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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

Constitucionalização à brasileira

“Tanto o liberalismo como o constitucionalismo possuem alguns pontos em comum, e caminharam juntos a partir do final do século XVIII. O liberalismo representou uma reação burguesa ao Estado absolutista, onde o governante não devia mais ser legibus solutus, ou seja, estar acima da lei. Como qualquer cidadão, o governante deverá obedecer às normas legais.”

 

Por Gisele Leite

Professora universitária, Mestre em Direito, Doutora em Direito.

 

O Dicionário de Política de Norberto Bobbio e Nicola Matteuci (p.256) já nos informa no verbete “constitucionalismo” que é termo recente e ainda não consolidado na Itália. Numa definição preliminar é sabido que seu significado advém de Constituição.

Constituição é realmente a própria estrutura de uma comunidade política organizada, sendo imanente a qualquer sociedade humana, mas é necessário distinguir o juízo científico sobre as características próprias de cada constituição.

Seria então a função do constitucionalismo traçar os princípios ideológicos, que correspondem a base de toda constituição e da sua organização interna.

Já ao tempo de Platão observando os governos de sua época, idealizou os primórdios do Estado Constitucional quando sonhava com o “rei-filósofo”[1]. Embora que lei tivesse outro conceito no período helênico.

A lei era uma substância espiritual comum que sendo escrita ou costumeira ficava gravada no coração dos homens. Daí a tendência natural de a lei de ser permanente, diferentemente do que ocorre hoje.

Em priscas eras a lei deveria limitar o poder e a busca pelo primado da lei, sobretudo da Lex fundamentalis, é o que se chama constitucionalismo.

É de Cícero a lapidar assertiva: “Sejamos escravos da lei para que possamos viver em liberdade” o que já apregoava o primado da lei fundamental.  Quando se referia ao primado da lei inicialmente se referia à lei consentida pelo governado e, não propriamente a lei feita pelo governante customizado para seu próprio proveito.

Mesmo no Estado totalitário como foi o da Alemanha nazista ou da Itália fascista, a obediência à lei era motivo para maiores atrocidades e violências. Os inúmeros tentáculos do Estado esmagavam e controlavam todos os setores da vida dos seus cidadãos, até nas mínimas saudações[2] cotidianas.

Tanto o liberalismo como o constitucionalismo possuem alguns pontos em comum, e caminharam juntos a partir do final do século XVIII. O liberalismo representou uma reação burguesa ao Estado absolutista, onde o governante não devia mais ser legibus solutus, ou seja, estar acima da lei. Como qualquer cidadão, o governante deverá obedecer às normas legais.

A Revolução Gloriosa[3] que aconteceu na Inglaterra de 1688/9 foi um marco para fixação do advento das ideias liberais. A Coroa britânica havia cedido espaço ao Parlamento e ao common law.

Locke mostrou que o monarca não governava por direito próprio ou direito divino, mas por assentimento dos governados. O homem que antes vivia em estado de natureza, alienou a favor do governo civil alguns direitos; outros direitos, como a liberdade, a vida, não tinham como ser negociados, pois não lhes pertenciam especificamente: eram de todos os homens.

O liberalismo, como resto do constitucionalismo, começou a se preocupar com instrumentos jurídicos que pudessem garantir as liberdades fundamentais do cidadão em face do Estado e dos grupos sociais.

Desta forma, surge a ideia de separação de poderes políticos, de controle de constitucionalidade e da criação dos tribunais constitucionais.

Dois movimentos brasileiros tiveram contribuição na fase pré-constitucionalista, principalmente contra o governo colonial português foram: a Inconfidência Mineira e a Revolução Pernambucana de 1817. Infelizmente ambos os movimentos fracassaram.

Na Capitania de Minas Gerais, a mais progressista destas em meados do século XVIII as famílias ricas enviava seus filhos para estudarem na Europa. E, pouco antes da Inconfidência Mineira cerca de doze brasileiros foram estudar na Universidade de Coimbra teriam firmado um pacto para trazer para o Brasil, quando voltassem, as ideias de independência política. Principalmente por serem influenciados pela Revolução Americana e com a efervescência política na França.

A malograda Inconfidência Mineira foi um movimento composto de intelectuais, poetas, escritores, eclesiásticos e juristas, mas entre estes também havia os maiores devedores da coroa portuguesa.

