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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

O que são danos sociais?

 Publicado por Patricia Evelyn em Jusbrasil.com.br

“São lesões à sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição na qualidade de vida. Os danos sociais são causa, pois, de indenização punitiva por dolo ou culpa grave, especialmente, repetimos, se atos que reduzem as condições coletivas de segurança, e de indenização dissuasória, se atos em geral da pessoa jurídica, que trazem uma diminuição do índice de qualidade de vida da população.” (p. 376).

Danos sociais não se enquadram como dano material, moral ou estético:

O dano social é, portanto, uma nova espécie de dano reparável, que não se confunde com os danos materiais, morais e estéticos, e que decorre de comportamentos socialmente reprováveis, que diminuem o nível social de tranquilidade.

De igual forma, dano social não é sinônimo de dano moral coletivo.

Exemplos de danos sociais:

Alguns exemplos dados por Junqueira de Azevedo: o pedestre que joga papel no chão, o passageiro que atende ao celular no avião, o pai que solta balão com seu filho. Tais condutas socialmente reprováveis podem gerar danos como o entupimento de bueiros em dias de chuva, problemas de comunicação do avião causando um acidente aéreo, o incêndio de casas ou de florestas por conta da queda do balão etc.

Indenização por danos sociais tem caráter punitivo:

Diante da prática dessas condutas socialmente reprováveis, o juiz deverá condenar o agente a pagar uma indenização de caráter punitivo, dissuasório ou didático, a título de dano social.

O valor da indenização é destinado à coletividade (e não à “vítima” imediata)

Conforme explica Flávio Tartuce, os danos sociais são difusos e a sua indenização deve ser destinada não para a vítima, mas sim para um fundo de proteção ao consumidor, ao meio ambiente etc., ou mesmo para uma instituição de caridade, a critério do juiz (Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Método, 2013, p. 58).

Instrumento de função social da responsabilidade civil:

Os danos sociais representam a aplicação da função social da responsabilidade civil (PEREIRA, Ricardo Diego Nunes. Os novos danos: danos morais coletivos, danos sociais e danos por perda de uma chance. Disponível em:

http://ambito-jurídico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11307).

Ricardo Pereira cita alguns casos práticos:

Um deles é a decisão do TRT-2ª Região (processo 2007-2288), que condenou o Sindicato dos Metroviários de São Paulo e a Cia do Metrô a pagarem 450 cestas básicas a entidades beneficentes por terem realizado uma greve abusiva que causou prejuízo à coletividade.

Outro exemplo foi o caso de uma fraude ocorrida em um sistema de loterias, no Rio Grande do Sul, chamado de “Toto Bola”. Ficou constatado que a loteria seria fraudulenta, retirando do consumidor as chances de vencer. Nesse episódio, o TJ/RS, no Recurso Cível 71001281054, DJ 18/07/2007, determinou indenização a título de dano social para o Fundo de Proteção aos Consumidores. Veja a ementa do julgado:

(…) 1. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.

2. Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.

3. Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. “O Direito deve ser mais esperto do que o torto”, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.

4. Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada deovercompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. (…)

(TJRS – Recurso Cível 71001281054 – Primeira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais – Rel. Des. Ricardo Torres Hermann – j. 12.07.2007).

V Jornada de Direito Civil:

Na V Jornada de Direito Civil do CJF/STJ foi aprovado um enunciado reconhecendo a existência dos danos sociais:

Enunciado 455: A expressão “dano” no art. 944 abrange não só os danos individuais, materiais ou imateriais, mas também os danos sociais, difusos, coletivos e individuais homogêneos a serem reclamados pelos legitimados para propor ações coletivas.

Em uma ação individual por danos morais, o juiz ou Tribunal pode, de ofício, condenar o autor do ilícito a indenizar a coletividade por danos sociais?

NÃO. Veja esse exemplo prático:

João passou várias horas na fila do banco para ser atendido.

Inconformado, ingressou, no Juizado Especial, com ação pedindo unicamente indenização por danos morais.

O juiz julgou procedente, determinando que o réu pagasse 3 mil reais a João pelos danos morais sofridos. Além disso, de ofício, condenou o banco a pagar 15 mil reais a título de danos sociais, valor a ser revertido em favor de uma instituição de caridade.

O banco interpôs recurso inominado (art. 41 da Lei n.º 9.099/95) alegando que a decisão violou o princípio da adstrição/congruência, considerando que o condenou ao pagamento de algo que não foi pedido.

A Turma Recursal, contudo, manteve a sentença.

A instituição financeira ajuizou reclamação no STJ contra a decisão da Turma Recursal.

O que o STJ decidiu? A decisão da Turma Recursal foi acertada?

NÃO. O STJ entendeu que a decisão da Turma Recursal era nula por ser “extra petita”.

Para que haja condenação por dano social, é indispensável que haja pedido expresso, sob pena de violar os princípios da demanda, da inércia e, fundamentalmente, da adstrição/congruência, o qual exige a correlação entre o pedido e o provimento judicial a ser exarado pelo Poder Judiciário.

No caso concreto, em uma ação individual houve condenação do réu ao pagamento de indenização por danos sociais em favor de terceiro estranho à lide, sem que houvesse pedido nesse sentido ou sem que essa questão fosse levada a juízo por qualquer das partes.

Nessa medida, a decisão condenatória extrapolou os limites objetivos e subjetivos da demanda, uma vez que conferiu provimento jurisdicional diverso daquele requerido na petição inicial, beneficiando terceiro alheio à relação jurídica processual posta em juízo.

STJ. 2ª Seção. Rcl 12.062-GO, Rel. Ministro Raul Araújo, julgado em 12/11/2014 (recurso repetitivo) (Info 552).

E se o autor tivesse pedido a condenação por danos sociais, seria possível seu deferimento?

NÃO. Mesmo que houvesse pedido de condenação em danos sociais na demanda em exame, o pleito não poderia ter sido julgado procedente, pois esbarraria na ausência de legitimidade para postulá-lo. Isso porque, na visão do STJ, a condenação por danos sociais somente pode ocorrer em demandas coletivas e, portanto, apenas os legitimados para a propositura de ações coletivas poderiam pleitear danos sociais.

Em suma, não é possível discutir danos sociais em ação individual.

Observação final:

Interessante destacar que esse foi o primeiro caso oriundo de uma reclamação do Juizado Especial que foi submetido à sistemática de recurso repetitivo (art. 543-C do CPC).