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Notícia

Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

SOBRAL PINTO

As décadas de trinta e quarenta do século passado viram o mundo dividir-se entre o fascismo e o comunismo, no meio das duas correntes, a democracia acusada de ultrapassada e ineficiente, tentava sobreviver na Inglaterra e Estados Unidos. No Brasil, após a Revolução de Trinta, Getúlio Vargas dominava.  Em 1937, deu-se o golpe do Estado Novo. Vargas guindado à condição de ditador utilizou-se do Tribunal de Segurança para prender os adversários, fascistas, comunistas, democratas. Os corporativistas tupiniquins empolgavam-se com Mussolini, Franco e Salazar. Poucos advogados atreviam-se a defender os perseguidos políticos do regime. Um deles, Heráclito Fontoura Sobral Pinto, destacou-se pelo destemor com que abraçou as causas dos prisioneiros, como os comunistas Luís Carlos Prestes e Harry Berger. Em 1938, foi a vez dos integralistas. Considerados simpatizantes do fascismo, tentaram a derrubada de Vargas e foram parar nos cárceres.  Abrigaram-se na banca de Sobral, que os acolheu, dentre eles, Raymundo Padilha e Lanari Júnior. Durante o Estado Novo combateu o regime com cartas e artigos, muitos deles censurados.

Participou dos movimentos de resistência democrática, e quando da redemocratização, em 1945, exerceu papel determinante para a realização das eleições e a organização dos partidos políticos.  Sob a égide da Constituição de 1946, por quem tanto lutou, envolveu-se em situação exemplar. Em 1955, eleitor de Juarez Távora, candidato derrotado por Juscelino Kubitschek, irresignou-se com um movimento articulado para impedir a sua posse. Fundou com Evandro Lins e Victor Nunes Leal a Liga para a Defesa da Legalidade. Empossado, Juscelino o convidou para o cargo de Ministro do Supremo Tribunal Federal, Sobral recusou, se aceitasse, pareceria que a sua posição cívica fora interessada, buscando recompensa.

Agia em função de valores. Católico praticante, anticomunista, antifascista, as suas posições políticas coincidiam com a doutrina social da Igreja, mas as separava dos compromissos profissionais, ligados ao Direito de defesa, e a sua paixão pela verdade e pela justiça, que como Tomás de Aquino, considerava indissociáveis.

Seu postulado básico: Deus criou os homens iguais, e nada mais o indigna que a injustiça e a falta de caridade para com o próximo. Indagado porque advogara para Prestes, um materialista, respondeu: combato o pecado e amo o pecador.

Em 1964, a princípio preocupado com o clima de desordem, apoiou o movimento para depor Jango, mas após a edição do Ato Institucional nº 1, percebendo que se instalara nova ditadura, passou a combatê-la. Começou pela defesa dos chineses da Missão Comercial, presos sob a falsa acusação de espionagem.

Carlos Lacerda, Miguel Arraes e o general Lott foram seus clientes. A todos atendia com o mesmo entusiasmo. Aos 96 anos atuou pela última vez defendendo um primeiro tenente acusado de estelionato. Abraçou a causa dos favelados de Vidigal ameaçados de despejo pela especulação imobiliária.

Respondeu a uma colega que lhe perguntava como encontrava tanta coragem: “não tem nada a ver com a coragem, não, minha filha. Tem a ver com a capacidade de se indignar”. De certa feita devolveu um cheque que lhe fora enviado por um cliente banqueiro. Acima dos interesses financeiros, estavam os valores éticos, a quem o próprio Direito estava subordinado.

Protagonizou dois episódios memoráveis: em 1968 estava em Goiânia por ocasião da edição do Ato Institucional nº 5. Protestou nos meios de comunicação e recebeu no Hotel a visita de um major que lhe dizia: “por ordem do Presidente da República o senhor deve acompanhar-me”. Sobral respondeu: “o senhor deve acompanhar as ordens do Presidente, eu não. Daqui só sairei arrastado.” Levaram-no preso de chinelo. Três dias depois o soltaram em decorrência da repercussão internacional.

Em 1984, fragilizado pela idade, compareceu ao Comício pelas Diretas no Rio de Janeiro, de voz trôpega, pronunciou a frase que levou a multidão ao delírio: “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”.

Dia 30 de novembro de 1991, aos 98 anos de idade, Sobral deu o passo para a eternidade. Em 2001, John Foster Dulles publicou a biografia “Sobral Pinto- A consciência do Brasil”.  O ano passado, Márcio Scalercio lançou: “Heráclito Fontoura Sobral Pinto- Toda Liberdade é Íngreme”. Este ano corre o Brasil o documentário: “Sobral- o Homem que não tinha preço”. Dirigido por Paulo Fiuza, conta a história desta figura singular que Evandro Lins e Silva cognominou de símbolo da advocacia brasileira.

A Academia Maranhense de Letras Jurídicas, a AMAd e o CECGP convidam a todos para a exibição do documentário dia 31 de Março próximo, às 1900 horas, no auditório do COQ. Após a exibição haverá debates sobre Sobral, o advogado que punha os valores éticos acima dos interesses materiais.  

 

 

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