Há de se ressaltar que o fundo econômico, diferente dos brasileiros, os constituintes norte-americanos de 1787 elaboraram uma Constituição americana que era vazada numa linguagem fria, formal e severa e foi engendrada parcialmente para defender os interesses econômicos de proprietários.

Noticia-se que em dezembro de 1788 em Vila Rica reuniu-se cerca de meia dúzia de conspiradores numa chácara do Tenente-Coronel Francisco de Paula Freire de Andrada, comandante dos dragões com apenas trinta e dois anos de idade. Enfim, todos os inconfidentes tinham motivos particulares para participarem da conspiração contra o governo colonial.

Na prática todo período colonial se encerrou em 1808[4] quando da chegada de D. João VI ao Brasil, não vigorou nenhuma Constituição nem em Portugal e nem no Brasil.

Nossa primeira constituição nasceu com o processo de Independência. Afinal com o retorno de Dom João VI a Portugal (em 1821) e a convocação de eleições para se compor a representação brasileira nas Cortes, estava-se preparando a primeira Constituição do Portugal, quando o panorama político ficou cada dia mais complicado. E, a política das Cortes (o parlamento lusitano) da época criou uma série de problemas com os interesses brasileiros.

A colidência dos interesses entre Portugal e Brasil se justificava principalmente porque a antiga colônia economicamente havia superado a Corte, e com a permanência de Dom Pedro I que se recusou a regressar a Portugal, a nossa independência ficou cada vez mais próxima.

Vindo o Protetor Perpétuo do Brasil em 03 de junho de 1822 a convocar a Assembleia Constituinte, apesar de não restar claro suas atribuições, pois nem havia a Constituição Portuguesa que serviria para o Império.

Constituição Política da monarquia portuguesa[5] aprovada em 23/09/1822 foi a primeira lei fundamental lusitana que marcou a tentativa de pôr fim ao absolutismo e inaugurar uma monarquia constitucional.

Ficou vigente apenas de forma efêmera (1822-1823 e 1836-1838) apesar de ter sido um marco importante para democracia portuguesa, sendo relevante para qualquer estudo sobre o constitucionalismo. Foi substituída pela carta constitucional da monarquia portuguesa de 1826[6].

Foi resultado das reuniões das Cortes Gerais Extraordinárias da Nação Portuguesa (1821-1822) foi a primeira experiência parlamentar em Portugal, nascida da revolução liberal de 24/08/1820 no Porto[7]. Seus trabalhos iniciaram-se em 1821 e considerou-se encerrados após o juramento solene da constituição pelo rei Dom João VI de Portugal em outubro de 1822 (no entanto, fora recusado pela rainha, Carlota Joaquina e também outras figuras como Cardeal Patriarca de Lisboa e Carlos da Cunha e Menezes).

Como características gerais, o primeiro texto constitucional português foi considerado bem progressista e, se inspirou em sua maior parte, no modelo de Constituição Espanhola de Cádis[8], de 1812 bem como as Constituições Francesas de 1791 e 1795.

Dotada de espírito amplamente liberal tendo revogado parcialmente inúmeros velhos privilégios feudais, bem peculiares do regime absolutista. O texto constitucional português consagrou os direitos e deveres individuais de todos os cidadãos portugueses, dando primazia aos direitos humanos notadamente a garantia da liberdade, de igualdade perante a lei, a segurança e da propriedade.

Também consagrou a nação portuguesa promovendo a união de todos os portugueses com base na soberania nacional e não reconheceu qualquer prerrogativa ao clero e nem à nobreza. Previa a independência dos três poderes (legislativo, executivo e judicial) o que contrariava o espírito absolutista anterior que concentrava todos os poderes na figura do rei; impôs a existência de Cortes eleitas pela Nação para o cumprimento da atividade legislativa que possuía a supremacia sobre os demais poderes; impôs tecnicamente a monarquia constitucional com os poderes do rei reduzidos; impôs a União Real que incluía o Brasil e, ainda havia a ausência de liberdade religiosa posto que a religião católica fosse a oficial e única religião da nação lusitana.

Com a Independência do Brasil, em setembro de 1822, a Assembleia Constituinte se transformou na fundadora da vida constitucional brasileira e, para tanto foram eleitos cem deputados, a maior delegação era de Minas Gerais (com 20); depois de Pernambuco (13), São Paulo (9), Rio de Janeiro e Ceará (ambos com 8 cada) em sua maioria eram bacharéis em Direito (26) mas havia desembargadores (22), clérigos (19) e militares (7).

