Publicado por Luiz Flávio Gomes em JusBrasil
Somos o campeão mundial em assassinatos (em números absolutos: 56.337 mortes em 2012). Grande parte desses óbitos intencionais (1.347.653, de 1980 até este minuto que escrevo – veja o delitômetro do Instituto Avante Brasil) faz parte do genocídio estatal brasileiro (algo próximo de 20%). São mortes produzidas pela maquinaria de guerra do Estado assim como contra os próprios agentes do Estado. Reunindo-se todas as características dessas mortes em série (quem mata, quem morre, onde morre, motivos, circunstâncias, negligência do Estado na apuração dos crimes, ausência de reparação dos danos, carência de uma política pública de prevenção da violência, letalidade policial altíssima etc.) não há como não admitir que se trata de um genocídio estatal (adotando-se o novo conceito de genocídio de Morrison, Zaffaroni etc.). Genocídio é crime contra a humanidade, não anistiável e imprescritível. O Judiciário, ao rejeitar o processamento dos militares no caso Riocentro (O Globo 3/7/14: 3), também faz parte desse genocídio coletivo. Essa decisão conflita frontalmente com o julgado de 2010 da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Caso Araguaia), que deixou muito claro que esses crimes não são anistiáveis nem prescritíveis.
Negar a participação do Estado no caso Riocentro é o mesmo que refutar a luz do sol. A atitude reprovável dos juízes bem como das Forças Armadas de negarem qualquer tortura ou envolvimento do Estado nos crimes da ditadura constitui mais uma prova inequívoca de que o genocídio coletivo aqui constitui mesmo uma política pública do Estado (que conta com apoio de uma boa parcela da população). Documentos dos EUA (43 relatos), agora revelados (O Globo 3/7/14: 3), comprovam que houve participação do Estado nas torturas, assassinatos e desaparecimentos de pessoas durante a ditadura militar. O sol nunca se tapa com a peneira. Algumas autoridades brasileiras, comportando-se como sociedade de massas, estão fazendo de tudo para não cumprir a decisão da CIDH. Não estão respeitando a coisa julgada. Isso é antijurídico, mas, antes de tudo, profundamente imoral. Quem assume compromissos internacionais tem que cumpri-los (“pacta sunt servanda”). Em matéria de respeito aos direitos fundamentais o Brasil continua sendo um país de terceiro mundo que, parafraseando Ortega y Gasset, se arrasta invertebrado como uma sociedade de massas, não somente em sua estrutura política corruptamente podre, senão, sobretudo, o que é mais preocupante e substantivo que a política, na convivência social mesma bem como na inconsistência e fragilidade das suas instituições (incluindo as jurídicas). A máquina pública brasileira está em frangalhos, depauperada, degenerada. Hoje não funciona uma instituição, amanhã outra, depois outra, até que sobrevenha o definitivo colapso histórico da 1ª República pós-redemocratização (que se avizinha rapidamente).