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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Os principais problemas de nosso sistema político.

Publicado por José Herval Sampaio Júnior em jusbrasil.com.br

Dentro de nossa luta incessante por um Brasil melhor, na qualidade de cidadão e estudioso do sistema eleitoral brasileiro, trago hoje nesse espaço uma entrevista fantástica de Djalma Pinto, um dos baluartes do que cognominamos de novo eleitoral, em nosso site de mesmo nome, já conhecido dos amigos e amigas, a qual de modo bem didático e direto enfrenta os verdadeiros problemas de nosso sistema político.

Sem mais delongas, até mesmo porque a sua fala resume tudo que a gente vem tratando em nosso livro e nesse blog, clamando aos que não aguentam mais tanta safadeza que divulguem e ao mesmo tempo possamos discutir melhor algumas soluções, com a expectativa de que esse ano ainda a reforma do sistema político saia do papel, pois do jeito que está acredito que ninguém aguenta mais. Vamos ao texto:

Em entrevista concedida à Revista Leituras da História, gentilmente cedida para publicação emwww.novoeleitoral.com, o Advogado e articulista Djalma Pinto fala sobre eleições, ética na política, corrupção e diversos outros assuntos relacionados ao direito eleitoral e política no Brasil.

1. Como o senhor define um político que pratica a Ética na Política? Quais são seus principais atributos e o que nunca deveria constar em sua pauta de trabalho?

Djalma Pinto – Político ético é aquele cujas ações são sempre direcionadas para a realização do bem comum. São atributos básicos na realização do seu trabalho: 1) intransigente respeito ao dinheiro público; 2) repúdio a qualquer ação ou liberação de verba com desvio de finalidade; c) compromisso com a verdade; d) respeito ao pluralismo; e) não utilização do poder para perseguir adversários; f) observância integral dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Por outro lado, na sua pauta de trabalho, nunca deve constar a utilização do cargo com a finalidade de extração de proveito pessoal.

2. Parece haver um consenso que os políticos brasileiros, de uma forma geral, não andam primando por um comportamento ético. No seu entender, essa idéia corresponde à realidade de que a maioria realmente está envolvida em conchavos e negócios ilícitos como sabemos pela imprensa? Ou são os bons exemplos nunca viram notícia?

Djalma Pinto – Não há como fugir à realidade, há excesso de distorções no exercício do poder na República. A certeza da impunidade, por certo, estaria na base da prática dessas ilicitudes. A sociedade, por outro lado, não recrimina com a veemência necessária quem pratica desvios no exercício da função pública. Essa particularidade fica bem nítida, na seguinte constatação: se um cidadão retira o dinheiro da bolsa de alguém, na rua, é taxado de ladrão e poderá ser linchado de forma implacável. Já o cidadão, que retira o dinheiro da merenda escolar destinado às crianças carentes, é qualificado apenas de ímprobo. Não recebe o repúdio da população com a mesma ênfase dispensada ao batedor de carteira. Mesmo que passe cinco dias preso, consegue ser eleito, sendo, surpreendentemente, indicado pelos eleitores para conduzir os recursos públicos. Nesse cenário de indigência cívica, a imprensa, mesmo com eventuais excessos, cumpre um grande papel, informando ao público as irregularidades. A ausência de governantes, que sirvam de paradigma para a nação, explica a ausência de bons exemplos a serem noticiados.

3. Desde junho de 2013, a sociedade brasileira sai às ruas em protestos, rejeita os partidos políticos e não aceita ser representada por eles. Para o senhor, o que significa esse tipo de comportamento?

Djalma Pinto – O protesto, em última análise, é uma simples reação à falta de educação de muitos detentores de mandato para a condução dos negócios públicos. Mais precisamente, à falta generalizada de preparo dos indivíduos para o exercício da representação política e para o bom desempenho em cargo público relevante. O cidadão estuda nos melhores colégios, é um grande profissional, mas não pode ver dinheiro da população, quer logo fraudar concorrência, exigir propina, invocando o argumento básico para justificar sua ilicitude: “o custeio de campanha”. O povo é excluído da formulação das políticas públicas. Estas não levam em consideração as prioridades da população que, por sua vez, reage expondo sua indignação nas ruas.

4. Parece existir uma ambiguidade nessa rejeição aos partidos e seus representantes, na medida em que os políticos rejeitados foram (e muitos continuam sendo) eleitos por esse mesmo povo. Em que medida o cidadão brasileiro pode também ser responsabilizado pela conduta de certos políticos se, depois de passadas as eleições, não temos por hábito acompanhar, cobrar o trabalho de quem elegemos, seja para o Legislativo e para o Executivo em todos os níveis? Como poderíamos participar política efetivamente?

