câmara Federal e Senado. Indicam à primeira vista, a agudização da crise de representação política, péssima para a legitimidade do regime. Agravam-se as dificuldades pelas promessas de deflagração de campanha nacional a favor do voto branco e do nulo.

Não é de agora, analistas políticos examinam os resultados das eleições e das pesquisas, e apontam para a gravidade do problema, propõem a reforma politico-eleitoral para contorná-lo. Tudo em vão. Os representantes do povo permanecem surdos ao clamor das ruas. Preferem as emendas cosméticas na legislação. Proceder às reformas profundas na legislação seria devolver o poder ao povo, contrariar os seus próprios interesses. Preferem adiá-las para as próximas eleições, e a cada ano aumenta o abismo entre os representados e os representantes.

As eleições adquiriram feição mercadológica, dominadas pelo dinheiro para a compra dos votos, e pelos marqueteiros, hábeis em transformar os candidatos em produtos, juntamente com as promessas mirabolantes, distantes das reais necessidades do eleitorado. Depois, no exercício do mandato, as atividades serão pautadas por negócios entre amigos, enquanto a população padece as dificuldades materiais do cotidiano. 

A origem do desinteresse do eleitorado está no divórcio entre ele e os seus representantes institucionais. Na Primeira República, entre 1889 e 1930, aconteceu algo semelhante entre a população e os representantes políticos. Ruy Barbosa, mentor intelectual da Constituição de 1891, percebeu, e propôs a revisão para adequá-la aos interesses dos representados. Em vão, a reforma foi superficial para salvaguardar os privilégios dos congressistas. Ele advertiu na palestra a “A Constituição em Ruinas”, proferida em 1914: “A Constituição está em destroços (…). (Mas não é ela) que está em perigo: é a pátria, o Brasil (…). Se não erguermos um grande movimento de reabilitação, a falência da nacionalidade estará declarada”.

O mesmo jurista que em Manifesto a Nação em 1892, alardeara: “Com a lei, pela lei e dentro da lei; porque fora da lei da não salvação…”. Ele não estava proclamando a revolução, mas as suas palavras inspiraram as quarteladas que se seguiram na década de vinte, até desembocar no pronunciamento militar, chamado de Revolução de Trinta,

Não se fez a Reforma Constitucional preconizada por Ruy, a força das armas encarregaram-se de fazê-la. A História, de outro modo, pode repetir-se cem anos depois. As ruas clamam para que os políticos reformem a Constituição de 88 a fim de que se faça legitimamente representar e participar dos atos do governo. Se não for ouvida, poderemos caminhar para rupturas institucionais não desejadas. Se fará em nome do Direito, situado acima das leis dos que teimam em repetir as mesmas práticas, talvez por cegueira ou ignorância histórica. Nesse caso, os números das pesquisas não mentem jamais. Quem tiver olhos e ouvidos, que veja e ouça.

Em homenagem a Ruy e ao seu dom de profecia, cem anos depois, adoto para a epígrafe deste texto, a mesma da palestra de 1914.

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