Publicado por Luiz Flávio Gomes em JusBrasil
Nosso cérebro não suporta a incerteza nem a insegurança. Somos, ademais, tribalistas. Adoramos classificar, sobretudo pessoas. Queremos sempre saber se fulano (a) é “dos nossos” ou um adversário (a). A distinção original (ser direita ou esquerda, ser conservador ou liberal) foi inventada às vésperas da Revolução Francesa (1789): a direta (conservador) seria contra as mudanças sociais; a esquerda (liberal, progressista) seria o contrário. Isso, no entanto, já não faz sentido (diz Hélio Schwartsman). A diferenciação hoje passa por escrutinar temas polêmicos como aborto, uso de drogas, porte de armas, casamento gay, pena de morte, consumo de transgênicos, direitos dos animais, destruição da natureza, redução da maioridade penal etc. A resposta dada a um conjunto de temas constituiria a pista para se definir uma pessoa “de direita” (conservador) ou “de esquerda” (liberal, progressista).
O bom humor norte-americano diz: “conservador é o liberal que foi assaltado; liberal é o conservador que foi acusado formalmente de um crime; reformador convicto dos presídios é o conservador que está encarcerado” (veja Adam Gopnik, La jaula de los Estados Unidos). O senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que já aprovou incontáveis leis penais populistas conservadoras, se converteu prontamente num liberal garantista, atacando o Procurador-Geral da República, em nota oficial, porque ele teria pedido sua investigação “atropelando” a legislação, não lhe garantindo acesso prévio às informações e não dando o direito de se defender antecipadamente (O Globo 7/3/15). Se as acusações contra Renan são verdadeiras não se sabe. Mas, onde está escrito no processo penal brasileiro esse direito de defesa prévia antes da investigação? Em lugar nenhum. Resolução do CNJ não é lei. Pezão (governador do RJ) reclamou: “Tenho 32 anos de carreira pública e lamento muito ter de passar por esse tipo de exposição. Já fui julgado e condenado e só agora vão me dar o direito de defesa”. Privilégios combinam bem com países cleptocratas. Goethe dizia: “Viver a seu gosto é coisa de plebeu; o nobre aspira a ordenação e a lei”.
De outro lado, não é preciso mais que um assalto ou mesmo o medo dele para que o liberal se converta num empedernido populista penal conservador, que clama por duras sanções contra o “perigoso” marginal, mesmo nas situações de insignificância. E quem são os reformadores? São os conservadores que estão encarcerados. Conrad Black, um dos magnatas conservadores da imprensa norte-americana, na prisão, se converteu num reformador exemplar. No Brasil, desde novembro/14, estão presos vários executivos das construtoras acusadas de serem protagonistas do escândalo cleptocrata da Petrobras.
Um deles disse (veja Estadão 8/3/15): “O cara que apanha tanto já tá acostumado [com todo esse ambiente deletério], mas é uma exposição pra gente e as famílias chegam aqui destruídas”. Para o cara que apanha tanto (!), tudo pode; para a elite a prisão é um depósito deplorável e medieval (que deveria ser reformado). Os executivos pedem mais: uma “biblioteca comunitária”; “passar mais tempo com a família, ter acesso a telefonemas, se livrar dos barulhos dos aparelhos localizados perto das celas, ter mais tempo para banho de sol etc.”. Tudo que os acusados de ladroagem cleptocrata reivindicam é o que está na lei, nas constituições e nos tratados internacionais, que deveriam valer para todos. Mas a realidade é completamente distinta de tudo que está escrito nas leis. A crueldade dos presídios, como se vê, não tem nada de legal.
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