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Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública

A reabilitação como instrumento ressocializador do condenado – por Alexandre Brito

Alexandre José Trovão Brito é advogado. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão. 

A reabilitação como instrumento ressocializador do condenado

Tema gerador de controvérsias, a reabilitação é um instituto jurídico pouco discutido no âmbito acadêmico e que ainda não recebe muita atenção por parte dos manuais de Direito Penal. Longe de esgotar o tema, a pretensão dessas linhas está ligada a análise desse instrumento legal como forma de preservar os direitos relativos ao condenado e sua imagem dentro do contexto de sua ressocialização.

Em primeiro plano, é importante registrar que a reabilitação penal encontra previsão legal nos artigos 93 a 95 do Código Penal. É possível conceituar como a declaração judicial que atesta que estão cumpridas ou extintas as penas fixadas ao sentenciado, garantindo o sigilo dos registros sobre o processo e atingindo os efeitos da condenação.[1]

De pronto já se percebe que estamos diante de uma medida favorável ao condenado, uma vez que o Estado permite a concretização do direito ao esquecimento[2]. A proposta é possibilitar a reinserção do sentenciado na sociedade, para que este possa exercer determinadas atividades administrativas, civis e políticas das quais foi privado através da condenação.

Da mesma forma que a pena, em algum momento, alcança um rastro de legitimidade jurídica enquanto direito fundamental de dimensão objetiva, a lei também precisa assegurar ao sentenciado que ele tenha formas de obstruir que os efeitos da condenação lhe atinjam para toda a eternidade, direito fundamental subjetivo, próprio do ser humano, e que deve guardar harmonia com a possibilidade de aplicação da pena.[3]

O artigo 94 do Código penal estabelece que a reabilitação penal pode ser requerida desde que decorram dois anos do dia em que for extinta, de qualquer modo, a pena ou terminar sua execução, computando-se o período de prova do “sursis” ou do livramento condicional, se não sobrevier revogação.

O mesmo artigo ainda estabelece como condições para se requerer o benefício em tela: a) ter tido domicílio no país no prazo referido anteriormente (2 anos); b) ter dado, durante esse tempo, demonstração efetiva e constante de bom comportamento público e privado; c) ter ressarcido o dano causado pelo crime ou ter demonstrado a absoluta impossibilidade de o fazer, até o dia do pedido, ou exibido documento que comprove a renúncia da vítima ou novação da dívida.

A competência para processar e julgar o pedido de reabilitação pertence ao juiz da condenação, conforme estabelece o artigo 743 do Código de Processo Penal. Cabe destacar que enquanto os requisitos para a concessão da medida devem observar as disposições do Código Penal, os dispositivos relacionados ao processo e julgamento devem observar aquilo que está disposto no Código de Processo Penal.[4]

Assim, deverá o condenado, devidamente representado por quem tenha habilitação para postular em juízo (advogado), apresentar o pedido de reabilitação para o juiz da condenação, instruindo o requerimento com: a) certidões que comprovam não ter respondido, nem estar respondendo, a processo penal, em qualquer das comarcas em que houver residido durante o prazo necessário para a reabilitação; b) atestados de autoridades policiais ou outros documentos que comprovem ter residido nas comarcas indicadas e mantido, efetivamente, bom comportamento pelo prazo necessário para a reabilitação; c) atestados de bom comportamento fornecidos por pessoas em cujo serviço tenha estado; d) quaisquer outros documentos que sirvam como prova de sua regeneração; e) prova de haver ressarcido o dano causado pelo crime ou persistir a impossibilidade de fazê-lo.[5]

Questão interessante que surge é o fato da própria Lei 7.210/84 (Lei de Execução Penal) já tratar sobre o sigilo, bastando o cumprimento ou extinção da pena. Preceitua o artigo 202 do referido diploma legal: “Cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei”. Em outras palavras, extinta a punibilidade do condenado, pelo cumprimento da pena ou outro motivo, não mais se fornecerá certidão, a qualquer do povo, sobre a condenação.[6]

Desse modo, para fins criminais e para concursos públicos, quando a banca requisita diretamente essas informações, continuam a constar tais registros, o que é válido, pois o objetivo é totalmente diferente. Um juiz criminal, para aplicar uma pena, precisa ter conhecimento sobre a vida pregressa do acusado, o que inclui todos os antecedentes registrados em sua folha. Há voz na doutrina que afirma que tal artigo acabou esvaziando a função da reabilitação (art. 93, caput, CP) porque o ex-condenado não mais precisa disso para apagar os registros criminais contidos em sua folha, ao menos para fins civis.[7]

Além de ter o efeito de garantir o sigilo sobre os registros do processo e da condenação, outro resultado da reabilitação é atingir os efeitos da condenação previstos no artigo 92 do CP, vedada a reintegração na situação anterior quanto aos incisos I e II. Nessa esteira, depois da reabilitação, o condenado poderá exercer cargo, função ou mandato eletivo, não sendo possível a sua reintegração na situação anterior. Em relação ao exercício do poder familiar, tutela e curatela, o condenado recupera tal direito, exceção feita ao filho, tutelado ou curatelado contra quem praticou o delito. Pode o condenado, também, após a reabilitação, habilitar-se novamente a dirigir veículo.[8]

No que diz respeito a revogação da reabilitação, esta encontra previsão no artigo 95 do Código Penal e segue o espírito da cláusula rebus sic standibus, pois uma vez concedida, pode ser revogada, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, se o reabilitado for condenado, como reincidente, por decisão definitiva, a pena que não seja de multa.[9]

Por último, mas não menos importante, é válido ressaltar que a reabilitação penal, como instrumento ressocializador, serve para materializar um dos objetivos mais importantes e perseguidos do Estado no tocante aos seus sentenciados, qual seja, torna-los aptos a retornarem para o convívio social. Não é por outro motivo que um dos significados da palavra reabilitar é regenerar.

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Alexandre José Trovão Brito é advogado. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão. 

 

[1] ANDREUCCI, Ricardo Antonio. A polêmica reabilitação penal. Empório do Direito, dez. 2018. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/a-polemica-reabilitacao-penal>. Acesso em: 20 dez. 2018.

[2] GRAIM NETO, Antonio. Alguém já ouviu falar em reabilitação? Empório do Direito, mai. 2017. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/alguem-ja-ouviu-falar-em-reabilitacao-1508245456>. Acesso em: 25 dez. 2018.

[3] GRAIM NETO, Antonio. Alguém já ouviu falar em reabilitação? Empório do Direito, mai. 2017. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/alguem-ja-ouviu-falar-em-reabilitacao-1508245456>. Acesso em: 25 dez. 2018.

[4] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 6. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 592.

[5] ANDREUCCI, Ricardo Antonio. A polêmica reabilitação penal. Empório do Direito, dez. 2018. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/a-polemica-reabilitacao-penal>. Acesso em: 20 dez. 2018.

[6] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 1. Ed. São Paulo: Forense, 2018, p. 264.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Execução Penal. 1. Ed. São Paulo: Forense, 2018, p. 264.

[8] ANDREUCCI, Ricardo Antonio. A polêmica reabilitação penal. Empório do Direito, dez. 2018. Disponível em: <http://emporiododireito.com.br/leitura/a-polemica-reabilitacao-penal>. Acesso em: 20 dez. 2018.

[9] CUNHA, Rogério Sanches. Manual de Direito Penal – Parte Geral. 6. Ed. Salvador: JusPodivm, 2018, p. 592.