Logo na abertura dos trabalhos em 03 de maio de 1823 Dom Pedro I, o Imperador fez discursos com implícitas ameaças à licenciosa liberdade e concluiu apontando que deveria ter “merecida aceitação imperial”.

O irmão de José Bonifácio, Antônio Carlos dizia que a Assembleia não trairia os votos recebidos “oferecendo os direitos da Nação, em baixo holocausto ante o trono de Vossa Majestade Imperial” e que não desejava tão degradante sacrifício.

Depois de muitas sessões e debates o projeto constitucional não agradou o Imperador posto que fosse demasiado liberal para um autocrata.

Nesse projeto havia impedimentos para o imperador de dissolver a Câmara. Mas a palavra fora vencida pelo canhão. O poder da palavra foi superado pela força do canhão, o que mereceu de um dos irmãos Andrada a reverência a um canhão do exército imperial.

E prometeu o Imperador Dom Pedro I que outorgaria uma constituição duplamente liberal tendo ainda justificada as prisões e a dissolução da Assembleia Constituinte.

Começava a triste sucessão de golpes de Estado no Brasil. Nossa primeira Constituição já nascera vocacionada para a felicidade política e foi outorgada “em nome da Santíssima Trindade”. Era composta de 179 artigos dos quais 88 reservou-se ao Poder Legislativo, apesar de ter sido mantido o Parlamento fechado pois dois anos e meio e só reaberto em 1826.

Todos eram iguais, porém uns seriam mais iguais que outros. As eleições eram indiretas. No município votariam os maiores de vinte e cinco anos e homens livres (numa população que contava com trinta per cento de escravos) constam entre os excluídos os criminosos, os criados, que não tinha a renda anual mínima exigida que era de duzentos mil réis, não envolvia alfabetização que só seria exigida no final do império para a Lei Saraiva de 1881).

A restrição do voto censitário no projeto da Constituinte tinha como referência a farinha de mandioca daí, a expressão Constituição da mandioca[9].

O conceito de cidadania no Império brasileiro era restrito á sua renda e a democracia da época galopava em rédeas curtas. Na Constituição o imperador reservou onze artigos para tratar da família imperial e sua dotação orçamentária, com destaque ao art. 108 que se dirigia diretamente à mantença financeira da pessoa do imperador e sua esposa com alusão ao art. 115 que deu início a prática de não distinguir recursos da família real daqueles originados do Erário Nacional.

O Império brasileiro constitucional era centralizador e nomeava o governador provincial, podendo removê-lo quando entender e assim que for conveniente ao bom serviço do Estado. Maus exemplos que se multiplicaram em outras épocas como no Estado Novo, na ditadura militar implantada em 1964.

Nesse perfil constitucional, apenas quatorze artigos se referiam ao Judiciário, três artigos a mais do que os dedicados à renda e mantença pecuniária da família imperial e, restringiu bastante a autonomia dos juízes, apesar da afirmação de que o poder judiciário é independente.

Não satisfeito com tanta centralização de Poder, o imperador criou o quarto poder: o Poder moderador destinado privativamente ao Imperador que era também chefe supremo da Nação, proclamando-se no art. 99 que era inviolável e sagrada, não estando sujeito à responsabilidade alguma. Além de ser o chefe do Poder Executivo.

Não é acidental que o autoritarismo se faça tão presente no Brasil, pois em seu nascimento constitucional já trouxe uma organização política antidemocrática. E, pior, o poder nunca se reconheceu como arbitrário.

Dom Pedro I se travestia de “defensor das liberdades”, adotando um pseudoliberalismo ao mesmo tempo em que esgrimia uma contundente prática repressiva.

Ao final do texto constitucional incluiu algumas garantias políticas e civis no art. 179 apesar de prosseguir ameaçando e prendendo jornalistas que criticavam seus atos. Apesar de proclamar os direitos do cidadão e mantendo a dissociação entre o Brasil real e o Brasil legal, determinou a lei constitucional que as cadeias fossem seguras e limpas e bem arejadas, havendo a separação dos réus conforme as circunstâncias, e natureza de seus crimes.

E aboliu o art. 19 expressamente os açoites, torturas e as marcas a ferro quente bem como as penas cruéis. Mas, até 1886, pouco antes da Lei Áurea, os escravos eram submetidos publicamente a castigos pelos seus proprietários.

