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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Os Herdeiros

“O Imparcial” na edição do dia 13 do corrente mês teve como manchete: “Herdeiros Políticos”, o subtexto explicava: “aposentadoria e problemas com a Justiça são as causas mais comuns para indicação dos filhos de políticos tradicionais como candidatos”. A matéria sugestiva da editoria indicava os espaços ocupados pelos herdeiros de políticos que os sucederão nas atividades públicas. O que há de republicano no comportamento dessas lideranças, que vem se repetindo não apenas no Maranhão, mas em todos os estados da federação brasileira. Se poderá dizer que a postura se repete em outras democracias ocidentais.

Só para ficar nos Estados Unidos, país apresentado como o modelo da Democracia ocidental, em sua história recente, aparecem os descendentes das famílias Kennedy, Bush, Clinton, sempre postulando cargos eletivos, fenômeno assemelhado a sucessão própria das monarquias, alguns diriam ou das repúblicas oligárquicas. Existem diferenças nucleares entre a participação política da família real, operada por uma dinastia hereditária e vitalícia, baseada em Direito divino e sanguíneo e os cargos republicanos escolhidos em votação pelos colégios eleitorais formados pelos cidadãos. A República é por natureza eletiva e democrática, ainda que existam países que a adotem nominalmente, mas na realidade o poder é exercido ditatorialmente por um grupo representado pelo presidente.

Depois que a justificação da monarquia pela origem divina foi substituída pela soberania popular, as famílias reais exercem tarefas protocolares, simbolizam a nação, mas não governam. Em alguns casos permanecem populares, como na Inglaterra, em outros, se veem ameaçadas por comportamentos inadequados de seus membros, vide o exemplo da Espanha.

Mas ingleses e espanhóis não podem negar, vivem em uma democracia parlamentar, chefiada pelo primeiro-ministro exercendo a chefia do governo em nome do povo, através de representantes eleitos, integrantes dos partidos políticos com assento no Parlamento. Os monarquistas nesses países sustentam, a família real simboliza e encarna a unidade nacional.

Tanto no caso das monarquias quanto das repúblicas, atualmente quase no mundo inteiro, os povos exigem a democracia e o comportamento repúblico de parte dos homens públicos. A primeira condição é separar os bens e os interesses privados dos públicos, a estes últimos devem servir os que se elegem para esse fim.

O Brasil pela formação histórica patrimonialista, pela confusão entre o público e o privado, sofre desse mal desde os primórdios da colonização. Frei Vicente do Salvador, frade franciscano que viveu entre 1564 e 1636, escreveu a primeira História do Brasil, publicada em 1627, por isso é considerado o “Heródoto brasileiro”, o pai da nossa historiografia.

Nessa obra fundamental o religioso, pouco mais de um século depois de iniciada a colonização descreve com as seguintes palavras o comportamento dos homens públicos de então: “Nem um homem nesta terra é repúblico, nem zela e trata do bem comum, senão cada um do bem particular”.

O que mudou de Frei Vicente do Salvador para cá? Pouco ou quase nada. De colônia passamos a país independente, primeiro com a forma monárquica, depois, com a republicana, e ao longo desse tempo a tradição da apropriação privada da coisa pública se consolidou com prejuízos acumulados ao interesse coletivo. O povo, a sociedade, são meros assistentes do jogo do poder, têm participação meramente formal no jogo eleitoral. Há, contudo um inegável desejo de mudar essa realidade em razão da evolução da consciência política dos brasileiros.

Está claro que não se pode confundir os negócios públicos com os privados, nestes últimos cabe a sucessão hereditária, nas empresas e profissões, jamais, em cargos públicos, nos três poderes da República. A política se faz pela escolha dos eleitores e pela vocação de servir ao interesse público, nunca por sucessão ou herança. Admitir essa prática é desfigurar a democracia e transformar a república em oligarquia.

O cineasta Cacá Diegues em filme por ele escrito e dirigido descreve a saga da família Campos Almeida e suas relações com o poder público desde a revolução de trinta, que de revolução nada teve até a de 64, como a primeira, um golpe militar. A película intitulada “Os Herdeiros” é uma reflexão histórica de porque tudo parece mudar e nada muda no país.

O Estado brasileiro deve estar a serviço do povo brasileiro e ser por ele governado, os herdeiros que cuidem dos seus negócios particulares. Ao povo o que é do povo.

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