Djalma Pinto – Os representantes do povo, salvo honrosas exceções, consideram irrelevantes os interesses dos representados que, a despeito desse descaso, os recolocam no poder por absoluta indiferença, como regra, à atuação dos eleitos. Para reverter esse quadro, precisamos fazer uma verdadeira revolução de mentalidade, a partir do próprio conceito de educação, que não deverá se restringir apenas à transmissão do saber, mas, igualmente, de valores de uma geração para a outra. Dentre esses valores, deve ser disseminado o pluralismo, o respeito ao dinheiro público, a supremacia do interesse coletivo, a justiça como virtude, a solidariedade, a igualdade, o pluralismo etc. A partir da propagação desses valores, será fácil a compreensão de que o mandato político é um instrumento para servir à coletividade e não ao bolso do representante eleito pelo povo, devendo ser exemplarmente punido aquele que comete ilicitudes no seu exercício. Nesse cenário com uma melhor percepção sobre a finalidade do mandato, tanto os partidos oferecerão melhores opções aos eleitores, apresentando candidatos comprometidos com a probidade e com a eficiência, como os eleitores passarão a ser mais criteriosos na escolha. Como reação imediata ao quadro de grave distorção vivenciado no presente, deve-se efetivamente punir com a sanção prevista no art. 299 do Código Eleitoral, não apenas o candidato, mas igualmente o eleitor que vende o voto. Deve-se, igualmente, exigir absoluta prioridade no julgamento das ações penais em que figuram como réus políticos detentores de mandato eletivo. Outra forma de participação dos cidadãos na política seria a adoção da censura pública àqueles que, no exercício do cargo, desviam dinheiro público. O Paraguai, em 2013, deu um bom exemplo de cidadania e mobilização, na adoção desse instrumento de controle social, no caso do Senador Victor Bogado que empregou a babá de seus filhos na Itaipu Binacional.

5. Parece não haver exigências para que um cidadão brasileiro se torne candidato por um partido e, nesse caso, acontece que termos parlamentares completamente despreparados para o cargo, sendo eleito mais de uma vez até, como é o clássico exemplo do palhaço Tiririca. Como um cidadão que não é minimamente preparado pode se tornar um legislador? Não há como impedir um parlamentar que passa quatro anos sem apresentar sequer um projeto de interesse na Câmara de se candidatar novamente? Essa “frouxidão” das regras, digamos assim, não contribui para que o Congresso chegue nesse estado de inoperância e fragilidade?

Djalma Pinto – A Constituição assegura o direito de voto ao analfabeto. Proíbe, porém, que ele postule mandato (art. 14, § 4º). As exigências para a comprovação da condição de não analfabeto, infelizmente, são muito frágeis. A Resolução do TSE nº 23.405/2014, no art. 27, IV, por exemplo, admite como comprovante de escolaridade a simples declaração de próprio punho do candidato. Por outro lado, o despreparo do representante do povo para atuar no parlamento é um portentoso reflexo da baixa qualificação dos eleitores que o designaram para o exercício da representação política. Um atestado, enfim, da ausência de educação para a cidadania. Essa completa desqualificação maximiza as distorções, ora pela baixa escolaridade de alguns eleitos, ora pelas ações delituosas, no exercício do mandato, dos detentores de maior escolaridade que, deploravelmente, transformam o parlamento em balcão de negócios.

6. Cada presidente que entra aumenta o número de ministérios, o que contribui muito para as despesas públicas. Existe mesmo a necessidade de um aumento significativo de cargos públicos de alto escalão ou esta é imposta pelos acordos feitos antes de eleições entre os partidos da base aliada?

Djalma Pinto – Obviamente que não. A falta de educação para a cidadania também se reflete na exigência de ministério, cargos, verbas etc em troca de apoio político. Sob o pretexto de garantir a governabilidade, o chefe do Executivo cede à coação, aumentando os gastos públicos, que são suportados pelos contribuintes, e comprometendo a eficiência na Administração, expressamente, exigida no art. 37 da Constituição. A criação de ministério desnecessário ou sua distribuição por motivação politiqueira é uma prática degradante que precisa ser repelida, em todos os níveis da federação, pelos cidadãos que pagam tributos. Aliás, a exigência de cargos e de dinheiro, inclusive, por via de emenda parlamentar, em troca de apoio, pode ser enfrentada com a priorização nos julgamentos dos processos de deputados e senadores, denunciados pela prática de crimes no STF, e pela conscientização de que esta máxima: “é dando que se recebe”, tipifica procedimento incompatível com o decoro punido pela Constituição, no art. 55, II com a perda do mandato.

7. A Lei da Ficha Limpa foi um avanço para a política brasileira. Mas, na prática, ela realmente está funcionando? Como é possível que um político que responde a inúmeros processos criminais, fato de conhecimento público, ainda se candidate a cargos e faça propaganda no horário eleitoral? Não fica a sensação para o povo que, no Brasil, as leis não servem para muita coisa? Ou são feitas de maneira que possam haver “escapes”, digamos assim?