O Brasil dentro o cenário latino-americano o trabalho escravo permaneceu por mais tempo, e, tal fato, se deveu à importância econômica. O primeiro ato contra escravatura foi a Lei Eusébio Queirós[10] em 1850 após quarenta anos de pressão britânica.

E, outros fatos históricos favoreceram a abolição: a Guerra do Paraguai quando milhares de escravos foram enviados no lugar de seus donos para os campos de batalha, a Guerra Civil Americana (nos EUA) quando o norte venceu o sul e, este era favorável à extinção da escravatura e a extinção da servidão na Rússia (1861); abolição da escravidão nas colônias francesas e portuguesas.

A Constituição de 1824 foi a que mais permaneceu em vigência e no século XIX juntamente com a Constituição norte-americana foi a mais longeva.

De qualquer forma reconhecemos que é relativamente recente a existência das previsões legislativas contemplativas dos chamados direitos fundamentais. Apesar de que na Antiguidade já se identificava algumas preocupações em torno dos direitos atualmente consagrados em diversos sistemas constitucionais.

Há quem aponte que os antecedentes formais desses direitos no veto do tribuno da plebe contra as ações injustas dos patrícios em Roma, através da Lei Valério Publícola proibindo penas corporais contra cidadãos em certas situações até culminar no Interdito in Homine Libero Exhibendo, remota antecedente do habeas corpus que instituía a proteção jurídica da liberdade.

Já na Idade Média deu-se considerável progresso na proteção de alguns direitos fundamentais particularmente na Inglaterra com a limitação do poder do rei e a consolidação do parlamentarismo como sistema de governo. Também se pode acreditar que esse progresso deu-se em parte devido à negligência e desinteresse do rei aos problemas da Coroa inglesa, fazendo-se representar nas reuniões do Magnum Consilium[11] por um conselheiro, surgindo presumivelmente a figura do primeiro ministro.

Com a Revolução Gloriosa em 1688 trouxe diversas prerrogativas aos membros do Parlamento inglês e, conferiu o Bill of Rights[12]. Mas, numa acepção clássica o constitucionalismo deu-se com a Revolução Francesa.

Santi Romano insiste em apontar a origem do constitucionalismo na Inglaterra, sendo portanto, mais antigo que a Revolução Francesa. O chamado constitucionalismo clássico é atribuído à revolução francesa em 1789, cuja principal marca foi a proteção dos direitos individuais contra a interferência do Estado.

Mas as explicações do fenômeno surgem a partir do final do século XV com unificação ocorrida na Europa contra a dispersão dos Estados que se apresentavam de forma fragmentária, com a consequente concentração de poder nas mãos da manobra que era considerado a fonte irradiadora de decisões.

A Era das Descobertas[13] foi marcada pelo soerguimento dos Estados Nacionais e a instalação de modelo econômico voltado à acumulação de ouro e prata (mercantilismo). É fato que especialmente Portugal e Espanha se agigantavam com sua política econômica mercantilista, percorrendo o caminho inverso em termos de garantia dos direitos fundamentais.

Havia pouca ou nenhuma liberdade de expressão ou participação política, havia igualmente uma política fiscal extorsiva e imposta conforme o arbítrio do soberano.

Mas aos poucos, esboçava-se o ideário que pregava justamente o contrário dos postulados do absolutismo monárquico, enfim as luzes do Iluminismo começam a tomar lugar em França, Inglaterra, Alemanha e o século XVIII deixou sua marca característica que era a genuína defesa da racionalidade crítica contra a fé, a ignorância e o dogma religioso.

Portanto, o berço do constitucionalismo clássico está atrelado ao ímpeto de positivação de direitos e garantias aptos a salvaguardar os indivíduos perante o arbítrio do Estado.

A noção do constitucionalismo clássico tem como motivo a inclusão das liberdades públicas nos textos constitucionais e principalmente a preservação da liberdade individual. O próprio lema da Revolução Francesa: “Liberdade, igualdade e fraternidade”[14] serviu de base pra a configuração de “Estado não-interventor” nos negócios individuais e para uma sociedade política que girava no compasso das relações sociais.

