A imprensa acaba de noticiar com grande destaque que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) rejeitou a proposta de convocação de uma Assembléia Constituinte, a qual pretendia tratar exclusivamente da reforma política, ao mesmo tempo em que aprovou um fórum nacional para propor mudanças na estrutura política. Enquanto isso, informa-se que a Comissão de Defesa da República e da Democracia do Conselho Federal da OAB já elaborou anteprojeto de lei para afastar explicitamente da lei nº 8.429, de 1992, o entendimento de que os agentes públicos sujeitos a impeachment estão isentos de punição por improbidade administrativa. Esses assuntos, que estão na ordem do dia, e que em qualquer outro país estariam afetos ao Congresso, no Brasil aparecem vinculados a uma organização pertencente à classe dos advogados. Pode parecer estranho mas tem a OAB uma função política muito importante conferida em lei. A questão é saber como, quando e para quê utilizar essa função, além da identificação dos seus contornos, o nem sempre tem sido fácil .
De fato, a Ordem dos Advogados do Brasil detém prerrogativas que lhes foram atribuídas inicialmente pela lei 4.215/63, do seu antigo Estatuto, que nenhuma congênere sua assumiu em qualquer outro país. Atualmente, as questões político-institucionais, além de figurarem como uma das duas finalidades gerais da OAB, consoante o art.44 da lei 8.906/94, estão cometidas expressamente ao Conselho Federal, ao Conselho Seccional e às Subseções. Desta forma, a defesa da Constituição democrática, dos direitos humanos e da justiça social, integram os princípios político-institucionais que hoje estão entre as finalidades da OAB.
Muito se deve a Seabra Fagundes a trajetória da entidade nesta direção de grandeza e civismo. A organização inicial da OAB, mediante o Regulamento de 1931-33, tomou como modelo o Burreau de Paris, destinando-se a ser o órgão de seleção e disciplina da classe, tão-somente. Paulo Lôbo lembra que com o correr do tempo, as vicissitudes institucionais por que o país foi passando (da reconstitucionalização em 1934 ao Estado Novo), tantas vezes com reflexo no exercício da atividade do advogado e mesmo no papel cívico imanente na sua condição profissional, fizeram que o Congresso, sob a inspiração do Conselho Federal, conferisse à OAB o estatus que hoje possui.
Temos exemplos históricos notáveis dessa atuação política da OAB, como as campanhas pela redemocratização do País, pelas eleições diretas, pela ética na política, pela probidade administrativa, pelo combate à corrupção, pelo controle externo do Judiciário e tantas outras bandeiras que têm sido desfraldadas com arrojo nessa direção. Essa admirável e aplaudida atuação da OAB só lhe é permitida, porém, quando em jogo interesses que transcendem as relações individuais ou quando a defesa dos interesses de grupos determinados de pessoas, excepcionalmente, convenham à toda coletividade.
A OAB, desta forma, adquiriu confiabilidade e prestígio porque não se cingiu exclusivamente às suas questões internas, embora não se tenha descurado da tarefa de valorização da advocacia e da seleção e disciplina dos advogados, a exemplo do Exame de Ordem, da sua Escola Superior de Advocacia, dos Congressos Jurídicos, da campanha permanente voltada para a ética na profissão, além do trabalho de suas Comissões. A função política da OAB não se confunde, no entanto, com a política partidária ou com a política governamental. Tanto o pluralismo político quanto o apartidarismo são imprescindíveis para sua sobrevivência e a OAB, sendo de todos os advogados, a sua força reside, como bem interpretou Paulo Lôbo, na "sabedoria em traduzir o pensamento médio da classe".
Sergio Tamer é presidente do Centro de Estudos Constitucionais e de Gestão Pública – CECGP e doutor em Direito Constitucional pela Universidade de Salamanca.