Djalma Pinto – A sociedade precisa ser conscientizada de que o projeto de iniciativa popular, PLC nº 518, apresentado pela cidadania foi mutilado no parlamento. Após sua profunda modificação, é que foi aprovada a Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha Limpa. No projeto apresentado pela cidadania, era considerado inelegível, ou seja, impedido de ser candidato, o indivíduo que tivesse contra si DENÚNCIA recebida por órgão colegiado do Poder Judiciário. Na Câmara, ocorreu a alteração do projeto original para tornar inelegíveis somente aqueles que tivessem contra si condenação por órgão judicial colegiado ou condenação penal definitiva pela prática dos crimes relacionados pelo legislador. Ou seja, pela lei em vigor, sequer a condenação pelo juiz singular pode impedir um delinquente de se candidatar. É preciso que essa condenação seja ratificada pelo respectivo tribunal. Essa a grande aberração que vem incomodando a sociedade. Dito de forma mais compreensiva, um cidadão mata uma senhora para roubar seu carro. É condenado por latrocínio pelo juiz da vara criminal, que utiliza como prova as imagens da câmera instalada em um poste no local do crime. Com respaldo na legislação vigente, no Brasil deste início do século XXI, poderá esse infrator ser candidato a qualquer cargo eletivo enquanto sua condenação não for confirmada pelo tribunal competente para apreciação do seu recurso. Para acabar com essa situação constrangedora, basta transformar em lei aquilo que a cidadania exigiu: seja a DENÚNCIA recebida por órgão judicial colegiado fonte geradora de inelegibilidade, diante da ausência de vida pregressa compatível com a dignidade do mandato eletivo, tal como exigido no art. 14, § 9º, da Constituição.

8. A forma como é feita a escolha (e a indicação) dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, de maneira direta ou indireta, pode realmente comprometer o julgamento de certas causas contrárias aos interesses do poder central? Existe uma forma mais adequada do que temos agora?

Djalma Pinto – Diversos pontos precisam de amplo debate na sociedade em relação a esse tema. Os Ministros do Supremo Tribunal são nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Vários senadores responsáveis pela sabatina estão denunciados perante o STF, outros sequer receberam voto, eleitos que foram como suplentes, ocupando o mandato na ausência do titular. Vivencia, assim, a nação uma situação inusitada em que o réu vai inquirir seu futuro julgador. Para assegurar maior legitimidade, nessa investidura, há necessidade de uma emenda constitucional para assegurar a qualquer cidadão o direito de oferecer impugnação ao nome indicado pelo Presidente para ser aprovado pelo Senado. Na verdade, qualquer eleitor, na República, pode oferecer notícia de inelegibilidade para que seja impugnada a candidatura de quem pretende investir-se nos cargos de Presidente da República, Senador, Governador, Prefeito, Deputado e Vereador. Nada mais razoável do que também fosse estendido aos cidadãos esse direito para permitir impugnação aos nomes indicados para Ministro da Suprema Corte que têm como requisitos: idade superior a 35 e inferior a 65 anos, notório saber jurídico e reputação ilibada.

9. Em sua opinião, atualmente quais são os maiores “pecados” no exercício do poder público? Abuso de poder político ou econômico? Corrupção (aparentemente) generalizada? Quais outros desvios o sr apontaria? Djalma Pinto – Uma verdadeira compulsão para ataque ao dinheiro da população e para atuação do agente público com desvio de finalidade. O procedimento com segunda intenção de quem exerce o poder é uma anomalia que gera a completa subversão das prioridades exigidas pela população. Está na base de toda sorte de abuso praticado no exercício do cargo público. Isso fica bem visualizado na distribuição dos recursos e autorização de obras para agraciados políticos com pomposas justificativas para acobertar o real propósito, quase sempre nocivo ao interesse público.

10. As redes sociais transformaram-se em um poderoso instrumento de se fazer política com a participação direta do cidadão que tem acesso a elas. Porém nas últimas eleições o que se viu foi um excesso de mentiras, notícias falsas, agressões verbais não só a militantes de todas as bandeiras como (e principalmente) a candidatos. Qual a sua opinião a respeito desse tema? Deve haver algum tipo de regulamentação que coíba os excessos ou estes podem até ser encarados como um exercício da livre expressão ainda que exagerada?

Djalma Pinto – A Constituição, ao assegurar a liberdade de expressão, também garante o direito de resposta e de indenização por dano material, moral ou à imagem. Quando falta educação para a convivência social, dentro de um padrão mínimo de civilidade, a convocação da Justiça para impor sanção é um instrumento eficaz para conter e inibir os excessos. A sociedade precisa conscientizar cada um de seus integrantes de que o poder político é um instrumento para a realização do bem comum. Ninguém nele pode se perpetuar nem agir para satisfação de interesses de parentes e correligionários. O profissionalismo da Administração, com a redução do espantoso volume de cargos à disposição de quem conquista o poder, e a exemplar punição de quem pratica ilicitude, no exercício de função pública, podem contribuir para o arrefecimento da disputa. Inclusive, para acabar com a sensação de ser, na verdade, o cofre o grande alvo.

Djalma Pinto é autor, entre outros, dos livros, Comentários à Lei da Ficha Lima, Distorções do Poder, Marketing, Política e Sociedade, Pos-graduado em Direitos Humanos, Governabilidade e Cultura da Paz pela Universidad de Castilla-La Mancha.