Diante os caracteres desse Estado, habitualmente é chamado de liberal ou abstencionista pode ser destacada a passividade no tratamento das desigualdades sociais que grassaram, ao ponto de a isonomia então assegurada apenas formalmente e que não respeitava as desequiparações sociais e nem se preocupava em eliminar as enormes diferenças sociais, ou ao menos, mitigá-las.

[1] O governante-filósofo conseguiria manter uma cidade justa, como garantia de que ela possa permanecer justa. Platão propunha a real articulação entre filosofia e política, a de que cidade justa ideal teria ser governada pelo “rei-filósofo”. E propiciaria o encontro com as formas. No plano político isso deixaria a elite unida pois os sábios não divergiriam e todos saberiam o que é real.

[2] A saudação nazista, ou a saudação de Hitler é em verdade uma variação da saudação romana. E foi adotada pelo partido nazista como sinal de lealdade e culto da personalidade do Füher (Adolf Hitler). Ganhou popularidade juntamente com a ascensão de Hitler. Consiste em levantar-se o braço direito enquanto se diz as palavras “Heil Hitler” (que significa Salve Hitler). Já a expressão “Sieg Heil”(Salve a Vitória) foi primeiramente utilizada por Joseph Goebbels, ministro da propaganda da Alemanha Nazista. O uso dessa saudação e das frases do acompanhamento foi proibido por lei na Alemanha e na Áustria desde o fim da segunda guerra mundial. Porém, a mesma saudação é atualmente utilizada por grupos neonazistas.

[3] A revolução sangrenta onde havia a disputa de dois partidos Tory e Whig que se uniram para depor o Rei Jaime II convidando William of Orange e sua mulher Mary (filha de James) que era protestante, para assumirem o trono inglês. William desembarcou em Devonshire. Então James II fugiu para a França. Destitui-se a seguir, a que título o casal assumiria o trono inglês. Parte do povo britânico considerava a fuga de James como abdicação tese que acabou por prevalecer. Foi elaborado o Bill of Rights que estabeleceu as bases da transição do absolutismo para o primado do Parlamento.

[4] Merece destaque as revoltas coloniais, a saber: entrincheiramento de Iguape (a força portuguesa liderada por Pero de Góis ao desembarcar na barra de Icapara, em Iguape, foram recebidos sob fogo da artilharia, sendo desbaratada. Na retirada, os sobreviventes foram surpreendidos pelas forças espanholas emboscadas na foz da Barra do Icapara, onde os remanescentes pereceram, sendo gravemente ferido o seu capitão Pero de Góis, por um tiro de arcabuz); Guerra dos Emboabas (os bandeirantes paulistas queriam exclusividade na exploração do ouro nas minas que encontraram e entraram em choque com os imigrantes portugueses que estavam explorando o ouro das minas); guerra de Iguape (ocorreu entre 1534 e 1536 na região de São Vicente, São Paulo quando os aliados espanhóis embarcaram em um navio francês, capturado em Cananeia e atacara, a vila de São Vicente, que saquearam e incendiaram, deixando-a praticamente destruída, matando dois terços dos seus habitantes); guerra dos mascates (que registrou de 1710 a 1711, na então capitania em Pernambuco); guerras Guaraníticas (espanhóis e portugueses então apoiados pelos ingleses entram em conflito com os índios guaranis catequizados pelos jesuítas de 1751- 1758; Revolta de Felipe dos Santos; Revolta de Beckman; a Inconfidência Mineira e a Conjuração Baiana).

[5] Constituição Política da monarquia portuguesa aprovada em 23 de setembro de 1822 foi a primeira lei fundamental portuguesa e o mais antigo texto constitucional português, o qual marcou uma tentativa de extinguir o absolutismo e inaugurar em Portugal uma monarquia constitucional. Apesar de ter estado vigente em dois curtos períodos o primeiro de 1822 a 1823 e depois de 1836 a 1838, representou marco importante para a história da democracia lusitana bem como para o estudo sobre o constitucionalismo. Foi substituída pela carta constitucional da monarquia portuguesa de 1826. Definiu os direitos e deveres individuais dos cidadãos portugueses, dando primazia aos direitos humanos, particularmente a garantia da liberdade, igualdade perante a lei, da segurança e propriedade; consagrou a união de todos os portugueses e definiu como território dessa mesma nação o que formava o Reino Unido de Portugal e Algarves compreendendo o Reino de Portugal (o que inclui a parte continental e ilhas adjacentes) e o Reino do Brasil e ainda os territórios da África e da Ásia; instituiu que o Rei em ocasiões especiais poderia ser assistido pelo Conselho do Estado e coadjuvado pelos secretários de Estado, diretamente responsáveis pelos atos do governo. No aspecto eleitoral podiam votar para eleger os representantes da Nação (deputados), os varões maiores de vinte e cinco anos que soubessem ler e escrever. Tratava-se pois um sufrágio universal e direto, de que no entanto, estavam excluídos as mulheres, analfabetos, os frades e os criados de servir entre outros.

