Nove países, incluindo o Brasil, integram a Amazônia…
A Constituição Federal traz, no artigo 225, § 4º, os parâmetros que deveriam nortear uma interpretação mais consentânea com a fenomenalidade desse patrimônio socioambiental: “A floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.”
Sergio Victor Tamer *
(artigo originalmente publicado na Revista Consulex, em 2008)
Desenvolver economicamente a região amazônica e ao mesmo tempo preservar a sua cobertura florestal – parece ser um sonho quase impossível diante do modelo econômico que está sendo posto em prática naquela que é a mais importante bacia hidrográfica do planeta. O modelo econômico que adotamos atualmente para a Amazônia consiste basicamente em retirar a madeira comercializável, explorar a pesca industrial, devastar a mata para formar pasto ou para disseminar campos agrícolas. O resultado disso é que já destruímos 18% dos 4,55 milhões de quilômetros quadrados que estão em solo brasileiro. Até onde chegaremos?
O então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, alarmado com o aquecimento global e seus efeitos também sobre aquela região, prontamente fez a advertência: este “tesouro da Terra” está “sufocando” e poderá se transformar numa savana. Os 9 estados que integram a Amazônia brasileira, por suas bancadas na Câmara, e com o apoio de ministérios e demais comissões parlamentares, realizaram o I Simpósio “Amazônia e Desenvolvimento Nacional”, com o objetivo de tornar efetivas as ações do “Plano Amazônia Sustentável”, lançado desde 2003 pelo governo federal e sem nunca ter funcionado adequadamente.
A Amazônia é um território complexo e que pode ser dividido em três grandes conjuntos estratégicos. O primeiro deles (1) constitui o seu fantástico patrimônio biológico, onde se situa um terço das florestas tropicais do planeta e onde estão cerca de 30% da diversidade biológica mundial, portanto, com imenso potencial genético. Somente para a atmosfera, a massa vegetal ali existente libera, por ano, 7 trilhões de toneladas de água por meio de um processo chamado de evapotranspiração; o segundo (2) diz respeito ao seu fabuloso patrimônio hidrológico, com cerca de 1 mil e 100 afluentes por onde fluem, aproximadamente, 20% da água doce do planeta e 80% da água disponível no Brasil; o terceiro desses conjuntos estratégicos (3) está relacionado ao seu incrível patrimônio geológico. Ao lado das gigantescas reservas de minérios tradicionais encontram-se os minérios com potencial para novas aplicações tecnológicas, como o nióbio e o titânio. No entanto, a par dessa riqueza exuberante que a natureza e a história nos legaram, não se pode desconhecer, dada a sua extraordinária e superior importância, o espetacular patrimônio humano ali existente, constituído pelo expressivo contingente de povos indígenas e populações tradicionais nas quais se incluem seringueiros, castanheiros, ribeirinhos e extrativistas de um modo geral. É a Amazônia, fundamentalmente, a terra dos povos amazônicos, detentores que são de apreciada riqueza étnica e cultural.
A problemática em relação à Amazônia – por tudo o que representa esse espetacular patrimônio socioambiental para o equilíbrio do ecossistema, no Brasil e no Planeta –, pode ser representada pelos seguintes questionamentos: como construir um modelo de desenvolvimento econômico que respeite e preserve este “tesouro da Terra”? E, por que o desenvolvimento do Brasil passa, obrigatoriamente, pela preservação e pelo desenvolvimento da Amazônia?
Precisamos ter a consciência de que o desenvolvimento da Amazônia não pode estar ligado, simplesmente, à extração madeireira e mineral, aos campos de gado, às áreas agrícolas ou à exploração do pescado. Isso tudo seria pequeno demais diante da grandeza daquele importante território. O país tem 165 mil quilômetros quadrados de área desflorestada, abandonada ou semiabandonada, pronta para ser utilizada e capaz de dobrar a nossa produção de grãos. A política que devemos lá adotar é a da inovação tecnológica que possibilite a sua apropriada exploração científica. O desafio, assim, é científico e tecnológico, com incentivo e financiamento à bioprospecção e à bioindústria, apoiada em recursos genéticos regionais. Por aí passa o desenvolvimento amazônico. Este deve ser o caminho para a riqueza e o desenvolvimento. Da energia gerada por fotossíntese, por exemplo, podemos conseguir alimentos, combustíveis, química verde, fármacos e cosméticos. Da energia gerada pelos rios podemos resolver, em grande parte, a crise do setor energético, a exemplo da hidroelétrica de Tucuruí, em pleno rio Tocantins. É possível desenvolver sem desmatar e assim gerar riquezas, emprego e renda, sem agressões consideráveis ao meio ambiente.
A Constituição Federal traz, no artigo 225, § 4º, os parâmetros que deveriam nortear uma interpretação mais consentânea com a fenomenalidade desse patrimônio socioambiental: “A floresta Amazônica é patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro das condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais.” A par desse dispositivo constitucional, o Brasil possui, reconhecidamente, um dos mais exigentes e modernos sistemas legislativos para a defesa da natureza e de seus santuários.
Ora, o atual modelo de desenvolvimento não está assegurando a preservação do meio ambiente, e não há nenhuma contestação, entre nós, quanto a este fato. Pelo contrário, ambientalistas denunciam, quase diariamente, as ações devastadoras perpetradas na hileia de Humboldt. Estamos, dessa maneira, violando preceito constitucional que deveria estar sendo rigorosamente obedecido, e, além disso, o Brasil é signatário de um dos mais importantes tratados internacionais que versam sobre a preservação ambiental.
Não podemos oferecer pretexto para que malucos continuem a propor, pelo mundo afora, a internacionalização da Amazônia, como o fez Pascal Lamy, em 2005, quando era diretor da Organização Mundial do Comércio – OMC e outros tantos, muito antes dele e até mais recentemente, quando se verificou o descontrole das queimadas.
Vamos, pois, construir um novo modelo de desenvolvimento para a Amazônia que privilegie os recursos tecnológicos e científicos mais avançados. Não podemos adotar, como parâmetro, para a região, o mesmo modelo de desenvolvimento utilizado no Sul do país, no Centro-Oeste ou no Nordeste. Isso seria irracional, em termos de Amazônia e, consequentemente, indigno das atuais e futuras gerações.
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SERGIO VICTOR TAMER é presidente do CECGP – Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública, mestre em Direito Público pela UFPe , doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca e pós doutor pela Universidade Portucalense. É autor de vários livros jurídicos, no Brasil e na Espanha.
_____Artigo sem atualização. Publicado originalmente na REVISTA JURÍDICA CONSULEX – ANO XII – Nº 267 – 29 DE FEVEREIRO / 2008