Publicado por Guilherme Credidio em JusBrasil
Comemora-se (?) hoje o dia da abolição da escravatura. A Princesa Isabel deve estar remexendo no túmulo, ao saber que após mais de um século, as coisas continuam do mesmo jeito. Mas disfarçadas de trabalho legal.
Hoje os escravos não são mais açoitados no pelourinho e sequer vivem amontoados em senzalas. Tampouco chegam ao lugar de trabalho em navios negreiros. Não! A escravidão hoje se traveste de trabalho e assim alicia milhares de indivíduos brasileiros e estrangeiros a mergulharem num inferno do qual é difícil sair. Os trabalhadores escravos chegam de ônibus, de caminhão e no tão cantado pau-de-arara. Esses novos escravos são recrutados, primordialmente, no Maranhão, Piauí, Tocantins, Pará, Goiás, Ceará, Bahia e Minas Gerais. São trabalhadores que vivem na miséria total e caem no conto do trabalho certo e salário justo.
Há alguns anos atrás um juiz federal trabalhista paranaense, Dr. Cássio Colombo, denunciou o trabalho escravo em fazenda de renomado laticínio. Sofreu duas tentativas de assassinato, uma inclusive por atropelamento de lancha, bem ao estilo Rede Globo, que quase lhe decepou o pé. Mas não é novela, é a vida real que mudou a realidade daquilo que esse juiz vive em seu dia a dia. Após as frustradas tentativas, precisou andar escoltado e toda informação concernente a ele é bloqueada a qualquer pessoa. Em outras palavras, ao combater a escravidão, tornou-se escravo do desempenho de sua função, que é fazer justiça.
Parece uma loucura falar em escravidão em pleno século 21. Achamos que é coisa das arábias. Mas ela está aí, debaixo dos nossos olhos, nas roupas que vestimos, nos apartamentos que moramos, no trabalhador rural que planta, trata e colhe nosso alimento, no carvão que usamos no churrasco e até mesmo nas meninas exploradas pelas esposas de fazendeiros no serviço doméstico ou levadas à prostituição. A escravidão moderna possui sentido metafórico. Não se trata mais de compra ou venda de pessoas. Mas a expressão refere-se a relações de trabalho nas quais as pessoas são forçadas a exercer uma atividade contra sua vontade, sob ameaça, violência física e psicológica ou outras formas de intimidações. Muitas dessas formas implicam no uso de violência física brutal e constante e tortura.
Existem diversos acordos e tratados internacionais que abordam a questão do trabalho escravo. Dentre eles destacam-se as convenções internacionais de 1926 e a de 1956, que proíbem a servidão por dívida. Aqui no Brasil essas convenções entraram em vigor só em 1966 e foram incorporadas à legislação nacional. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) trata do tema nas convenções de números 29, de 1930, e 105 de 1957. Há também a declaração de Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu Seguimento, de 1998.
Já em 2001 a OIT relatava que o trabalho forçado no mundo tem duas características em comum: o uso da coação e a negação da liberdade. No Brasil, o trabalho escravo resulta da soma do trabalho degradante com a privação de liberdade. Além do trabalhador ficar atrelado a uma dívida, tem seus pertences e documentos retidos e nas áreas rurais, normalmente fica em local geograficamente isolado, sem comunicação com o resto do mundo O atual conceito de trabalho escravo é universal e todo mundo sabe o que é e como acontece.
Mas o trabalho escravo existe também nas regiões metropolitanas. E aí adquire outra face e sua escala é menor. Nessas regiões os imigrantes ilegais são predominantemente latino-americanos e asiáticos, que trabalham dezenas de horas diárias, em confecções montadas num muquifo qualquer, sem folga, sem qualquer estrutura e com baixíssimos salários. São as chamadas “oficinas de costura”.
Vemos então, que apesar da escravidão ter sido abolida no Brasil em 13 de maio de 1888, portanto já há 127 anos, ela continua existindo e desde 1995 o governo brasileiro admitiu a existência de condições de trabalho análogas à escravidão. Para a erradicação do trabalho escravo há de se exigir o cumprimento das leis, porém isso não tem sido suficiente. Apesar das aplicações de multas, corte de crédito rural ao agropecuarista infrator ou de apreensões das mercadorias nas oficinas de costura, utilizar o trabalho escravo é um bom negócio para muitos fazendeiros e empresários. Barateia tremendamente os custos da mão de obra, o que faz valer a pena, quando flagrados, os infratores pagarem os direitos trabalhistas que haviam sonegado aos explorados. E a coisa para por aí. Nada mais acontece.
Como países que mantém trabalho escravo em seu território sofrem severas sanções comerciais, o Brasil criou em agosto de 2003, a Comissão Nacional Para a Erradicação do Trabalho Escravo (CONATRAE), órgão vinculado à Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, que tem a função de monitorar a execução do Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Lançado em março daquele ano, o Plano contém 76 ações, cuja responsabilidade de execução é compartilhada por órgãos do Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, entidades da sociedade civil e organismos internacionais. Mas daí a erradicar o trabalho escravo, são outros quinhentos réis.
Assistimos no governo Lulla, o presidente pedir desculpas ao povo africano, pelo sofrimento que impusemos a seus antepassados. Discurso, só discurso demagógico, pois ele nada fez em favor dos milhares de trabalhadores que são levados ao cativeiro pelos empreiteiros, conhecidos como “gatos”. Essas pessoas viajam de cidade em cidade à procura de “presas”. E procuram caçar os futuros escravos longe do local onde eles irão trabalhar. Assim fica mais fácil esconder a verdade e o trabalhador não tem como fugir. Fisgam suas presas com a promessa de um bom trabalho, salário, alojamento e alimentação, e oferecem um adiantamento em dinheiro para ninguém recusar a oferta. Mas a realidade é bem diferente. No local da labuta o trabalhador se depara com maus tratos, fome, salário retido quase que integralmente sob o pretexto de que é preciso ressarcir o patrão pelas despesas feitas com a sua viagem. Torna-se escravo de uma dívida infinita. Ao tentar deixar o trabalho, é castigado e muitas vezes levado à morte. O trabalhador escravo perde o direito constitucional, garantido pelo art. 5º da Constituição Federal, de igualdade, liberdade, segurança. Esse artigo em seu caput e incisos I, II e II diz:
Leia mais: JusBrasil