[6] Foi a segunda constituição portuguesa e foi outorgada pelo Dom Pedro IV. E não fora redigida e votada por Cortes Constituintes eleitas pela Nação, tal como sucedera com a anteriorConstituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822. Foi a que mais tempo esteve em vigor, tendo sofrido, ao longo dos seus setenta e dois anos de vigência, sofrendo quatro revisões constitucionais designadas por Atos Adicionais. Permaneceu vigente durante três períodos distintos. O primeiro foi desde abril de 1826 até maio de 1828 (quando Dom Miguel foi aclamado rei absolutista); segundo período ocorreu de agosto de 1834 até setembro de 1836 (Revolução Setembrista com a restauração provisória da Constituição Portuguesa de 1822); terceiro e último período decorreu desde janeiro de 1842 (Golpe de estado de Costa Cabral) até outubro de 1910 (implantação da República).

[7] A Revolução do Porto ou a revolução liberal do Porto que ocorreu em 1820 e que acarretou consequências tanto na História portuguesa como na brasileira. A assinatura do Decreto de Abertura dos Portos às Nações Amigas que na prática significou o fim do pacto colonial e, posteriormente, os Tratados de 1810 garantiram privilégios alfandegários aos produtos ingleses nas alfândegas portuguesas e acarretaram uma profunda crise nas cidades de Porto e Lisboa. Também o controle britânico das forças militares trazia peculiar mal-estar entre a oficialidade e o exército português. O movimento eclodiu em 24 de agosto de 1820.

[8] A Constituição de Cádis, ou espanhola de 1812 ou La Pepa foi aprovada em 18 de março de 1812 pelas Cortes Gerais Extraordinárias reunidas na cidade de Cádis (e promulgada no dia seguinte), foi o primeiro texto constitucional aprovado na Península Ibérica e um dos primeiros do mundo, sendo no sentido moderno, apenas precedida pela Constituição Corsa de 1755 (considerada a primeira constituição verdadeiramente democrática), pela Constituição dos EUA (1787) e da ConstituiçãoFrancesa de 1791.

Teve curta vigência, mas exerceu grande influência no desenvolvimento do constitucionalismo espanhol, português e mesmo latino-americano, tendo as suas instruções eleitorais adotadas para a realização das eleições para as Cortes Gerais da Nação Portuguesa, e realizadas em dezembro de 1820, e sendo de inspiração na elaboração da resultante Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822. Herdeira direta das mudanças sociais desencadeadas pelo iluminismo e pela Revolução Francesa e pelo período de instabilidade sociopolítica que se lhe seguiu, e que se alastrou por todo continente europeu, tendo como catalisador imediato as Guerras Napoleônicas. Particular relevância teve ainda o surgimento da chamada Constituição de Baiona uma carta constitucional imposta por Napoleão Bonaparte aos representantes espanhóis chamados em 1808 na cidade francesa. Não foi um ato revolucionário e nem significou ruptura com o passado.

[9] A Constituição da mandioca nos remete a Noite da Agonia que foi um episódio histórico do Brasil Império, na madrugada de 12 de novembro de 1823 durante a Assembleia Constituinte de 1823, no Rio de Janeiro, que estava encarregada de redigir a primeiraConstituição do Brasil, no qual D. Pedro I mandou o Exército invadir o plenário da Assembleia que resistiu durante horas, mas não conseguiu evitar sua dissolução. Vários deputados foram presos e deportados, entre eles os irmãos Andradas. No dia seguinte, em documento oficial o Imperador promoveu a expatriação dos ex-deputados e outras medidas repressivas, quais seja, a vigilância policial sigilosa em locais de reunião e, a prisão de quem se envolvesse em discussões públicas. Com a dissolução da Assembleia constituinte, reuniu dez cidadãos de sua inteira confiança, que a portas fechadas redigiram a primeira carta constitucional brasileira que fora outorgada em 25 de março de 1824 e acabou fortalecendo o Poder Moderador. O escravismo e o latifúndio não entraram na pauta desta constituinte, posto que colocassem em risco os interesses da aristocracia rural brasileira. E observa-se certa xenofobia no texto constitucional principalmente certa lusofobia marcadamente anticolonialista, já que as ameaças recolonização persistiam, tanto no Brasil (Bahia, Pará e Cisplatina) como em Portugal, onde alguns setores do comércio aliados ao clero e ao rei, alcançam uma relativa vitória sobre as Cortes, no episódio conhecido como Viradeira.

