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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A Tragédia de Agosto

A economista Tânia Bacelar, professora da Universidade Federal de Pernambuco, exerceu o cargo de Secretária de Planejamento do governo Miguel Arraes entre 1987 e 1990. Intelectual prestigiada nos meios acadêmicos do país, a convidamos para proferir palestra na Escola de Formação de Governantes sobre planejamento estratégico. Sabia que Miguel Arraes era um fenômeno político no Estado de Pernambuco, apesar de sua sisudez e laconicidade. Aproveitei e perguntei-lhe: “professora me explique porque Arraes tem tanta popularidade por lá, apesar do discurso curto e da dicção ruim?” Resposta: “Arraes governou para os pobres”. E prosseguiu dissertando sobre a eletrificação das zonas mais pobres do Estado.

Membro da Comissão de Justiça e Paz soube que vinha atuando como consultora do programa de governo do candidato a presidente Eduardo Campos, neto de Miguel Arraes e seu herdeiro político, desaparecido no fatídico acidente aeronáutico do último dia 13. Não há como ficar indiferente a tragédia grega que se abateu sobre as famílias dos mortos, sobretudo a daquele que encarnava as promessas de esperanças de tantos brasileiros.

Partilhando da sua dor, não se pode deixar de fazer algumas reflexões sobre o infausto acontecimento e o atual cenário da política nacional. É evidente o esgotamento do sistema político-eleitoral que aí está. Os partidos não têm representatividade e as alianças são circunstanciais em função do horário da propaganda no rádio e na televisão e dos interesses pessoais.

Em 1930 o quadro era semelhante, o sistema havia se esgotado, seus integrantes digladiavam-se internamente. A solução não podia ser eleitoral porque as eleições eram feitas ao bico da pena e saiam ao gosto dos donos do poder. A alternativa de mudança foi a quartelada que derrubou o presidente Washington Luís, depois batizada de revolução de trinta.

Uma morte precipitou os acontecimentos, o presidente da Paraíba, era assim que se chamavam os governadores dos Estados na República Velha, João Pessoa, sobrinho de Epitácio Pessoa, ex-presidente da República, foi assassinado por motivações passionais e políticas. No crime envolveram-se famílias importantes do sertão da Paraíba e de Pernambuco, Dantas, Suassuna, esta última ascendente da viúva de Eduardo Campos. O fato é que a morte de João Pessoa foi o estopim para a deflagração do movimento liderado por Getúlio Vargas, ex-ministro da Fazenda de Washington Luís, que terminou por depô-lo.

Decorridos mais de oitenta anos da Revolução de Trinta, é possível que a morte de Eduardo Campos concorra para a alteração do quadro sucessório, promovendo uma revolução pelo voto, no sentido da mudança das regras do jogo atualmente postas. É muito cedo para as previsões, mas não para as análises no plano estrito da racionalidade.

Utilizando categorias da sociologia weberiana, pode se dizer que no Brasil há tendência para as lideranças carismáticas, desde a independência política, costurada por José Bonifácio e outros patriotas, depois atribuída às qualidades pessoais de Dom Pedro I. Seu filho, talvez por não reuni-las, concorreu para o fim do segundo império.

A República foi busca-la em Deodoro, Floriano, em Getúlio Vargas, o conservador e positivista presidente do Rio Grande do Sul, a quem foram atribuídas qualidades revolucionárias. Depois surgiram outras tentativas de líderes providenciais, Jânio Quadros, Tancredo, Fernando Collor, todos eles fracassados por uma razão simples, eles não existem. Mas o mito sobrevive na cultura luso-brasileira desde o sebastianismo português.

Após o fechamento do ciclo autoritário, onde se deu  a tentativa do Médici, surgiu a liderança de Luís Inácio Lula da Silva, para muitos, o novo pai dos pobres. A tipologia carismática dispensa os partidos políticos, por estabelecer ligação direta entre o povo e o líder, circunstancia no caso brasileiro, fortalecida pelo fato de os partidos políticos no país não terem vingado.

Eduardo Campos, herdeiro da liderança regional populista do avô, era uma promessa de líder nacional carismático, acentuando-se pela excelente aparência física e por um discurso articulado, moderno, com promessas de mudanças. Por isso era temido. Uma importante revista de circulação nacional publicou meses atrás a matéria de capa: “quem tem medo de Eduardo Campos?”.

Todos são sabedores da falência do atual sistema político-eleitoral e dos seus protagonistas, e estavam convencidos que uma nova liderança carismática poderia desestabilizá-los. Mas a lamentável morte de Eduardo Campos, a tragédia de agosto, enseja a que se pondere, para a democracia, interessa o fortalecimento das instituições, pois os homens providenciais são mitos.

Importa é educar o povo para o exercício dos seus direitos e a escolha de bons governantes.

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