Em 1988, ano da promulgação da Constituição Federal, ingressavam no sistema, anualmente, 350 mil novos processos, atualmente, são 30 milhões.
João Batista Ericeira é sócio majoritário de João Batista Ericeira Advogados Associados
O Ministro Luís Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, em entrevista ao jornal “O Estado de São Paulo”, manifestou preocupação com o excessivo crescimento de processos em curso no Judiciário brasileiro. Recordou, em 1988, ano da promulgação da Constituição Federal, ingressavam no sistema, anualmente, 350 mil novos processos, atualmente, são 30 milhões. Aludiu a pesquisa da Associação dos Magistrados Brasileiros, com o apoio da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, reveladora do perfil social do nosso juiz, e da sua rotina na atividade jurisdicional.
Persiste a cultura da litigância e da procura do Judiciário como instância para a sua solução, não obstante as campanhas pela adoção dos meios alternativos de solução de demandas. Estes são preferencialmente utilizados por grandes empresas ou pessoas de elevada renda. Os mais pobres permanecem excluídos, utilizando meios tradicionais para solução de pendências. O Poder Judiciário continua integrado por pessoas das classes médias, ocupando-se majoritariamente de demandas dos estratos médios da população.
Os principais usuários do sistema judiciário são os órgãos do Estado. As agências reguladoras, criadas para a atuação preventiva, para evitar a litigiosidade, não funcionam, ocasionam o que o Ministro denominou “uso predatório do Judiciário”. A prosseguir assim, adverte, cairemos no atoleiro.
Propõe novas políticas para enfrentar o desafio de que a judicialização, nos termos do atual funcionamento do Poder Judiciário, é inviável. Alertou para a necessidade de os juízes cumprirem os artigos 926 e 927, do Código de Processo Civil, respeitando os precedentes, tornando mais céleres as decisões dos processos. Lembrou, o emprego de novas tecnologias e o preparo pessoal dos julgadores, em boa parte com pós-graduações, não serão suficientes para levar a decisões rápidas, de acordo com as expectativas dos cidadãos.
O Desembargador Federal Ney Bello, do Tribunal Federal da 1ª Região, assinou texto da mais alta envergadura, assinalando traços ideológicos predominantes no nosso Judiciário, em que predominam o moralismo, o punitivismo, o conservadorismo, a intolerância e o desejo de ruptura com regras de igualdade racial, religiosa, sexual, e alguma fobia de compreensões econômicas apoiadas na igualdade.
Trata-se de acurado exame dos obstáculos epistemológicos e ideológicos impeditivos a que os juízes compreendam melhor as suas efetivas funções na distribuição da Justiça. O autor, aluno da nossa centenária Faculdade de Direito, e depois dela professor, dá excelente contribuição ao conhecimento interno e externo do Poder Judiciário.
Em 2006, a Seccional da Ordem dos Advogados no Maranhão, publicou a coletânea de textos de minha autoria, sob o título “A Reinvenção do Judiciário”, ali, chamei a atenção para o crescimento de demandas oportunizado pela Constituição de 1988, e para a falsa crença de que reformas processuais fatiadas ou novo Código de Processo Civil pudessem ser capazes de resolver o problema.
O Poder Judiciário, padecia como os demais poderes, da necessidade de modernização da gestão, especialmente o processo judicial, face aos formalismos seculares, alguns deles arguidos como garantias dos cidadãos. Os poderes Executivo e Legislativo precisariam deixar de onerar o Judiciário, ao encaminharem todos os seus conflitos, resolvendo-os internamente. Utilizando-se de metodologias modernas, em contencioso administrativo esgotando-se as demandas.
E o preceito constitucional de que nada escapa ao exame judicial? Este precisa se submeter a critérios da legislação infraconstitucional possibilitando a que todas as camadas da população tenham acesso aos serviços judiciários, com respostas em tempo célere.
Como bem lembrava o Juiz Stephen Breyer, da Corte Suprema dos Estados Unidos, o juiz representa o verdadeiro detentor do poder de julgar, o povo. Significa que a técnica jurídica deve ser desconsiderada? Não. Significa sim, que ela deve estar a serviço dos interesses da sociedade. É este o principal desafio dos juízes e do Judiciário.