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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

União estável ou namoro qualificado: como diferenciar?

Publicado por Dharana Vieira da Cunha em JusBrasil

Mãos

O namoro qualificado possui diversas características em comum com a união estável, podendo ser com ela facilmente confundido. De fato, ambos os tipos de relacionamento são de cunho romântico-afetivo, externados publicamente para a sociedade e costumam ser duradouros, denotando estabilidade, compromisso e um forte vínculo entre os envolvidos.

Entretanto, cada um apresenta efeitos jurídicos absolutamente diversos. Por exemplo, a união estável possui regime de bens e, quando dissolvida, gera divisão patrimonial e obrigação de prestar alimentos, enquanto o namoro qualificado não é causa para nenhum desses efeitos.

Com a evolução do direito para se aproximar dos modelos mais atuais de família, muitos requisitos anteriormente considerados pertinentes para a definição de união estável, passaram a ser considerados destoantes do contexto social. Assim, não se exige mais que a união se dê com a residência de ambos os conviventes no mesmo imóvel, como também não se exige qualquer lapso temporal mínimo para que se considere constituída e tampouco há a necessidade de que o casal tenha filhos para que seja considerada uma modalidade de família a merecer proteção do Estado.

A união estável pode ser conceituada, modernamente, como o relacionamento afetivo-amoroso duradouro e público entre pessoas de sexos diferentes ou do mesmo sexo, residentes sob o mesmo teto ou não, com affectio maritalis, ou seja, ânimo de constituição de família.

Com toda a simplificação dos pressupostos para configuração da união estável, aprofundou-se ainda mais a aparente semelhança entre essa modalidade de família e o relacionamento classificado como namoro qualificado. Isso porque nos dias atuais é bastante comum que namorados residam juntos, que tenham longos namoros, que participem intensamente da vida social e familiar um do outro e que compartilhem, inclusive, contas bancárias e cartões de crédito.

Com tantos aspectos semelhantes, afinal, como diferenciá-los?

A principal diferença entre a união estável e o chamado namoro qualificado reside no fato de que a primeira é família constituída no momento atual, enquanto o namoro qualificado é um relacionamento em que os namorados meramente alimentam uma expectativa de constituição de uma família no futuro.

Assim, no namoro qualificado há planos para constituição de família, há projetos para o futuro, enquanto na união estável há uma família plena já constituída que transmite a imagem externa de um casamento, ou, em outras palavras, transmite a “aparência de casamento”.

Numa situação concreta, podemos ter um casal que more num mesmo apartamento já há um ou dois anos e tenha uma conta poupança conjunta e, prontamente, classificar seu relacionamento como união estável. Entretanto, este casal pode estar tão somente acumulando recursos para um futuro casamento, ou para adquirir um imóvel próprio onde construirão sua vida juntos, podendo tal situação ser enquadrada na modalidade de namoro qualificado, se existir apenas um projeto futuro de família.

Em recente decisão de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma do STJ empreendeu séria análise do instituto do namoro qualificado em face da união estável (STJ – 3ª Turma, REsp. Nº 1.454,643-RJ, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe. 10.03.2015).

O caso apresentado perante a Corte Superior versava sobre um casal que conviveu durante dois anos em um apartamento no exterior antes de se casarem. Na época, ele viajou para aceitar uma proposta de trabalho enquanto ela o seguiu com a intenção de fazer um curso de Inglês e acabou permanecendo mais tempo devido ao seu ingresso num Mestrado.

Noivaram ainda no exterior e o rapaz adquiriu com seus recursos pessoais um apartamento próprio que seria a residência familiar após o casamento.

Casaram-se em setembro de 2006 adotando como regime a comunhão parcial de bens, regime no qual somente há partilha dos bens adquiridos onerosamente na constância do casamento. Em 2008, entretanto, adveio o divórcio.

Assim, a ex-mulher ingressou em juízo pleiteando o reconhecimento e a dissolução de união estável que, segundo ela, existiu durante o período de dois anos anterior ao casamento. Sob esse argumento, o apartamento adquirido por ele à época deveria ser partilhado entre ambos.

Em primeira e segunda instâncias, a ex-mulher saiu vitoriosa. Entretanto, ao apreciar o recurso interposto pelo ex-marido, o Ministro Bellizze teve entendimento diverso. Segundo ele, não houve união estável, “mas sim namoro qualificado, em que, em virtude do estreitamento do relacionamento, projetaram, para o futuro, e não para o presente, o propósito de constituir entidade familiar”.

O ministro ainda aduziu que nem mesmo o fato de ter existido a coabitação do casal era suficiente para evidenciar uma união estável, já que a convivência no mesmo imóvel se deu apenas devido à conveniência de ambos em razão de seus interesses particulares à época.

Assim, a situação examinada seria tão somente um namoro qualificado, pois não estava presente a affectio maritalis, ou seja, o escopo de constituir família naquele momento.

Com muita propriedade, o ministro elucidou a questão ao afirmar que, para que estivesse constituída a união estável, era preciso que a formação do núcleo familiar “com compartilhamento de vidas e com irrestrito apoio moral e material” estivesse concretizada e não apenas planejada.

Carlos Alberto Dabus Maluf e Adriana Dabus Maluf, em seu Curso de Direito de Família (2013, p. 371-374) abordam o tema, nos fornecendo esclarecedora lição. Segundo os eminentes autores:

"No namoro qualificado, por outro lado, embora possa existir um objetivo futuro de constituir família, não há ainda essa comunhão de vida. Apesar de se estabelecer uma convivência amorosa pública, contínua e duradoura, um dos namorados, ou os dois, ainda preserva sua vida pessoal e sua liberdade. Os seus interesses particulares não se confundem no presente, e a assistência moral e material recíproca não é totalmente irrestrita".

Assim também nos ensina o grande familiarista Rolf Madaleno em seu renomado Curso de Direito de Família (2013, p. 1138), cujo trecho abaixo se transcreve:

"Com efeito, a união estável exige pressupostos mais sólidos de configuração, não bastando o mero namoro, por mais estável ou qualificado que se apresente, porquanto apenas a convivência como casal estável, de comunhão plena e vontade de constituir família concretiza a relação estável, da qual o namoro é apenas um projeto que ainda não se desenvolveu e talvez sequer evolua como entidade familiar".

Desta feita, podemos concluir que, para determinar se um relacionamento se configura como união estável ou como mero namoro qualificado, é necessário proceder análise minuciosa do caso concreto a fim de detectar a presença ou não do elemento subjetivo que se traduz no animus de constituir família com o pleno compartilhamento da vida e o mútuo suporte espiritual e material irrestrito.

A esse animus, portanto, resume-se toda a questão.