[10] Foi lei brasileira do Segundo Reinado que proibiu o tráfico interatlântico de escravos. Foi aprovada em 04 de setembro de 1850, principalmente devido à pressão britânica, materializada pela unilateral aplicação, por aquele país, do chamado Bill Aberdeen. Por essa razão, no Brasil, o Partido Conservador, então no poder, passou a defender, no Poder Legislativo, o fim do tráfico negreiro. À frente dessa defesa esteve o ministro Eusébio de Queirós, que insistiu na necessidade do país tomar por si só a decisão de colocar fim ao tráfico, preservando a imagem de nação soberana. A lei em si não gerou efeitos imediatos e o tráfico ilegal continuou intensamente no período posterior à lei. Não verdade, até houve aumento dos índices de entrada de africanos no Brasil. Mas, não tardou a Inglaterra a pressionar o Brasil a fim de cessar tráfico interno, então medida definitivamente tomada foi a de se colocar trabalhadores assalariados. A referida pressão se justifica principalmente pelo fato da Europa vivenciar a segunda fase da República Industrial e conflitos em torno dos processos de unificações da Itália e da Alemanha o que levaram a uma majoração de emigração, passando o Brasil a disputar uma parcela desse fluxo como alternativa para substituição da mão-de-obra nas lavouras.

[11] O Magnum Concilium ou Conseil du Roi foi assembleia convocada para certas épocas do ano quando os líderes da Igreja e ricos proprietários de terras foram convidados para discutir assuntos do país com o rei. Fora criado no reinado dos normandos. Nos tempos antigos, o rei chamaria o Grande Conselho e a Corte do Rei (Curia Regis) que correspondia aos assessores. Depois com a evolução cresceu no Parlamento e, especial serviu para dividir a Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns.

[12] O Parlamento inglês firmou com o rei um legítimo contrato que substituiria a doutrina do direito divino pela soberania nacional. Esse documento é da maior relevância da história do constitucionalismo e que assentou o princípio da impossibilidade da suspensão ou execução das leis sem o consentimento do Parlamento, mostrou a necessidade da eleição livre de seus membros, sua liberdade de deliberação e estabeleceu de maneira primorosa, as denominadas imunidades parlamentares, o que certamente conferiu inteira liderança ao Poder Legislativo, assegurando sua supremacia. Com esse documento inaugurou-se a monarquia constitucional.

[13] A Era dos descobrimentos ou das Grandes Navegações foi um período que decorreu entre o século XV e o início do século XVII durante o qual os europeus exploraram intensamente novas áreas em busca de novas rotas comerciais. As explorações marítimas pioneiras realizadas por portugueses e espanhóis que estabeleceram relações com África, Américas e Ásia na busca de uma rota alternativa para as Índias, movidos pelo comércio de ouro, prata e especiarias. Estas explorações no Atlântico e Índico foram seguidas por outros países da Europa, França, Inglaterra e Países Baixos que exploraram as rotas comerciais portuguesas e espanholas até ao Oceano Pacífico, chegando à Austrália em 1606 e à Nova Zelândia em 1642. A exploração europeia perdurou até realizar o mapeamento global do mundo, resultando num novo mundo e no contato entre civilizações distantes e alcançando as fronteiras mais remotas muito mais tarde, já no século XX. Marcou a passagem do feudalismo para a ascensão dos estados-nação europeus.

[14] Também serviu para classificar os direitos fundamentais em primeira, segunda e terceira gerações. Embora atualmente já se cogite em quarta e quinta gerações de direitos fundamentais.

Gisele Leite

professora universitária, Mestre em Direito, Doutora em Direito,

Professora universitária da área jurídica e da área da Educação, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, Doutora em Direito. Pesquisadora. Articulista de vários sites jurídicas e revistas jurídica