Publicado por Antonio Navalón em El País
O ministro do Esporte brasileiro, Aldo Rebelo, disse que Dilma Rousseff não iria à abertura da Copa do Mundo. E a presidenta, mostrando ter uma mente aberta, que está incluída em seu salário, foi e ouviu o apito que deu início ao jogo entre Brasil e Croácia. E escutou também as vaias e xingamentos para os quais já estava preparada porque costumam acompanhar a comitiva presidencial.
São Paulo é como Madri e é também como qualquer outro lugar do mundo. O problema parece muito complicado, mas no fundo é muito simples: não há bala nem exército capazes de deter as vontades do povo.
Por isso, o que revelam as imagens do Exército nas ruas, seja ao vivo ou pela televisão, é que, na era do Twitter, os que têm medo são os uniformizados, representantes de uma ordem já insustentável porque a semente da desordem vem da desigualdade. Os incidentes do Rio, de São Paulo, Madri, Barcelona ou Paris não são lamentáveis; o que é lamentável é a linguagem, porque as promessas já ficaram para trás.
O século XX nasceu como o “século da educação”, da informação. E, quanto maior a educação, maior o inconformismo. E, sobretudo, um fato inevitável: esse conhecimento, acessível a todos em forma de celular, provocou que a população se tornasse mais exigente e menos propensa a comprar as promessas políticas que são como o golpe do bilhete de loteria premiado. No fundo, é um problema de linguagem. O tempo das promessas desgarrou-se da linguagem dos fatos. Não se pode estar contra a história e a história tem levado, pela primeira vez, as pessoas a saberem mais rápido de que elas precisam do que a descobrirem a mentira que receberão.
Por que Mandela pôde agonizar ao grito de algo fantasmagórico, como era o estádio de Johannesburgo, que não tem nada a ver com a África do Sul que acolheu o Mundial de 2010? Porque as pessoas precisam de sonhos.
A grande diferença agora reside em que, quando alguém faz uma mudança, dando a cada cidadão essa arma de destruição em massa que são as comunicações modernas, tem que estar disposto a responder à velocidade com a qual o povo aprende a dominá-las.
É a linguagem. O terror dos militares, a ausência de medo das pessoas, o conhecimento do que é meu, é aqui e agora, de que a fome não espera pelos planos de infraestrutura, é isso que está quebrando tudo. E, enquanto isso, pretende-se combater as doenças de hoje com os fuzis de ontem. Já chegamos à cultura da comunicação, já estamos na era da educação. Já é massiva a convicção de que as pessoas têm direitos. Agora, em vez de contestar com balas de borracha, com gás lacrimogênio, o que os governos precisam fazer é entender essa mensagem e construir um diálogo com seu povo. O mundo não pode ser assembleísta, porque as assembleias começam com a chegada da primavera, mas depois, se você se descuida, surge um governo militar.
Se esse momento não é superado, estamos todos condenados a sermos Dilma Rousseff? O massacre de Tlatelolco forjou a história moderna do México e colocou uma marca indelével de letra escarlate em uma nova geração de mexicanos. Nesta Copa do Mundo, se não há um consenso claro da linguagem, das vozes da rua, da relação assimétrica que se produziu entre poder, poderosos e oprimidos, só dá para imaginar o que acontecerá no fim das próximas Olimpíadas. Porque as pessoas não se conformam com o bom que já fomos um dia, agora elas querem comer pão e estar no circo.
As pessoas querem ser grandes aqui e agora, ir aos estádios que não podem pagar – não são todos os brasileiros que podem comprar um ingresso –, morrer nos mesmos hospitais da elite, combater os sequestros em São Paulo com helicópteros, como os ricos, querem ter um carro e poder viajar. E tudo isso, quem trouxe, foi o oxigênio do conhecimento. Hoje, o efeito borboleta começa no Brasil, segue por toda a América e fala espanhol e inglês, não apenas português, porque as asas desta borboleta estão construídas nos enormes desajustes sociais que correm por toda a América, incluindo os Estados Unidos.