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 “Não é só reinserção, é inserção na vida”: Cerca de seis mil dos 12 800 detidos em Portugal desenvolvem uma atividade profissional, dentro ou fora da prisão, em áreas que vão da marcenaria à agricultura. Ganham em média o salário mínimo.

direitos fundamentais

Por Graça Henriques

30 Maio 2019

Matéria originalmente publicada no Diário de Notícias

 

Quase metade dos reclusos estão a trabalhar – de um total de 12 800 detidos em estabelecimentos prisionais, 6000 desenvolvem uma atividade profissional. Estas vão desde áreas tão díspares como a agricultura ou fabrico de mobiliário, à reparação de automóveis – alguns reclusos, no Centro de Formação Profissional, em Alcoentre, foram mais ambiciosos e construíram um carro de raiz com as suas próprias iniciais

O trabalho em contexto profissional pretende que os reclusos adquiram competências para exercer uma atividade, já que muitas destas pessoas nunca o fizeram antes, refere ao DN a secretária de Estado Adjunta e da Justiça, Helena Mesquita Ribeiro: “Não é só de reinserção que se está a falar, mas de inserção na realidade da vida, está-se a dar ferramentas que não tiveram antes, já que muitos deles viveram em ambientes desestruturados“, acrescentou a governante que esta quinta-feira esteve presente na assinatura do protocolo para a venda de produtos produzidos pelos reclusos entre a Direção Geral dos Serviços Prisionais e a IPSS Boa Vizinhança Santo António, de Lisboa, – uma instituição que atua em parceria com os comerciantes, instituições locais e juntas de freguesia, envolvendo-se em projetos de inovação e responsabilidade social.

“Trata-se de pessoas que não têm competências básicas, que não conhecem outra forma de afirmação que não seja a violência, porque foi assim que cresceram”, sublinha ainda Helena Mesquita Ribeiro.

O objetivo deste protocolo é colocar à venda, no Mercado do Rato, produtos não perecíveis, produzidos nos estabelecimentos prisionais. Por agora, está disponível o vinho produzido no Estabelecimento Prisional de Alcoentre, azeite e nozes da época (Izeda), mobiliário, nomeadamente bancos (Coimbra), tapetes (Tires). Em breve estará em à venda o mel que está agora a ser extraído das colmeias da cadeia de Pinheiro da Cruz.

De facto, são muitas as atividades levadas a cabo pela população prisional, sendo que uma das preocupações do Governo é encaminhar a população mais jovem para formação em áreas com maior oferta de empregabilidade, como as novas tecnologias, reparação de computadores e hotelaria, a nível de cursos de cozinha. “O objetivo é que tenham ferramentas para se inserirem na vida ativa”, diz Helena Mesquita Ribeiro.

O Estabelecimento Prisional de Torres Novas é o que regista maior número de reclusos a trabalhar – 91% têm uma atividade profissional, segundo os últimos dados oficiais (31 de dezembro de 2017) que, de acordo com Ministério da Justiça não sofreram alterações significativas. Aqui, contudo, a população prisional é baixa, menos de meia centena de reclusos.Em Alcoentre e Carregueira, respetivamente com seis e sete centenas de reclusos, cerca de metade trabalham. Já em Caxias (quase 600) a taxa não chega aos 30%. O mesmo acontece em Lisboa, com quase mil presos, e menos de 300 a trabalharem.

Parte do salário vai para uma conta

Os reclusos que desenvolvem uma atividade profissional em meio familiar são remunerados – em regra recebem um valor aproximado ao salário mínimo nacional, que atualmente é de 600 euros. Se trabalharem para empresas externas – cerca de 1500 estão ao serviço de 150 empresas -, são estas que lhes pagam os ordenados, se trabalharem para o estabelecimento prisional recebem através deste. Certo é que uma parte do vencimento, cerca de metade, fica retido numa conta para que os reclusos possam fazer um pé-de-meia que lhes será devolvido quando saírem em liberdade. “Nem todos têm suporte familiar que lhes garanta uma saída tranquila.”

Além das várias atividades que desenvolve – que vão dos acessórios de moda produzidos em Tires (as famosas malas Reklusa) ao vinho premiado Chão de Urze produzido em Alcoentre e à manutenção das máquinas da Delta – a população prisional tem sido requerida para a manutenção dos edifícios sob a alçada da Justiça, como tribunais e estabelecimentos prisionais. Ao todo foram investidos cerca de cinco milhões nesta área, que tem sido levada a cabo com com mão-de-obra prisional.

Entre os trabalhos de recuperação destacam-se, por exemplo, a aplicação da cadeia do centro de Braga (com biblioteca e espaço de lazer), a substituição telhado do Estabelecimento Prisional de S. José do Campo (Viseu) e a reabilitação do salão nobre do tribunal de 1ª instância de Coimbra, que estava em muito mau estado e agora se apresenta de cara lavada.

Também a reparação dos parque automóvel das prisões é, em regra, garantida pelos reclusos.

Reclusos a trabalhar
A secretária de Estado Adjunta e da Justiça faz questão de dizer que enaltecer o trabalho desenvolvido pela comunidade prisional não visa escamotear os problemas existentes, mas que é uma forma de dar a conhecer o que de bom se faz neste meio: “Todos os que estão a trabalhar sentem-se mais integrados, adquirem uma maior consciência da situação em que estão, reforçam os valores.”

Também a ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, considerou no dia 10 de maio, nas comemorações do 30.º aniversário do Centro Protocolar de Formação Profissional para o Setor da Justiça, que o trabalho desenvolvido por reclusos “é um método eficaz de aumento da empregabilidade e reduções da reincidência.”

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