Publicado por Sergio Henrique em JusNavigandi
O artigo aborda uma nova modalidade de ressocializar os adolescentes e as crianças que cometeram crimes. De outra parte, analisa a realidade brasileira e o sucesso do programa.
Os EUA é um país de grandes contrastes: dois terços de sua população são formados por pessoas estrangeiras; as religiões são diversificadas, e não se veem atrocidades como na Europa e Oriente Médio; é um dos maiores defensores dos direitos humanos, mas tem pena de morte e prisão perpétua; há um número crescente de homicídios nas instituições de ensino; boa parte das drogas (ilícitas) é consumida pelos norte-americanos; dois terço dos recursos naturais no mundo são consumidos pelos norte-americanos, o que leva a pensar que um segundo país como os EUA levaria a escassez, em pouquíssimo tempo, dos recursos naturais mundialmente. Só alguns fatos.
Apesar da prisão perpétua e da pena de morte, os EUA investem na educação desde os primeiros anos de vida de seus cidadãos e na ressocialização de presidiários, quando não condenados a pena de morte ou prisão perpétua. Mesmo condenado à prisão perpétua ou à pena de morte, o presidiário tem seus direitos humanos garantidos, enquanto em poder do Estado norte-americano. Os presídios são asseados, as refeições são nutritivas, as celas proporcionam um mínimo de conforto; em alguns casos, dependendo do tipo de presidiário e sua sentença, há a possibilidade de frequentar salas de leituras, musculação. Isso não quer dizer que os EUA sejam uma maravilha, pois há muitos problemas, desde gangues até terrorismos interno.
No estado de Maryland, nos EUA, um programa de “conscientização” está sendo aplicado às crianças e aos adolescentes que cometem crimes (nos Estados Unidos não existe idade mínima para a aplicação de pena). O programa se chama “Tratamento de Choque”; esse programa consiste em levar crianças e adolescentes, que cometeram crimes, para Maryland Correctional Institution Jessup. Interessante que os próprios pais dos adolescentes e das crianças apoiam tal medida. Os adolescentes e as crianças são colocados de frente com presidiários que cometeram assassinatos, estupros, que tiveram penas perpétuas.
O “Programa de Impacto” tem como objetivo impressionar os jovens através dos relatos dos próprios presos. Tais relatos são de como começaram na vida criminosa até irem parar atrás das grades. Os próprios presidiários recriminam e não aprovam condutas dos adolescentes, como desrespeito aos pais, depredações aos bens públicos, brigas, participações em gangues. A pressão aumenta quando os presidiários começam a relatar as regras dentro da prisão: “Vocês estão aqui agora e vocês pertencem agora a nós”, “Rir dentro de um presídio é conotação sexual”, “Olhar fixamente para outro preso é desafiá-lo”, “No momento da refeição todos os presos se amontoam e quando há desentendimentos (brigas) as portas do refeitório são trancadas, nada, no momento, para separar um preso do outro, e todos têm bandejas e talheres (facas) nas mãos”, “Os mais antigos ditam regras e os novatos devem obedecer, cegamente”.
As falas e os gestos dos presos impressionam os jovens. Em outros momentos, cada jovem é levado pelos presidiários para os “pontos cegos” – locais onde não têm câmeras de vigilância, como os banheiros, por exemplo. Desafiam, tiram tênis e roupas dos jovens que estão no “ponto cego”. As pressões psicológicas são grandes e atemorizam os jovens. O clímax dentro do “ponto cego” atinge o auge quando os presidiários falam “Aqui ninguém ‘vê’ nada o que acontece.” – alusão aos espancamentos, furtos etc. Algumas jovens choram, os presidiários dizem: “Quem rouba não pode chorar, pois estraga a vida de outra pessoa”. Continuando na incursão dentro do presídio de Maryland, os jovens visitam as solitárias. Outra pressão psicológica é quanto ao risco de ser estuprado dentro da própria cela: “Vocês não sabem quem está ao seu lado”. Terror, os jovens são pressionados por vários presidiários desde gestos até falas como “Eu quero você (minha mulher)”.
Talvez o ápice do terror psicológico seja a visita ao banheiro: “Aqui tem mais de cinquenta presos tomando banho, imaginem o que pode acontecer, principalmente com os novatos e os mais jovens (idade)”. Algumas fotos são mostradas aos jovens. São fotos de presidiários mortos durante rebeliões e emboscadas nos “pontos cegos”.
E como seria no Brasil?
Os jovens seriam levados para dentro de algum presídio. Já dentro, algum presidiário falaria: “Aí, irmão (de facção), leva essa mensagem para o chefe (dono do morro)”. O jovem receberia indicação de resistência contra os policiais e demais facções que quisessem invadir o morro; além disso, receberia ordens para continuar no programa e ser um informante em potencial. Por quê? Porque o sistema prisional brasileiro, apesar das péssimas condições, se tornou oportunidades para comandar, arquitetar planos. Mesmo atrás dos muros, os presidiários não perdem contatos com suas facções, continuam furtando e lucrando através dos golpes (estelionatos) com seus celulares. Os jovens pensariam: “Vale a pena ser criminoso: casa, roupa lavada, investimentos diversos (estelionato) e proteção do Estado”.
Sim, o Estado – culpa dos ociosos gestores públicos, ao longo dos séculos – não resolveu os problemas em suas origens: fome, impossibilidade de ascensão na mobilidade social, discriminações, socialização e ressocialização funestas. Os crimes de autoridades públicas recebem todos os meios legais para proteger a honra, a imagem, a saúde dos ímprobos. Aos párias, a certeza de uma justiça arcaica, desumana, darwinista (social) e eugênica. Desde a educação, justiça e até os presídios há regras diferenciando classes sociais, poderes econômicos, influências políticas. O passado do Brasil é ignóbil, o futuro, se não mudarmos as condutas do Estado, não será grandioso, como é o território, mas um país de puro sadismo.